UMA EXECUÇÃO EM PARIS - Narrativa Clássica de Horror - Maxime du Camp
UMA EXECUÇÃO EM PARIS
Maxime
du Camp
(1822
– 1894)
Desde
que o Presidente da Corte de Apelação de França tenha pronunciado a pena de
morte, o condenado não pertence mais à Justiça; torna-se propriedade do
executor. Alguns dias decorrem e o
desgraçado sobe as escadas da guilhotina.
O
lugar das execuções em Paris é na praça de la Roquette, em frente à prisão do
mesmo nome.
O
lugar já é sinistro por si mesmo e parece ter sido escolhido de propósito para
impressionar. Por detrás do cadafalso se estende a alta muralha do depósito dos
condenados. É aí que são encerrados, momentaneamente, aqueles que a Corte de Apelação
do Sena envia para expiar seus crimes, quer seja nas prisões centrais, ou em
Toulon, na Nova Caledônia ou em Caiena. Na frente, uma parede, não menos alta,
não menos triste, contorna a prisão.
À
esquerda, a larga rua de la Roquette, bordada de pardieiros fechados, onde,
durante o dia, trabalham os operários das industrias funerárias: —marmoristas,
negociantes de coroas fúnebres, etc. À direita, a rua sobe e morre ao pé da colina,
onde está o cemitério do Pére-Lachaise.
É
verão. As luzes das casas estão apagadas. Aqui e ali, alguns clarões aparecem
das janelas dos cabarés, onde curiosos privilegiados tinham achado, a peso de
dinheiro, um bom lugar para assistir ao espetáculo. A multidão se agita.
Homens, crianças se deitam nos passeios, procurando dormir uma ou duas horas
antes da execução. Alguns aquecem o café, outros cantam, conversam, trocando
amabilidades e pilhérias. Ouvem-se risadas de mulheres.
A
multidão é composta quase toda de vagabundos e de mendigos, que, não tendo onde
passar a noite, para lá vão se distrair. Há muitas mulheres da baixa e da alta
prostituição. Ao sair dum café do
Boulevard dos Italianos, elas encontram um garoto ou um cocheiro de fiacre, que
as avisa sobre a execução capital e que, por 20 francos, as levaria à praça de la Roquette.
O
carrasco, sentado numa cadeira, diante
da parede da prisão, assiste ao levantamento
o cadafalso. O chefe do serviço vem preveni-lo de que está tudo terminado. Ele
sobe, então, os degraus e surge sabre a plataforma. Examina todas as peças da máquina,
faz descer e subir a navalha, observa o balanço, o cesto — tudo enfim —, de
modo a ter certeza de que tudo se acha em perfeita ordem.
Às
3 horas da manhã, um rumor prolongado sai da multidão. É a guarda de Paris que
chega: 120 homens a pé e 80 a cavalo abrem a massa dos curiosos e se espalham
pela praça. Depois, vêm 120 policiais e, em seguida, 26 homens a cavalo, da
gendarmeria do Sena. Nenhum funcionário da prisão ainda pregou olho. No
primeiro guichê, conversa-se sobre o condenado.
Cada um emite sua opinião sobre a atitude que ele terá no momento supremo. Um
guarda chega. Todos lhe perguntam:
— Como vai ele?
—
Está triste, não dorme e está inquieto. Quando eu parti, ele me disse:
"Adeus; bem sei que isto não pôde tardar".
Entra
o padre. Penetra no primeiro guichê.
Às
4 horas, o chefe de segurança chega e, em seguida, o carrasco, que se tinha
ausentado.
Às
4 e 15, o comissário de polícia do bairro, o secretário da Corte, o diretor da
prisão, o chefe de segurança e o padre estão reunidos no primeiro guichê.
O
diretor e o chefe de segurança puxam o relógio e dizem:
—
É hora.
Dirigem-se,
então, à cela do condenado. Ele chama-se Momble e foi condenado por crime de
homicídio. Encontram-no deitado na cama.
— Vosso recurso foi rejeitado pela Corte;
vosso recurso de graça não pode ser atendido. É hora" — diz o chefe de
segurança.
Como
que surpreendido, o condenado se levanta. Não diz uma palavra. O padre ajuda-o
a levantar-se, dizendo-lhe:
—
Coragem! Espere tudo da misericórdia divina.
O
infeliz ergue-se da cama. Os guardas o vestem, não com a roupa da prisão, mas
com a que ele entrou para ela. Vestem-lhe depois a camisa de força. Durante
todo este tempo, o padre fala-lhe em voz baixa. Depois de terminada a toalete,
o condenado diz:
— Vamos. Estou pronto.
Neste
momento, o chefe de segurança interroga-o:
—
Tem alguma coisa a revelar à Justiça?
