METZENGERSTEIN - Conto Clássico de Terror - Edgar Allan Poe
METZENGERSTEIN
Edgar
Allan Pöe
(1809
– 1849)
Pestia, eram vivus, — moriens tua
mors[1].
Lutero
O
horror e a fatalidade se expandem através de todos os séculos. Para que
atribuir uma data à história que vou narrar? Basta-me referir que, na época à
que aludo, existia no centro da Hungria uma crença secreta, mas sólida, nas
doutrinas da metempsicose[2].
Nada direi sobre essas doutrinas em si mesmas, sobre sua falsidade ou sua
probabilidade. Afirmo, todavia, que boa parte de nossa incredulidade provém —
como diz La Bruyèrs, que atribui toda nossa infelicidade a essa causa única — de não podermos estar sozinhos.
Havia,
porém, alguns pontos na superstição húngara que tendiam acentuadamente para o
absurdo. Os húngaros divergiam muito essencialmente de seus chefes do Oriente.
Por exemplo, acreditavam que a alma — transcrevo as expressões de um arguto e
inteligente parisiense — só habita uma única vez um corpo sensível. Assim, um
cavalo, um cão, mesmo um homem, não
passam da aparência ilusória desses seres.
As famílias Berlifitzing e Metzengerstein se
haviam querelado durante séculos. Jamais se viram duas casas tão ilustres
reciprocamente exasperadas por tão imortal inimizade. Esse ódio podia encontrar
sua origem nas palavras de uma antiga profecia: — um grande nome cairá com uma queda terrível, quando, à imagem do
cavaleiro sobre seu cavalo, a mortalidade de Metzengerstein triunfar da
imortalidade de Berlifitzing.
Não
há dúvida que os termos tinham pouco ou nenhum sentido. Houve causas, porém, mais
vulgares que provocaram — e isso sem remontar muito longe — consequências
igualmente plenas de acontecimentos. Ademais, as duas casas, que eram vizinhas,
tinham por muito tempo exercido uma influência rival nos negócios de um governo
tumultuoso. Além disso, é raro que vizinhos tão próximos sejam amigos. E do
alto de seus maciços terraplenos os habitantes do castelo Berlifitzing podiam
mergulhar seus olhares nas próprias janelas do palácio Metzengerstein.
Finalmente, a ostentação de um fausto mais que feudal era pouco próprio para
acalmar os sentimentos irritadiços dos Berlifitzing menos antigos e menos
ricos. Será, portanto, de surpreender que os termos daquela predição, embora
inteiramente extravagantes, tenham tão bem-criado e mantido a discórdia entre
duas famílias já predispostas às querelas por todas as instigações de uma
inveja hereditária? A profecia parecia implicar — se é que implicava alguma
coisa — um triunfo final da casa já então mais poderosa, e, naturalmente, vivia
na memória da mais fraca e menos influente, impregnando-se de amarga
animosidade. Welhelm, conde de Behifitzing, embora, proviesse de elevada
origem, não passava, na época desta história, de um velho caduco e enfermo, e
nada possuía de notável, a não ser uma antipatia inveterada e louca contra a
família de seu rival, e uma paixão tão forte pelos cavalos e pela caça que
coisa alguma, nem seus incômodos físicos, nem sua avançada idade, nem o
enfraquecimento de seu espírito podiam impedi-lo de participar diariamente dos
perigos desses exercícios.
Do
outro lado, Frederick, barão de Metzengerstein, ainda não era maior. Seu pai, o
ministro G..., morrera moço. Sua mãe, Sra. Maria, logo o acompanhou. Nessa
época, Frederick contava dezoito anos. Numa cidade, dezoito anos não
representam um longo lapso de tempo; mas numa solidão — numa tão magnifica
solidão quanto aquele antigo domínio —, o pêndulo vibra com solenidade mais
profunda e mais significativa.
Em consequência de determinadas circunstâncias
ligadas à administração seu pai, o jovem barão, logo após a morte daquele,
entrou na posse de suas vastas propriedades. Raramente se havia visto um nobre
da Hungria possuir semelhante patrimônio. Seus castelos eram incontáveis. O
maior e mais esplêndido era o palácio Metzengerstein. A linha fronteiriça de
seus senhorios jamais fora claramente traçada, mas seu parque principal
abrangia uma circunferência de cinquenta milhas.
