UMA VÍTIMA DA PUBLICIDADE - Conto Clássico Insólito - Émile Zola
UMA VÍTIMA DA PUBLICIDADE
Por Émile Zola
(1840-1902)
Conheci um
corajoso rapaz, falecido no ano passado, cuja vida foi um prolongado martírio.
Claude, a
partir da idade da razão, engendrou o seguinte raciocínio: “O plano de minha vida
está traçado. Eu só tenho que aceitar cegamente os benefícios de minha época. Para
avançar com o progresso e viver perfeitamente feliz, preciso apenas ler os
jornais e cartazes, de manhã e à noite, e fazer exatamente o que estes guias
soberanos me aconselharem. Esta é a
única sabedoria, a única felicidade possível”. A partir daquele dia, Claude
adotou os anúncios de jornais e os cartazes publicitários como código de vida.
Estes se tornaram o guia infalível que o ajudaria a decidir todas as coisas. Nada
comprava, nada empreendia que não fosse recomendado pela grande
voz da publicidade.
Foi assim que
o pobre desventurado passou a viver um verdadeiro inferno.
Claude
adquiriu um terreno em zona de aterro, onde só pôde construir sobre pilotis.
A casa, construída segundo um sistema
moderno, tremia quando ventava e desmoronava com as chuvas tempestuosas.
No seu
interior, as chaminés, guarnecidas de um engenhoso sistema fumífugo, exalavam
fumaça até asfixiar as pessoas. As campainhas elétricas obstinavam-se
permanecer silenciosas. Os vasos sanitários, instalados segundo um modelo
excelente, haviam-se convertido em fossas horríveis. Os móveis, que deviam
obedecer a mecanismos peculiares, recusavam-se a abrir e fechar.
Tinha
sobretudo um piano mecânico que não era senão um péssimo realejo e, ademais, um
cofre inviolável, à prova de fogo, que os ladrões levaram tranquilamente
às costas nua bela noite de inverno.
O infeliz
Claude não padeceu apenas com suas propriedades; também sofreu pessoalmente.
A sua roupa
rasgou-se em plena rua. Ele a comprara numa dessas casas que anunciavam um
grande desconto por causa de uma liquidação.
Um dia o
encontrei completamente calvo. Ele teve a ideia de mudar o cabelo de louro para
preto, sempre guiado pelo amor ao progresso. A loção que ele usara causara-lhe
a queda de todos os fios louros; ainda assim, ele ficou contente porque,
segundo dizia, agora poderia fazer uso de certa pomada que, com toda certeza,
lhe proporcionaria um cabelo preto duas vezes mais espesso que o antigo louro.
Eu não vou falar sobre todos os remédios que ele tomou. Ele, que era robusto,
ficou esquálido e sem fôlego. Foi quando a publicidade começou a matá-lo. Acreditando-se
doente, ele se tratou segundo as excelentes receitas dos anúncios e, para que a
medicação fosse mais eficaz, seguiu todos os tratamentos ao mesmo tempo,
deveras embaraçado com a idêntica quantidade louvores que cada produto recebia.
A publicidade
tampouco honrou a sua inteligência. Ele encheu sua biblioteca com livros que os
periódicos recomendavam. A classificação que adotou foi a mais engenhosa:
dispôs os volumes por ordem de mérito, ou seja, segundo o maior ou menor
lirismo dos artigos pagos pelos editores.
Todos os
disparates e todas as infâmias contemporâneas ali se amontoavam. Nunca se vira um tão grande monte de
ignomínia. E Claude tivera o cuidado de pregar na lombada de cada livro o
anúncio que o induzira a comprá-lo.
Assim, quando
abria um livro, sabia de antemão o entusiasmo que se lhe seria revelado. Ria ou
chorava conforme a fórmula.
Neste ritmo,
ele se tornou um completo idiota.
O último ato
deste drama foi lastimável. Claude, tendo lido que havia uma sonâmbula que
curava todos os males, apressou-se em consultá-la sobre as doenças que tinha. A
sonâmbula gentilmente ofereceu-lhe a possibilidade de rejuvenescimento,
indicando-lhe os meios de ter não mais que dezesseis anos. Tratava-se
simplesmente de tomar um banho e beber uma certa água.
Ele tomou a
beberagem, mergulhou na banheira e rejuvenesceu tão completamente que, ao cabo
de meia hora, encontram-no afogado.
Mesmo depois
de sua morte, Claude foi vítima da propaganda. Em seu testamento, manifestara a
vontade de ser sepultado num ataúde de embalsamento instantâneo cuja patente um
farmacêutico acabara de obter. No cemitério, o ataúde se abriu em dois e o
miserável cadáver escorregou à lama, tendo de ser enterrado de qualquer jeito
com as tábuas quebradas de seu caixão.
Seu túmulo,
feito de cartão-pedra e imitação de mármore, encharcado pelas primeiras chuvas
de inverno, rapidamente transformou-se num monturo de podridão inominável.
Versão em português de Paulo Soriano.
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