MARIA DE VELHE - Conto de Terror - José Manuel Barbosa
MARIA
DE VELHE
José
Manuel Barbosa
Maria gostava de sair muitas noites quando tinha tempo. Sextas, Sábados e Domingos eram dias de lazer nos que as reuniões com os amigos, as pequenas viagens em grupo, as festas, bailes, rir e sobre tudo amar, eram o normal.
Aquela
noite, Maria não combinara com ninguém, mas ia até a sala de festas onde sempre
haveria alguém conhecido, ou de não o haver procuraria conhecer gente nova para
próximas vezes.
Fazia
algo de fresco naquela noite de primavera, polo que optou por levar uma
jaquetinha ligeira e uma pequena saca onde levava a sua agenda com telefones
por se forem necessários. Saiu da casa quando a obscuridade governava o céu e
alegremente decidiu ir caminhando para desfrutar aquele serão que começava a
estrelar-se mas com a frescura agradável com a que nos faz gozar a natureza no
mês de Junho.
Foi
baixando de Velhe até as Lagoas e de ali ao centro de Ourense onde decidiu
entrar numa sala cheia de gente. Alguns bailavam, outros com o copo na mão e
outros entregados ao romantismo às obscuras ao lado dos seus pares.
Maria
dirigiu-se à beira da pista para olhar como se mexia a gente sob aquele forte
som musical e aquele violento jogo de luzes que estimulavam os sentidos até pôr
a adrenalina nos índices extremos.
A
música trespassava o corpo de Maria dum lado para o outro até fazê-la a ela
própria parte daquela vaga de ritmo obrigando-a subtilmente a se mexer. Os seus
pés, as suas pernas eram levadas pola embriagante força do som. Em nada acabou
vendo-se participando da dança de forma instintiva à vez que os seus olhos
percorriam todo o campo que alcançava a ver, ainda obstaculizado
infinitesimalmente pola fração de segundo de obscuridão entre duas cintiladas
de luz de diversas cores que deformavam as figuras daquela massa humana em
movimento, tanto mais febril quanto mais monótono e latejante era o ritmo.
Cegada
polo mesmo, Maria desfrutou quanto quis durante muito tempo, até que por fim,
sentiu a necessidade de recompor as suas forças. Dirigiu-se até o balcão
abrindo-se caminho entre a gente, sentindo a suor do pessoal que por ali
passava e decidiu beber algo que lhe vencesse a sede que lhe tinha provocado a
transpiração cansada pola dança continuada durante as horas que esteve deixando-se
levar polo tam-tam impetuoso dos bafles.
Apanhou
o copo depois de ter-lho servido o camareiro e foi até um lugar mais tranquilo.
Sentou, descansou e respirou. E ali esteve uns minutos.
Ao
pouco olhando para a gente como se mexiam descobriu um homem jovem. Ele olhava
para ela com um sorriso agradável. Ela, amável, devolveu-lho enquanto ele com
graça começou a se dirigir lentamente para ela sem apagar o seu lindo sorriso.
–
Posso sentar ao teu lado? – perguntou muito amável.
–
Sim, por favor –respondeu ela não menos amável.
–Vim-te
sozinha... e como eu também o estou... pensei na solidão compartilhada.
Maria
gostava daquele homem de voz cálida e bom humor. Com prazer perguntou:
–
Como te chamas?
–
José. E tu?
–
Maria.
–
Bem, falta-nos um Jesus.
–
Para quê? – disse Maria com surpresa perante tão estranha resposta.
–
Para fazermos um Belém, como no Natal.
Maria
perante tão inesperada resposta botou a rir a gargalhadas enquanto José a
acompanhava com um não menos intenso riso.
A
entrada para uma boa amizade foi boa e por isso após uma longa conversa
decidiram bailar a música romântica. Fizeram-no juntinhos, como se levassem
muito tempo a se conhecerem.