O
advento de uma fortuna assim incomparável para um proprietário tão jovem, e de
caráter tão bem conhecido, deixava pouco lugar para conjecturas no tocante à sua
provável linha de conduta. De fato, no espaço de três dias, a conduta do
herdeiro fez empalidecer a fama de Herodes e ultrapassou esplendidamente as esperanças
de seus mais entusiasmados admiradores. Vergonhosas orgias, perfídias flagrantes,
atrocidades incríveis, depressa fizeram seus trêmulos vassalos compreenderem
que coisa alguma — nem submissão mesquinha de sua parte, nem escrúpulos de consciência
da parte dele — doravante os garantiria contra as garras sem remorsos do
pequeno Calígula. Pela noite do quarto dia, reparou-se que havia incêndio nas
estrebarias do castelo Berlifitzing, e a opinião unânime da vizinhança anexou o
crime de incêndio à lista já horrorosa dos delitos e crueldade do barão.
Quanto
ao jovem gentil-homem, durante o tumulto provocado pelo acidente, conservava-se
aparentemente imerso em meditação, no alto do palácio da família dos
Metzengerstein, num imenso aposento deserto. O jogo de tapeçarias, opulento,
embora desbotado, que pendia melancolicamente das paredes, representava as
figuras fantásticas e majestosas de mil antepassados ilustres. Aqui, sacerdotes
ricamente vestidos de arminho, dignitários pontifícios, sentavam-se
familiarmente com o autócrata e o soberano, opunham seu veto aos caprichos de
um rei temporal ou detinham com o fiat
da onipotência papal o cetro rebelde do Grande-Inimigo, príncipe das trevas.
Acolá, as sombrias e enormes figuras dos príncipes Metzengerstein — com seus
musculosos corcéis tripudiando sobre os cadáveres dos inimigos caídos —
abalavam os nervos mais firmes com sua vigorosa expressão; e aqui, por sua vez,
voluptuosas e brancas como cisnes, as imagens das damas de tempo antigo flutuavam
ao longe nos volteios de uma dança fantástica, aos acordes de uma melodia
imaginária.
Mas,
enquanto o barão escutava ou fingia escutar a algazarra, que continuava a
crescer, das estrebarias de Berlifitzing, — e talvez meditando em algum novo
rasgo, algum decidido rasgo de audácia, — seus olhos se voltaram maquinalmente
para a imagem de um cavalo enorme, de uma cor que não era natural, que figurava
na tapeçaria como pertencente a um ancestral sarraceno da família de seu rival.
O cavalo ocupava o primeiro plano da cena — imóvel qual uma estátua —, enquanto
um pouco além, atrás dele, seu cavaleiro, vencido, perecia sob o punhal de um
Metzengerstein.
Nos
lábios de Frederick surgiu uma expressão diabólica, como se ele reparasse na
direção que seu olhar tomara involuntariamente. Contudo, não desviou os olhos.
Muito longe disso, ele estava inteiramente incapaz de dominar a ansiedade
opressiva que parecia descer sobro seus sentidos à semelhança de uma mortalha.
Dificilmente conciliava suas sensações incoerentes como as dos sonhos com a
certeza de estar acordado. Quanto mais ele contemplava, tanto mais absorvente
se tornava o sortilégio — tanto mais impossível lhe parecia despregar os olhos
da fascinação daquela tapeçaria. Como o tumulto do exterior aumentou
repentinamente, ele fez por fim, um esforço, que lhe pareceu difícil, e voltou
sua atenção para um surto de claridade vermelha projetado em cheio sobre as
janelas do aposento pelas cavalariças em chamas.
A
ação, todavia, foi apenas momentânea. Seu olhar retornou maquinalmente para a
parede. Com grande assombro seu, a cabeça do gigantesco corcel — coisa
horrível! —, enquanto isso, mudara de posição. O pescoço do animal, primeiro
como que inclinado pela compaixão para o corpo prostrado de seu senhor,
estendia-se agora, rígido e em todo seu tamanho, em direção ao barão. Os olhos,
havia pouco invisíveis, tinham agora uma expressão enérgica e humana, e brilhavam
com um vermelho ardente e extraordinário. Os lábios esticados desse cavalo de
fisionomia embravecida deixavam inteiramente à mostra seus dentes sepulcrais e
repugnantes.
