O NOVO CORAÇÃO - Conto Cruel - Mário Terrabatava


O NOVO CORAÇÃO
Mário Terrabatava

Wilhelm Bjørnson von Heiden, banqueiro e industrial, presidente da sociedade clandestina Fraternidade Ariana Farroupilha, finalmente ganharia um novo coração.

Recebeu o telefonema às 7:00h da manhã.  Às 8:00h, o seu helicóptero particular pousava no heliponto do hospital.  Naquele mesmo dia, à tarde, era um homem transplantado.

A recuperação daquele ariano de “puríssimo sangue”, descendente de prussianos e noruegueses, foi surpreendente. Sem dúvida, atribuía aquela capacidade de regeneração à pujança natural de sua estirpe viking.

Quando, porém, voltou à sua mansão, ficou vivamente contrariado e temeu pela própria saúde. Soube que o seu condomínio de alto luxo admitira uma família negra abastada. Algo inadmissível.

Mandou que os seus investigadores descobrissem o valor da compra do imóvel e pagou por este o dobro aos recém-chegados. Enxotou-os para bem longe, sem se preocupar com as despesas.

— Negros, semitas e asiáticos que procurem os seus lugares. Custe o que custar. — disse.

À medida que recuperava a saúde, mais se convencia da supremacia racial branca. Certamente, o jovem que lhe doou o coração era um genuíno ariano.

Mandou os seus investigadores a uma nova missão: descobrir a família do doador que lhe salvara a vida. De posse do nome e endereço da mãe do jovem falecido, convidou-a para um jantar de agradecimento em sua mansão.

Chegou o dia do ansiado encontro.

Von Heiden aguardava na luxuosa sala de visitas.

Quando o lacaio fez a porta abrir, e introduziu no requintado recinto a viúva de meia-idade, o cidadão ariano teve uma síncope. Levou a mão ao peito e desmaiou. Mas o seu novo coração era forte demais para levá-lo à morte.

Mesmo assim, von Heiden preferiu a morte a abrigar no peito aquele coração “hediondo”. A sua honra ultrajada e o seu ódio profundo não admitiam. O presidente da Fraternidade Ariana Farroupilha sentia uma imensa vergonha diante de seus pares e uma indizível repulsa de si mesmo.

Dois dias depois da terrível descoberta, von Heiden, o odioso milionário, estourou os miolos. Era o de um homem negro o saudável coração que ousava bater em seu nefando peito "ariano".


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