Continuaram
por muito tempo até que acabou a festa e embora se sentissem os dous muito bem
juntos, estava sendo tarde e Maria devia ir para a sua morada, pois tinha
prometido aos seus pais chegar a uma hora prudente. Àquelas horas já
ultrapassavam um bom bocado a prudência da saída noturna e foi por isso polo
que determinaram irem embora. Maria pegou na jaquetinha e a saca e foi-se cara
a porta acompanhada do José, quem agradavelmente se ofereceu para levá-la na
sua moto.
Maria
aceitou com um sorriso amplo e brilhante penetrando os olhos verdes do José que
sorriu ao ver aquela expressão linda da rapariga.
Apanharam
a moto do moço e foram embora, velozmente polas ruas de Ourense rumo da casa da
Maria à qual chegaram em poucos minutos embora estivesse nas aforas da cidade.
Ao
chegarem, Maria baixou e não pôde evitar se achegar ao rosto do rapaz para lhe
dar um beijo que se prolongou no tempo. Depois vieram outros dous, três e mesmo
mais quatro beijos celebrados com muito agarimo e abraços entre os dous jovens.
Às suas costas o rio Minho e no fundo a Ponte Velha iluminada punha um elemento
romântico no seu contorno que fazia que os seus corações acelerassem os seus
ritmos unisonicamente.
Quando
o José acertou, finalmente, a se ir embora, montou na sua moto e voou até se
perder pola estrada perante a atenta olhadela da Maria que viu com um lindo
sentimento de felicidade como se lhe mexiam uma coleção de borboletas no
estômago que lhe davam a entender que aquilo poderia ser o começo duma bela
amizade romântica.
Baixada
da nuvem, Maria tomou a consciência de estar na cancela da entrada da sua casa
e baixando os seus pensamentos ao nível do comum, mais quotidiano, deu-se conta
de ter deixado a jaquetinha na moto do José. Preocupou-se por um momento, mas
lembrava que tinha combinado com ele de ali a três dias, polo que entrou na
casa mais tranquila e esqueceu o tema até se verem.
Passaram
os três dias. Maria, com a combinação na cabecinha vestiu aquela tarde a roupa
mais formosa que tinha para se ver com o José como acordaram, no mesmo lugar do
que a primeira vez.
Saiu
da casa muito alegre e andou com ligeireza todo o caminho que a levava até a
sala de festas do centro de Ourense.
Chegou,
entrou e foi rumo o lugar acordado onde parecia que não tinha chegado quem ela
aguardava. Não havia preocupação. Era ainda cedo.
Sentou
e pediu uma bebida para aguardar melhor e combater a impaciência.
O
tempo passava e enquanto ela sonhava com os olhos abertos imaginando-se aquele
homem sensível e alegre, delicado e generoso, engraçado e sempre com o sorriso
nos lábios.
Sonhou
desperta uma boa miga e imaginou situações com ele nas que ela era feliz.
Qualquer
outra pessoa que olhasse para ela nesses momentos estaria a vê-la com a visom
perdida. Sorrindo às vezes... Perguntar-se-ia em que nuvem voaria a rapariga
nesses instantes.
Assim
se passou o tempo.
Quando
voltou à realidade eram as dez e meia, mas o José não estava ali. Que
aconteceria?
Pediu
outra bebida ligeira para seguir aguardando enquanto olhava para a multidão por
se conseguia distinguir o José entre a gente.
O
tempo foi passando-se e a felicidade da Maria foi pouco a pouco transformando-se
em preocupação.
As
onze e meia da noite.
O
rapaz já não haveria de vir. Por que tinha combinado com ela se tinha pensado
não vir? Ou quiçá lhe acontecesse qualquer cousa...
A
preocupação deu passagem a outros sentimentos não tão felizes.
Dali
a mais uns minutos já não pude aguentar mais. Ergueu-se da sua cadeira e foi
para a saída, subiu as escadas, chegou à porta e botou a última olhadela para
ver se conseguir localizar a moto do José.
Nada.