Estupefato
de terror, o jovem senhor alcançou a porta, cambaleando. Ao abri-la, um clarão
vermelho projetou-se ao longe na sala, recortando nitidamente seu reflexo
contra a tapeçaria, que ondulava. E, enquanto o barão hesitava um instante no
limiar, estremeceu ao ver que esse reflexo tomava a posição exata e enchia
precisamente o contorno do implácavel e triunfante assassino de Berlifitzing
sarraceno.
Para
desoprimir seu ânimo abatido, o barão Frederick buscou precipitadamente o ar
livre. Na porta principal do palácio, encontrou três adestradores de cavalos. Estes,
com muita dificuldade e sério risco de suas vidas, dominavam os saltos
convulsivos de um gigantesco cavalo cor de fogo.
—
De quem é esse cavalo? Onde o encontraram? — perguntou o jovem com voz
estrondosa e rouca, reconhecendo imediatamente que o misterioso corcel da
tapeçaria era perfeita réplica do encolerizado animal que estava em sua frente.
—É
de sua propriedade, senhor — retrucou um dos adestradores. — Pelo menos nenhum
outro proprietário o reclamou. Nós o agarramos quando ele fugia, todo fumegante
e espumando de raiva, das cavalariças incendiadas do castelo de Berlifitzing.
Supondo que pertencesse ao haras de cavalos estrangeiros do velho conde, nós o
trouxemos como salvado. Mas os lacaios negam-se a reconhecer qualquer direito
sobre o animal, o que é estranho, visto exibir ele sinais evidentes do fogo que
provam que escapou por pouco.
—As
letras W. v. B. também estão marcadas a ferro, muito distintamente, em sua
testa — interrompeu um segundo adestrador. — Supus que fossem as iniciais de Wilhelm
von Berlifitzing, mas toda a gente do castelo afirma positiva- mente que jamais
viu o animal.
—Extremamente
singular — disse o jovem barão, com ar abstrato e parecendo inconsciente do
significado de suas palavras. — É, como dizem, um cavalo notável, um cavalo
prodigioso! Embora seja, como repararam com exatidão, de caráter arisco e
intratável. Vamos! Que me pertença de bom grado — acrescentou após uma
pausa. — Talvez um cavaleiro igual a Frederick
de Metzengerstein seja capaz de domar o próprio diabo das cavalariças de
Berlifitzing.
—
O senhor está enganado, senhor; o cavalo, como creio que dissemos, não pertence
às cavalariças do conde; se assim fosse, conhecemos perfeitamente nosso dever
para trazê-lo à presença de uma nobre pessoa de sua família.
—É
verdade! — observou o barão secamente.
Nesse
instante, um jovem criado de quarto chegou do palácio, todo corado e
pressuroso. Sussurrou ao ouvido de seu senhor o caso da súbita desaparição de
um pedaço da tapeçaria, num aposento que ele designou, entrando então em pormenores
de caráter minucioso e circunstanciado. Mas como tudo isso era transmitido em
voz muito baixa, nenhuma palavra transpirou capaz de satisfazer a curiosidade excitada
dos adestradores.
O
jovem Frederick, durante a conversa, parecia dominado de emoções variadas.
Contudo, depressa recuperou sua calma. Uma expressão de resoluta maldade já
estava estampada em sua fisionomia quando expediu ordens peremptórias a fim de
que o aposento em questão fosse imediatamente condenado e a chave entregue em
suas próprias mãos.
—O
senhor soube da morte lamentável de Berlifitzing, o velho caçador? — disse ao
barão um de seus vassalos, após a partida do pajem, enquanto o enorme corcel,
que o gentil-homem acabava de adotar como seu, saltava e se atirava, com fúria
redobrada, através da longa avenida que se estendia do palácio às cavalariças
de Metzengerstein.
—Não
— disse o barão, voltando-se subitamente para quem lhe falava. — Morte, estás
dizendo?
—
É a pura verdade, senhor. E suponho que para alguém do seu nome, isso não seja
uma informação muito desagradável.
Um
rápido sorriso perpassou pelo rosto do barão.
— Como ele morreu ?
—Em
seus imprudentes esforços para salvar a parte predileta de seu haras de caça.
Pereceu miseravelmente nas chamas.
—Ver...
da... de! — exclamou o barão, como que lenta e gradualmente impressionado por
alguma evidência misteriosa.
— Verdade — repetiu o vassalo.
