AS CIRCUNSTÂNCIAS E AS CAUSAS DA MINHA MORTE - Conto de Terror - Gustavo Felicíssimo
AS
CIRCUNSTÂNCIAS E AS CAUSAS DA MINHA MORTE
Por
Gustavo Felicíssimo
Estava
quase no alvorecer do dia. Eu caminhava cansado após longa noite de excessos.
Não raciocinava bem. Mas despertei subitamente quando vi à minha frente o que
parecia ser um corpo morto. Seu aspecto esverdeado e o inchaço demonstravam que
havia entrado em decomposição há pelo menos um dia. Tanto que ao seu redor
havia muitas moscas. Era uma mulher de corpo escultural e estava seminua. Mas o
tempo começava a deteriorá-lo lentamente a fim de devolvê-lo à natureza sem a
oportunidade de uma cerimônia fúnebre que estivesse à altura de sua beleza. Imaginei
que àquela hora o seu ventre abrigava multidões de vermes microscópicos e
larvas que vagavam entre fezes e podridões. Agora ele dava vida às mais
estúpidas criaturas que o comiam aos beijos e sugavam seu sangue como se
bebessem o mais nobre de todos os vinhos. Passado o espanto e a náusea fui me
aproximando. Mirei-lhe, então, o sexo por debaixo da lingerie. E os seios ainda
formosos. Aproximei-me um pouco mais. E mais um pouco ainda. Foi quando tive a
sensação de que algum espasmo fazia tremer-lhe as pálpebras dos seus olhos
azulados. Então me deitei sobre o corpo. Minha boca estava a meio palmo da boca
daquele cadáver já sem calor algum.
Foi
quando senti uns dedos muito fortes, como se fossem garras poderosas,
segurando-me pela jugular. E aquele rosto bonito de repente se transformou em
algo medonho que me olhava fundo nos olhos e sorria assombrosamente. E cada vez
mais apertando fez cessar a corrente do sangue para o meu crânio. Até que
desfaleci. Agora me encontro em uma câmara fria, na companhia quase solitária
de um necropsista e seu ajudante que tentam em vão descobrir as circunstâncias
e as causas da minha morte.
Gustavo Felicíssimo, natural de
Marília/SP, é poeta, contista, cronista e editor. Reside desde 2007 em
Itabuna/BA, onde dirige a premiada editora Mondrongo. É autor de vários livros,
dentre eles Carta a Rubem Braga
(crônicas, 2017) e Desordem (poesias, 2016).
Imagem: Enrique Simonet Lombardo (1866 - 1927).
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