Maria,
com vontade de chorar começou a andar lenta e pensativa. Talvez não tinha
porque pensar mal, talvez foi que ele não pôde vir por alguma razão importante
e não pude avisar por não ter o seu telemóvel... ou talvez aconteceu qualquer
outra cousa fora do seu alcance.
Maria
seguia caminhando à vez que também os seus pensamentos ferviam na sua cabeça, umas
vezes tendo em conta possibilidades inevitáveis, outras que se repartiam entre
o não querer, ficando ela zangada, ou alternativas funestas que quase a faziam
chorar.
Chegou
à casa muito cedo. Dirigiu-se imediatamente ao seu quarto e ali se deixou cair
sobre a cama para botar-se a chorar com desesperação.
Assim
passou aquela noite.
Ao
dia seguinte, Maria foi à academia onde estudava uns exames de Estado. O seu
rosto indicava não ter dormido nada. Estava triste e sem vontade de trabalhar.
Não sabia bem que lhe doía mais: o possível desprezo ou que lhe pudesse ter
acontecido algo mau àquele rapaz que não lhe parecia mentiroso.
Por
várias noites seguidas foi à discoteca onde se conheceram com o intuito de se topar
com ele, mas sem resultados positivos polo que começou a pensar na
possibilidade de que lhe pudesse ter acontecido algo inevitável embora não
acertasse a saber se isso era qualquer problema relacionado com uma obriga
laboral, familiar ou algo pior que afetasse a sua integridade física. Só pensar
nisto último arrepiava-a.
A
curiosidade era grande, assim como a incertidão mas para além de tudo isso ele
tinha algo dela: a sua jaquetinha. Devia tentar saber do seu paradeiro de
qualquer jeito embora não soubesse nenhum telefone de contato, nenhum
endereço...
Tentou
lembrar algo que se escondesse na sua memória por se tinha comentado qualquer
cousa ao respeito e vagamente lembrou que tinha falado duma aldeia chamada
Gundiães. Gundiães!!! Onde ficava esse lugar??
Com
os nervos de quem descobre algo útil perguntou a algumas pessoas conhecidas
dela e conseguiu saber de dous possíveis Gundiães: um pertinho de Alhariz e
outro a poucos quilómetros donde ela vivia seguindo a estrada que passava pola
sua casa, rumo Nogueira de Ramoim. Bem!!
A
sua lógica começou a fiar pequenos pormenores e chegou à conclusão de que a
última possibilidade era a mais real.
Ao
dia seguinte de se inteirar da proximidade desse Gundiães a poucos quilómetros
da sua casa decidiu achegar-se até lá como quem vai dando um pequeno passeio.
Vestiu o seu fato de treino e ao serão começou a caminhar como quem faz
desporto. Caminhou durante uma boa miga enquanto o sol já baixo e oblíquo
ajudava a diminuir o calor que caia desde havia umas horas. Isso facilitava a
caminhada da Maria que tomava boa nota de todos os lugares por onde se passava,
reconhecendo os seus nomes que por outra parte ela lembrava que foram ditos
polo José.
Finalmente
dali a uma meia hora de caminho viu o indicativo com o nome de “Gundiães”.
Descontraiu a sua marcha e abriu bem os seus sentidos e a sua intuição com a
finalidade de reconhecer qualquer cousa que lhe desse um indício relativo ao
lugar onde poderia morar aquele rapaz de olhos verdes que tanto a tinha
preocupado aqueles últimos dias.
Reparou
em todas e em cada uma das casas que ficavam à beira da estrada sem ver nada
significativo até que a poucos metros diante de si olhou uma moto conhecida.
Esta era preta e com duas finas raias brancas nos guarda-lamas, selim amplo
para duas pessoas e um autocolante com um GZ na parte traseira.
Sem
qualquer dúvida aquela era a moto do José!!
Maria,
prudentemente aguardou uns minutos. Esteve ali parada uns momentos tomando
força para decidir-se a entrar enquanto contemplava a moto que se assemelhava
em todos os pormenores com a que ela tinha montado e onde deixara a sua
jaqueta.