—
Horrível! — disse o rapaz com muita calma, e voltou tranquilamente para o palácio.
A
partir dessa época verificou-se uma transformação marcada na conduta exterior
do dissoluto jovem, barão Frederick von Metzengerstein. Na realidade, sua
conduta desapontava todas as esperanças e inutilizava as manobras de mais de
uma progenitora. Seus hábitos e maneiras tornavam-se cada vez mais ríspidos e
deixaram, mais do que nunca, de apresentar o menor ponto de contato com os da
aristocracia da região. Nunca era visto fora dos limites de seu domínio, e no
vasto mundo social onde vivia absolutamente sem companheiro — a menos que o
grande cavalo impetuoso, fora da natureza, cor de fogo, que ele passou a montar
continuamente a partir dessa época, possuísse algum misterioso direito ao
título de amigo.
Entretanto,
recebia periodicamente numerosos convites por parte da vizinhança. — “O barão honrará nossa festa com sua
presença?”; — “O barão se reunirá conosco para uma caça de javali?” —
"Metzengerstein não caça"; — “Metzengerstein não irá”, eram essas as
suas arrogantes e lacônicas respostas.
Esses
reiterados insultos não podiam ser suportados por uma nobreza imperiosa. Tais
convites se tornaram menos cordiais, menos frequentes e com o tempo cessaram
inteiramente. Ouviu-se a viúva do conde Berlifitzing manifestar o desejo
"de que o barão estivesse em casa quando não o desejasse estar, visto que
ele despreza a companhia de seus iguais; e que estivesse a cavalo quando não o
desejasse, visto preferir a companhia de um cavalo". Isto certamente não
passava da explosão tola de uma desavença hereditária e provava que nossas
palavras se tornam singularmente absurdas quando lhes desejamos emprestar uma
forma singularmente enérgica.
As
pessoas caridosas, contudo, atribuíam a transformação de maneiras do jovem
gentil-homem à natural tristeza de um filho prematuramente privado de seus pais
— olvidando, todavia, sua despreocupada e atroz conduta durante os dias que se
seguiram imediatamente a essa perda. Houve alguns que simplesmente o acusaram
de fazer uma ideia exagerada de sua importância e de sua dignidade. Outros, por
sua vez (e entre estes se pode citar o médico da família), falaram sem
hesitação de uma melancolia mórbida e de um mal hereditário. Entre a multidão,
entretanto, circulavam insinuações mais tenebrosas, de caráter mais equívoco.
Na
realidade, o perverso apego do barão à sua montaria recentemente adquirida —
apego que parecia haurir nova força em cada novo exemplo dado pelo animal de
seus ferozes e demoníacos pendores — acabou tornando-se, aos olhos de todas as
criaturas sensatas, uma ternura horrível e contra a natureza. Na cintilação do
meio-dia, nas horas mortas da noite, doente ou bem-disposto, na bonança ou na
tempestade, o jovem Metzengerstein parecia pregado à sela do colossal cavalo,
cujas intratáveis audácias tanto correspondiam a seu próprio caráter.
Além
disso, havia circunstâncias que, relacionadas com acontecimentos recentes,
emprestavam um caráter sobrenatural monstruoso à mania do cavaleiro e às
faculdades do animal. O espaço que ele ultrapassava de um salto fora
cuidadosamente medido e verificou-se que excedia por uma diferença assombrosa
às conjecturas mais condescendentes e mais exageradas. O barão, além disso, não
se utilizava para o animal de nenhum nome particular, embora todos os cavalos
de seu haras tivessem designações próprias. O cavalo em questão tinha sua
estrebaria a certa distância das outras. E, quanto ao tratamento e a todo o
serviço necessário, ninguém — exceto o
proprietário em pessoa —, se arriscava a fazê-lo, nem mesmo a penetrar no
cercado onde se erguia sua cavalariça particular. Reparou-se, também, que,
embora os três palafreneiros que se haviam apoderado do corcel, quando ele
fugia do incêndio de Berlifitzing, tivessem conseguido detê-lo graças a uma
corrente de nó corrediço, nenhum dos três, contudo, podia afirmar com segurança
que, durante a perigosa luta, ou em algum momento posterior, tivesse jamais
colocado a mão no corpo do animal. Provas de particular inteligência reveladas
na conduta do nobre e fogoso cavalo certamente não bastariam para provocar uma
atenção absurda. Mas havia, neste caso, determinadas circunstâncias que teriam
forçado os espíritos mais céticos e mais fleumáticos: assim, dizia-se que por
vezes o animal fizera a multidão curiosa recuar de pavor perante o profundo e
impressionante significado de sua marca — momento em que o jovem Metzengerstein
empalidecia e fugia ante a súbita e perspicaz expressão de seu olhar grave e
quase humano.
