A LIÇÃO DE SARDOK - Conto Fantástico - Rogério Silvério de Faria
A
LIÇÃO DE SARDOK
Rogério
S. de Farias
Sob o luar verde e mortiço de Ozrogath,
um dia desceu das montanhas sagradas o jovem mago Sardok, entre as brumas de
uma manhã sombria, naquele longínquo planeta, um mundo estranho e oculto, nos
confins de uma galáxia desconhecida, no espaço exterior de outra dimensão,
acessível somente àqueles que ousam transpor os portais mágicos do sono. Ou se
aventuram mais além deles, além dos jardins dos delírios mortais, nas plagas
etéreas da loucura.
No mítico e vetusto mundo de Ozrogath,
além, muito além das vastas dimensões oníricas e dos mundos adjacentes dos
pesadelos, além dos insignificantes devaneios humanos, a barbárie e a magia
imperam da forma mais sangrenta e sobrenatural possível, e se fazem soberanos
da carne e do espírito beligerante dos habitantes desta estranha terra. A
espada faz o destino dos Ozrogathianos, e a magia corrobora a energia mística
das almas deste fantástico planeta quase sempre envolto em violência, magia e
força.
Iniciado nas estranhas ciências mágicas
de Granypur, “a mística”, a cidade de cristal verde dos magos, o jovem Sardok
começara sua peregrinação pelas cidades mundanas nos vales enevoados ao sul de
Lyrar, o reino violento governado pelo não menos violento príncipe Wuayr,
também chamado de “O Degolador”.
Com seu cajado mágico, Sardok, o príncipe
dos magos, vestido com sua túnica cor de noite sem luar e sem estrelas, seguia
caminhando solitariamente, à procura da última lição. A lição que o faria
senhor de si mesmo.
No planeta Ozrogath quase sempre
predominava a mais baixa e sórdida das magias. A pérfida magia negra, com seus
encantamentos malditos, com seus feitiços infernais e maldições implacáveis.
Além das guerras, com todo o clangor furioso do aço das espadas cintilantes e
sanguinárias como presas de um lobo faminto, a fúria das batalhas sangrentas
onde a morte e o sangue coroam o reinado da violência e da barbárie.
O jovem Sardok encontrou, em seu
caminho, uma tropa de soldados do reino de Lyrar, liderados pelo pérfido e
cruel príncipe Wuayr, tendo como conselheiro o mago negro ZarulkRah, o mestre
caolho das criptas antigas do conhecimento proibido.
Wuayr e suas hostes, com seus arneses cor
de sangue, com seus escudos negros e cintilantes e com caveiras neles
estampadas, com suas espadas e alabardas famintas de sangue e morte, iam
rapidamente em busca de conquistas, saques, carnificinas.
Wuayr queria dominar o pequeno reino de
Yur, do povo anão, homúnculos bondosos, uns pequeninos que seriam chamados
pejorativamente de gnomos em mundos como a Terra. Os diamantes das cavernas de
Yur também seriam de Wuayr, custasse o que custasse, mesmo que precisasse o
extermínio daquele pacífico e pequenino povo de tez verde, mas de alma branca.
“Saia
da frente do caminho glorioso de nosso príncipe, o impiedoso Wuayr! Sou eu quem
diz, o velho sacerdote ZarulkRah, adorador do deus-serpente Zakk. Zakk, que
batiza a todos os seus adoradores com a peçonha sagrada no berço da eternidade!...
Eu te conheço, jovem. És o tolo Sardok, adepto da tola Boa Lei, príncipe da
insípida magia branca, que morava na cidade de cristal verde que fica no alto
das montanhas sagradas de Granypur! Ouve-me: o príncipe Wuayr, de Lyrar, o
reino das névoas eternas, está indo para a guerra e para a conquista, único
sentido de sua vida. Ele também adora o escamoso Zakk no tabernáculo de seu
corpo e de sua alma.”
Sardok olhou-o com firmeza, dizendo:
“Realmente tens razão, bruxo. Sou eu mesmo, Sardok, jovem mago da senda da luz,
e procuro completar a minha iniciação aqui, em terras mundanas! Mas, escuta-me
também: não achas intensa covardia tu e teu feroz príncipe atacar um povo tão
indefeso, pacato e benfazejo como os pequenos Yurs? Há alguma virtude nisso? É
preciso saber a quem se fere. Devo avisar a ti e a teu príncipe que a espada
mata não apenas a carne de suas vítimas, mas a alma de quem a empunha também. O
destino dos homens que matam inocentes é mil vezes pior que a morte. Às vezes,
lobos sanguinários recebem o que merecem de simples e inocentes ovelhas, pois o
destino é alicerçado pelas sábias leis escritas pelos Deuses Brancos de
Ozrogath, os Grandes Esquecidos, senhores divinos que fazem fortes os fracos e
fracos os fortes!... Tudo isso que ora digo pode ser confirmado, pois está
escrito nos Pergaminhos do Profeta Amon-Droth.”
Wuayr, o príncipe maldito, foi quem se
pronunciou, finalmente:
“Que ousadia e que disparate! Sai
imediatamente de nossa frente ou passaremos por cima de ti com nossos
unicórnios negros, eu e meus soldados! Eu desejo a guerra, a conquista, a morte
de todos que ousam negar os meus anseios sanguinários. O sangue derramado por
minha espada é como um néctar da flor negra da morte. E o sangue de inocentes é
como um vinho capitoso com que embriago os deuses negros de Ozrogath degredados
no inferno subterrâneo de Hagarthatheron!’’
Então Sardok deixou-os passar, e depois
sentou soturno, numa pedra.
Sardok sabia que, no reino de Yur, nas
imensas cavernas iluminadas pelo brilho de diamantes, havia um grande dragão
branco que falava, e que, agora, era muito amigo dos yurs. Os yurs salvaram-no,
certa vez, curando-lhe um terrível ferimento causado pela queda de uma
estalactite durante o grande terremoto do Ciclo Negro. Dito dragão falante e
albino não cuspia fogo, mas seu olhar petrificava e matava os corpos daqueles
em cujos corações predominavam a maldade e o egoísmo desenfreado, pois os olhos
do grande dragão branco eram como espelhos que refletiam a verdadeira imagem
dos malvados: a monstruosidade de suas almas. Assim, os que cultuam o mal
acabam perecendo ao contemplarem os reflexos hediondos de suas almas no espelho
mágico dos olhos do dragão.
Quando chegou a noite, o jovem mago teve uma
clarividência fantástica, e viu que o príncipe maldito, o mago negro e sua
tropa infame haviam sido petrificados e mortos horrivelmente. Assim,
compreendeu Sardok uma grande lição que o tornaria senhor de si mesmo: ele viu,
através dos erros alheios, que o egoísmo desenfreado escraviza o espírito.
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