Dirigiu-se
até a cancela após ter respirado para poder vencer a sua timidez e premeu a
campainha.
Silêncio.
Passaram-se
uns segundos e voltou a premer a campainha. A porta da casa abriu e saiu um
homem de uns sessenta anos aproximadamente, com traças de não ser precisamente
um camponês, mas um homem com uma presença cultivada. Achegou-se à cancela e
abriu.
–
Boa tarde –respondeu com olhada de curiosidade.
–Boa
tarde –respondeu a Maria com amabilidade. – Venho porque creio que alguém da
casa tem uma jaquetinha da minha propriedade e venho por ela.
–Uma
jaqueta? Pois... não sei. Como é a jaqueta?
–Pois,
castanha, de ponto e com desenhos andinos.
–Bom,
vamos ver se sabe algo a minha senhora – concluiu o amável senhor. –Emília!!! –
berrou chamando pola sua esposa. –
Emília!!!
Emília
saiu pola porta com uma cafeteira nas mãos.
–
Que é o que se passa? – perguntou.
–
Esta rapariga diz que tens uma jaqueta dela – comentou o senhor enquanto a
Emília punha expressão de estranheza no rosto.
–
Não, não é assim exatamente – interveio a Maria com um sorriso para descontrair
a conversa. Não creio que a tenha a senhora. Para ser mais concreta creio que a
deve ter o dono dessa moto que está cá arrumada. Esteve com ele há uns dias e
quando nos despedimos deixei a jaqueta esquecida e ele foi quem a levou sem se
dar conta.
Nesse
momento tanto o senhor como a Emília puseram rosto de grande surpresa.
–
Como? – disse ele. – Quem dizes?
–
Acho que se chama José e combinei com ele há uns dias. Levou-me à minha morada
nessa mesma moto.
Os
senhores da casa mudaram a sua expressão até a brancura extrema não podendo
acreditar no que aquela rapariga estava a dizer.
–
Minha nena, estás num erro grave – respondeu o homem-, o dono dessa moto era o
nosso filho mas está morto desde há três anos.
O
que estava a ouvir Maria deixou-a fria como o gelo. Era ela agora quem mudou a
expressão do seu rosto. A surpresa, a incredulidade e o medo se mesclavam nela.
–
Bom, aqui deve haver alguma confusão – reafirmou. Eu combinei com alguém que me
levou nessa moto há uns dias. Disse que se chamava José e era acastanhado e com
os olhos verdes, alto... e estava vivo!!
Emília
achegando-se até a cancela confirmou.
–
O nosso filho chamava-se José, tinha os olhos verdes, o cabelo castanho era
alto... e está morto.
O
silêncio governou por um momento aquela tensa situação. Os três ficaram olhando
os uns para os outros sem compreenderem absolutamente nada até que o senhor
decidiu.
–
Quero que venhais comigo.
–
Aonde? – perguntou a Maria.
–
Vem – cortou ele à vez que saía da cancela para afora e se punha a caminhar.
Maria
confusa andou detrás dele sem fazer mais perguntas. Ele caminhava com decisão
até que chegou à estrada geral onde estava a igreja de São Miguel do Campo. A
Maria não queria imaginar o que queria o senhor e por respeito seguiu-o mas não
porque lhe resultasse agradável. Entraram no cemitério e justo a uns passos da
entrada a Maria parou levou as mão à boca, abriu os olhos e sentindo um frio
arrepio polo seu corpo só pôde dizer...
–
Por favor senhor, não me conte mais...
O
senhor olhou para onde ela dirigia a vista e viu acima de uma tumba uma jaqueta
de ponto, de cor castanho e com desenhos andinos. Acima uma formosa rosa
vermelha e na cabeça do túmulo justo onde a cruz uma foto a cor dum formoso
rapaz de cabelos quase louros, olhos verdes, sorriso agradável e um nome
escrito: José Barreiros Failde.
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