Entre
toda a criadagem do barão, não houve ninguém que duvidasse da extraordinária e
fervorosa afeição que as esplêndidas qualidades de seu cavalo provocavam no
jovem gentil-homem; ninguém, com exceção pelo menos de um insignificante e
importuno pajenzinho, cuja ofuscante fealdade era encontrada por toda parte, e
cujas opiniões tinham o mínimo de importância possível. Tinha ele a ousadia de
afirmar — se, todavia, suas ideias merecem ser mencionada — que seu senhor
jamais o montara sem um inexplicável e quase imperceptível arrepio e que, ao
regressar de cada uma de suas longas e habituais cavalgadas, uma expressão de
triunfante perversidade contorcia todos os músculos de seu rosto.
Durante
uma noite de tempestade, Metzengerstein, saindo de um sono pesado, desceu qual
um maníaco de seu quarto e, montando celeremente o cavalo, precipitou-se aos
saltos através do labirinto da floresta.
Um
acontecimento tão comum não podia despertar particularmente a atenção. Seu
regresso, porém, foi aguardado com intensa ansiedade por todos os seus lacaios,
quando, após algumas horas de ausência, os prodigiosos e magníficos edifícios
do palácio Metzengerstein começaram a estalar e a tremer até os alicerces sob a
ação de braseiro imenso e indomável — uma massa espessa e lívida.
Como
as chamas, quando avistadas pela primeira vez, já faziam imenso progresso — de
molde que todos os esforços para salvar uma parte qualquer das construções teriam
sido evidentemente inúteis —, toda a população da vizinhança se conservava
indolentemente em volta num assombro silencioso senão apático. Mas um objeto,
terrível e novo, bem depressa fixou a atenção da turba, e demonstrou a que
ponto é mais intenso o interesse provocado nos sentimentos da turba pela
contemplação de uma agonia humana como aquele originado dos mais pavorosos
espetáculos da matéria inanimada.
Na
longa avenida de velhos carvalhos que principiava na floresta e morria na
entrada principal do palácio Metzengerstein, um corcel, conduzindo um cavaleiro
de cabeça nua e em desordem, era visto a saltar com uma impetuosidade que
desafiava o próprio Demônio da Tempestade.
O
cavaleiro, evidentemente, não era o senhor nessa carreira desenfreada. A
angústia de sua fisionomia, os esforços convulsivos de todo seu ser
testemunhavam uma luta sobre-humana, mas som algum, exceto um grito único, se
escapava de seus lábios dilacerados, que ele mordia de lado a lado no paroxismo
de seu terror. Num instante, o choque dos cascos ressoou com ruído agudo e
penetrante, mais alto que o rugir das chamas e o ganir do vento. Noutro, atravessando
de um só salto a grande porta e o fosso, o corcel se precipitou sobre as
escadarias oscilantes do palácio e desapareceu com seu cavaleiro no turbilhão
daquele fogo caótico.
A
fúria da tempestade abrandou de súbito e uma calma absoluta substituiu-a
majestosamente. Uma chama branca continuava a envolver o edifício como um
sudário e, projetando-se ao longe na atmosfera tranquila, dardejava uma claridade
de esplendor sobrenatural, ao mesmo tempo em que uma nuvem de fumaça desabava
pesadamente sobre as construções, revestindo a forma nítida de um gigantesco
cavalo.
Tradução de autor
desconhecido.
Fonte: “Vamos Ler”
(RJ), edição de 25 de novembro de 1943.
[1] Em vida eu fui
a tua peste; morto, serei a tua morte.
[2] Doutrina
segundo a qual a alma transmigra de um a outro corpo, independentemente da
espécie do ente vivo que a recebe.
amei
ResponderExcluirA Clarice Lispector também traduziu este conto, ficou bom, mas ela a pedido do editor traduziu de forma mais para o infanto-juvenil, mas a tradução dela ficou ótima, ela era fã do Poe.
ResponderExcluir