O VAMPIRO DA DALMÁCIA - Narrativa Clássica de Horror - Anônimo do Século XIX
Há
ainda na Europa terras onde se acredita em vampiros.
Na
Hungria, na Croácia, na Turquia e na Polônia qualquer um se exporia a passar
por homem imoral e irreligioso acaso se lembrasse de negar a existência desses
monstros noturnos.
Dá-se,
como é sabido, o nome de vampiro a um morto que sai da tumba durante a noite
para atormentar os vivos, sugar-lhes o sangue e, algumas vezes, apertar-lhes a
garganta como para estrangulá-los.
Os
indícios característicos do vampiro são, no dizer das populações que têm essa
crença absurda e essa superstição deplorável, a fluidez do sangue e a
flexibilidade dos membros. Nas sepulturas, têm os olhos abertos; as unhas e os
cabelos continuam a crescer como se tivessem vida. O único meio de pôr termo às
suas excursões é desenterrá-los, cortar-lhes as cabeças e queimar o cadáver. O
único sinal que deixam no corpo de suas vítimas é uma mancha vermelha ou
azulada no pescoço, bastante parecida com a mordedura de um sanguessuga.
Acrescentamos,
para completar esta horrível pintura, que o vampiro despreza todos os laços de
afeição de amor filial, e nem respeita parentes, amigos ou inimigos.
Eis,
segundo uma gazeta alemã, um fato que acaba de ter lugar em uma pequena aldeia
situada nas montanhas da Dalmácia:
“Uma
jovem bela e graciosa fora muitas vezes pedida em casamento. Depois de mil
hesitações, aceitou, enfim, um dos pretendentes. Feito o contrato, o noivo
partiu logo para a cidade mais próxima, a fim de comprar para a sua noiva uma
corrente de prata e mais algumas joias. Não devia voltar senão no dia seguinte,
ao cair da tarde. À noite, quando se celebravam os esponsais, a família,
parentes e amigos ouviram, de repente, um grito terrível que partiu do quarto
para onde se tinha retirado a noiva com sua mãe. Todos os convivas armaram-se,
pensando que se tratava de ladrões e, no momento que entraram no quarto,
presenciaram um espetáculo aterrador. A mãe, pálida, com os olhos escancarados,
sustentava nos braços a filha desmaiada, e dizia outros gritos de espanto:
—
Um vampiro! Um vampiro! Minha pobre filha morreu!...
Por
acaso, o médico da localidade vizinha estava na aldeia e, atraído pelos gritos,
entrou na casa e procurou tranquilizar a família e os convidados.
Stella
(era o nome da noiva), reanimada por um poderoso tônico, voltou a si, e contou
então o que vira: um homem pálido, envolto em uma mortalha, entrou pela janela.
Esse homem se atirara a ela e a mordera no pescoço.
O
médico ousou repelir como inverosimilhante a visão da jovem. Mas o pai o tratou
de incrédulo, e a mãe declarou que vira com seus próprios olhos o medonho vampiro,
e que perfeitamente reconhecera nele um sujeito chamado Krysnewsky, que morava
na aldeia, morto havia quinze dias, e que fora pretendente à mão do Stella.
A
noiva dava sinais de violento desespero e, torcendo os braços, exclamava:
—
Terei de morrer tão moça e sem ter sido casada!
Quantos
bentinhos havia na aldeia foram lançados ao pescoço do Stella. O pai e os
amigos da casa juraram que, no outro dia, fariam exumar o cadáver de
Krysnewsky, e o queimariam em presença de todos os habitantes.
A
noite passou-se na maior agitação, sem que nada pudesse tranquilizar o espírito
da infeliz família. Ao nascer do dia seguinte, armaram-se todos de espingardas,
facas e cacetes, e caminharam para o cemitério, pronunciando horríveis
imprecações contra o morto.
A
tumba foi profanada, a cabeça do cadáver esmigalhada pelas balas, e o corpo
queimado entre danças de canibais e gritos selvagens da multidão.
Quatro
dias depois, a infeliz garota morreu.
O médico quis, no entanto, conhecer a
verdadeira causa dessa morte singular. Descobriu o pescoço da defunta, levantou
os aparelhos, que a família até então não deixara tirar, e viu logo acima do
peito uma pequena ferida de seis a sete centímetros de profundidade. Pôde então
verificar que a moça morrera assassinada com uma agulha de correeiro
(fabricante de peças de couro). Interrogou os parentes sobre as qualidades e
profissões dos namorados preteridos, e soube que entre eles havia um correeiro.
Desde a noite do crime, esse moço desaparecera da aldeia sem que se pudesse
saber que direção levara.
No
dia do enterro da pobre Stella, um mascate, que atravessara uma torrente para
chegar à aldeia, declarou que vira um cadáver entre as anfractuosidades dos
rochedos que bordeavam a torrente. Feitas as indagações no lugar designado,
acharam o pobre correeiro que se suicidara precipitando-se na torrente.
Não
obstante as provas mais evidentes de assassinato, a família continuou a
acreditar que a jovem mulher fora morta por um vampiro.”
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