Ele
responde, referindo-se a uma testemunha que lhe fez carga e contra sua própria
filha, que lhe tinha cruelmente agravado a sua situação no correr do processo.
O
padre se aproximou dele, pedindo-lhe que se calasse, e falou-lhe alguma cousa
no ouvido.
O
infeliz baixou a cabeça, fechou os olhos como para melhor compreender as
palavras que tinha ouvido. Todos se achavam silenciosos. O condenado, em pé,
olhou para a cela e em seguida se aproximou de dois guardas, dizendo-lhes:
—
Adeus. Vocês foram bons para comigo. Obrigado.
Um
deles, um moço, virou-se para ocultar as lagrimas; o outro, um velho, prorrompeu
em soluços.
O
condenado afastou-se diante do homem que tomou a dianteira do cortejo, tendo a
seus lados um guarda e o padre. Desde que foi aberto o limiar de sua cela, ele
se achou na grande antecâmara que precede as três celas, especialmente
reservada aos condenados à morte, celas de lúgubre memória, onde Pianoré,
Orsini, Varger, La Pommerain, Philipe, Le Marce, Avinam e tantos outros aí
passaram os seus últimos momentos.
O
padre arrastou rapidamente o infeliz a uma das celas entreabertas e fechou a
porta; aí, sem dúvida, o confessou e o absolveu.
Isto
não durou um minuto, porque os momentos estavam contados. Puseram-se todos em
caminho, atravessaram o pórtico que contorna o jardim. O infeliz vai com passo
firme, os ombros apertados pela camisa de força que lhe tira os movimentos.
Entraram
no compartimento vazio. No centro, havia um tamborete. A estatura elevada do
carrasco apareceu e entrou, chapéu na mão, seguido de seus ajudantes, um dos quais
trazia um pequeno saco. O carrasco olhou o infeliz. Começa a toalete. Os
auxiliares estão em pé, atrás do condenado, como se para lhe dirigir os
movimentos. Um deles, um velho, colocou o saco em cima duma mesa, tirou do
bolso uma chave, abriu o saco e tirou uma correia com fivelas e uma tesoura
embrulhada em um papel; ajoelhou-se e cortou os cabelos do infeliz, por detrás
do pescoço; em seguida, tiraram a camisa de força e ataram-lhe com a correia os
braços pelas costas, depois ligaram-lhe as pernas por uma outra correia. Em
seguida, cortaram-lhe a camisa, de forma a deixar o pescoço livre.
Cinco
horas. Os ajudantes agarraram o infeliz pelos cotovelos, para que não caísse.
—
Não — disse ele —; caminharei só.
Atravessando
o vestíbulo da prisão, o infeliz lançou um último olhar de adeus aos
prisioneiros. Neste momento, o carrasco se aproximou dele, segurando a correia
que lhe prendia os punhos. O grande portão estava fechado. Nenhuma comunicação
como exterior.
O
infeliz caminhava quanto podia. À direita, um ajudante segurava-o pelo cotovelo;
à esquerda, marchava o padre, que rezava a meia voz. Atrás, vinham o carrasco,
um ajudante, o diretor da prisão, o chefe de segurança, o secretário da Corte e
alguns empregados da casa.
Tinham
chegado ao meio do corredor. Os serventes abriram subitamente o portão e a
guilhotina apareceu, vermelha, sombria, horrível.
Murmúrio
da multidão. Do alto dos cavalos, alguns soldados se espicham para melhor verem.
O condenado e o padre param junto ao cadafalso. O infeliz beija o crucifixo e o
padre se afasta. O carrasco sobe os dez degraus da escada e fica imóvel sobre a
plataforma, à esquerda do balanço. Silêncio profundo. O condenado, agarrado
pelos dois ajudantes, sobe os degraus e se coloca diante do balanço.
Um
dos ajudantes levantou bruscamente um farrapo negro que cobria as espaduas do
infeliz e se colocou à sua direita, em pé, contra o cesto, sobre a tampa do
qual ele pôs a mão; o outro, correu a tomar seu lugar em frente à luneta.
O
carrasco aplicou a mão sobre o dorso do paciente, agarrou-o pela correia que
lhe ligava os punhos e empurrou-o para a frente. O balanço descreveu um quarto
de círculo. Ouvem-se dois ou três gritos de mulheres. O executor fez mover a
mola que mantinha a meia-lua e ela desceu. O ajudante segura o homem pelos cabelos,
o carrasco puxa a peça que faz manobrar o carneiro, a lâmina passa como um
clarão, a cabeça é decepada e cai no cesto.
Depois,
o cesto é levado em um carro fúnebre, conduzindo o corpo para o Cemitério de
Ivri, que é o destinado aos condenados à morte.
Tradução de autor desconhecido.
Fonte: “Vida Policial” (RJ), 21 de março de 1925.
Fizeram-se breves adaptações textuais.
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