O MAJOR E OS FALSOS FANTASMAS - Conto Clássico de Mistério - Walter Scott


O MAJOR E OS FALSOS FANTASMAS
Walter Scott
(1771 – 1832)

O fidalgo proprietário de certo palácio antigo, nos confins da Hungria, quis dar uma festa digna da sua qualidade e da grandeza do antigo solar em que habitava.

Os hóspedes necessariamente foram muitos, e entre eles se achou um oficial de hussardos conhecido pela sua bravura e coragem.

Tendo-se feito todos os arranjos necessários para que os convidados passassem ali a noite, disseram ao oficial, que, com dificuldade, se poderia acomodar toda a gente no palácio, a não haver alguém que quisesse dormir em um quarto habitado por fantasmas. E, sabendo-se que ele não era medroso, lhe propuseram ocupar o quarto enquanto se demorasse no palácio, como a pessoa que ali menos incomodada seria. O major agradeceu a preferência que dele se fazia, e, tendo-se demorado até alta noite nos divertimentos da companhia, se retirou depois ao seu quarto, jurando vingar-se de todo aquele que se atrevesse a incomodá-lo, ameaça que todos sabiam que ele era capaz de pôr em prática.

O major deitou-se, deixando a luz acesa e metendo um par de pistolas carregadas debaixo do travesseiro.

Ainda não tinha bem adormecido, quando foi acordado ao som de uma música solene e lúgubre. Olhou para todos os lados, e viu no fundo do quarto três senhoras fantasticamente vestidas de verde, as quais, juntas, cantavam um réquiem. O major ouviu com prazer a música por algum tempo.  Mas, afinal cansado, e querendo dormir, gritou:

— Senhoras, tudo isto é magnifico. Mas nem sempre deve ser a mesma coisa. Peço-vos que canteis outra peça.

As senhoras continuaram sem atender ao que se lhe dizia.

 O major começou a enfadar-se, e, afinal, sentando-se na cama, disse:

 —Senhoras, devo considerar o que vejo, e o que ouço, como feito de propósito para me meter medo, e, como isso me não parece bem, procurarei acabar a festa por um medo pouco agradável.

E começou a preparar as pistolas.

As senhoras continuaram sem atender a coisa alguma, e o major, cada vez mais aborrecido, lhes declarou que apenas lhes dava mais cinco minutos para se calarem, e que no fim deste espaço infalivelmente abriria fogo.

Nem assim o canto foi interrompido. Passaram-se os cinco minutos.

— Ainda vos dou tempo para vos arrependerdes: contarei até vinte.

Nem mesmo esta determinação produziu efeito. O major contou um, dois, três, e à medida que ia chegando ao fim, repetiu mais de uma vez que abriria fogo. Os últimos números — dezessete, dezoito, dezenove — foram ditos com grande pausa, assegurando com voz alta que as pistolas estavam engatilhadas.

As senhoras continuaram.

E o major, ao dar a voz de vinte, disparou ambas as pistolas contra as cantoras.  Mas estas, como se nada ouvissem, continuaram, e o major, vencido pela pouca eficácia da sua violência, adoeceu seriamente, e foi obrigado a estar de cama por três semanas.

O caso todo reduzia-se a que as senhoras estavam num quarto próximo, e que as balas se dirigiam só às suas imagens, que um espelho côncavo refletia no quarto em que ele dormia.

(Nota: Esta história pode explicar-se pelas leis da reflexão, mas, supomos que o engano, se não houvesse sido explicado, quem poderia fazer persuadir o major que no quarto não havia almas do outro mundo? E bem depressa se espalharia uma história, como a das bruxas com que nos embalam. Se o major tivesse tido o trabalho de levantar- e, como deveria, em breve ficaria satisfeito, que nada havia de sobrenatural, e se pouparia à mortificação de se terem rido à sua custa.)

Tradução e nota de autor desconhecido do século XIX.
Fonte: “O Archivo Popular” (PT), edição de 6 de janeiro de 1838.

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