11 E 20 -Conto Clássico de Terror - Medeiros e Albuquerque
11 E 20
Medeiros
e Albuquerque
(1867
– 1934)
...
O criado que nos servia o jantar acabava de tirar os últimos pratos. Pôs ao
centro da mesa um grande jarro cheio de flores e desapareceu discretamente.
Cada um de nós tinha perto de si uma xícara de café fumegante. Fazia frio. Lá
fora, a chuva caía em jorros. Pensamos um momento em sair dali e ir para a sala
de visitas ou para o meu gabinete. O Alberto protestou:
—
Para quê?! Vamos ficar aqui mesmo. É uma viagem inútil.
Estávamos
tão bem, que eu só repliquei pelo vago desejo de o contrariar, de, pelo menos,
dizer qualquer cousa:
—
Não me parece que a viagem fosse muito longa; acredito que se gastaria mais
tempo em ir ao Polo Norte...
O
Alberto não respondeu logo. Cortou vagarosamente a ponta do charuto, acendeu-o
e soltou um primeiro novelo de fumo...
A
conversa tinha sido animada durante todo o jantar. Faláramos de tudo: de amor,
de literatura, de filosofia e, por fim, de música. Uma narrativa do Lino nos
atirara a um vago estado de tristeza e cisma, de que tínhamos dificuldade de
sair.
Afinal,
o Alberto atendeu à minha objeção:
—
Por pequeno que seja o prazer junto do qual nós estamos, é sempre loucura
afastarmo-nos dele um passo, uma polegada, um centímetro!
E
tinha na voz, dizendo isto, uma amargura profunda e desanimada. Mas o Lino
atalhou:
—
De nós três és tu precisamente o menos apto para nos dar tal conselho: tu, que
tens passado por seca e meca, corrido os cinco continentes, viajado por todos
os mares, que não te aquietas, não te acomodas em parte alguma... Andas de
antípoda a antípoda e pregas a imobilidade para ir de uma sala a outra!
—
Tens razão... Menos, porém, do que podes acreditar. Eu creio que há nisto uma
maldição. Sinto, vejo, compreendo melhor do que ninguém a vantagem de ficar
tranquilo. Quando, todavia, estou mais persuadido de todas as excelentes razões
para não sair de onde me encontro, acho-me, sem saber por que, com um bilhete
de viagem para a Europa ou para a Ásia, a bordo de qualquer navio. Devo ser da
linhagem do Judeu Errante.
—
Pois olha — murmurei eu —, nem sabes como te invejo! Em primeiro lugar, há
decerto uma grande delícia em correr o mundo, ver céus, ver terras, ver povos
estranhos. Depois, ser-me-ia, sobretudo, um prazer, a bordo, aqui e acolá, ter
uns meigos e fugitivos amores, apenas começados e imediatamente acabados.
Restaria deles a mim e às minhas mal conhecidas amantes uma saudade profunda e
suavíssima. Saberia dominar tudo quanto tenho de baixo e grosseiro:
aparecer-lhes-ia como um homem superior, desinteressado e nobre. Ficaria na
memória delas, como a recordação de uma aventura fugaz e divina. A todas as
horas imaginaria sempre que num canto remoto da Terra, fosse onde fosse, em
Paris ou na China, em Londres ou na Austrália, haveria uma mulher pensando em
mim. — E teria também amigos, feitos rapidamente no tombadilho dos navios, no
encontro de cidades longínquas. A uns eu me faria passar por uma alma torturada
e melancólica; a outros como um tipo de energia; a outros afinal daria a inveja
que a todos inspira a figura romanesca de D. Juan. E cada um me faria as suas
confidências. No silêncio do meu quarto, no aconchego tépido desta sala, em
qualquer parte onde eu me sentisse desamparado e só, tiraria da minha memória,
ora a evocação desse harém, ora o romance de todas essas almas amigas, que me
tivessem confiado, como a um confessor leigo, o segredo de suas vidas... A cada
um eu contaria também, como se tivesse ocorrido comigo, um fato perfeitamente
análogo, para que, quando pensassem nas suas aventuras, fossem também um pouco
forçados a pensar em mim.
O
Alberto tinha saído de junto da mesa. Sentara-se num pequeno sofá, cruzara as
pernas e enquanto, com um gesto do dedo mínimo, fazia cair a cinza do charuto,
tinha nos olhos e nos lábios uma expressão levemente irônica. Mal eu acabara,
ele falou. Falou com uma voz abafada e lenta, articulando molemente as sílabas:
—
E que prazer tiraria daí? Terias, somadas às tuas, as amarguras de todos esses
desgraçados. Cuidas então que não tive tais amores? tais amizades? Menti a
todos eles. Hoje, quando evoco essas figuras passageiras, não posso deixar de
pensar que elas também me iludiram. Das mulheres que se me afiguraram mais
cândidas, penso nas torpezas, nas misérias, nas traições. Era o que certamente
havia sob essas máscaras tão vis ou mais vis ainda que a minha. Há bocas
divinas, que eu beijei nos arroubos mais sublimes do amor e cujos beijos me
fazem hoje um asco profundo. Quereria saber bem, não haver mais nos meus lábios
uma só das células maculadas com esse contato. Quereria cauterizá-los a ferro
em brasa, se a ferro em brasa me fosse também possível queimar no cérebro o
ponto exato onde está a memória implacável desses minutos de um gozo misérrimo,
tão cara mente
compensado! E os amigos? Tive-os, tenho-os ainda... Confidências? Eu as recebi
em toda a parte. Ao ver a leviandade com que alguns me abriam os corações, eu
sentia neles a sofreguidão de repartirem com outros o peso doloroso da sua
alma! O que cada um de nós conta de preferência são as suas dores, as suas
angústias, os seus suplícios... Dizem que é amizade, e é egoísmo. Querem
Cireneus para as suas cruzes!
Nós
estávamos habituados aos paradoxos pessimistas do Alberto. Seria por isso que
ninguém se deu ao trabalho de contestá-lo? Seria antes porque achássemos alguma
cousa de justo sob a aparente extravagância dos seus exageros? O certo é que
nos detivemos calados. Foi ele mesmo que retomou a palavra:
—
Na última viagem que eu fiz de Liverpool aos Estados Unidos, tive um
companheiro, de quem, no primeiro dia, julguei poder fazer um excelente amigo.
Era um belo homem. Tinha cerca de quarenta anos. Tipo inglês, louro, alto,
forte, olhos de um azul-escuro no qual havia certa expressão de serenidade
grave, todo ele inspirava uma simpatia profunda. Elegante, sem maneirismo nem
afetação, fazia gosto admirá-lo.
Creio
que cada um de nós teve o mesmo movimento de simpatia pelo outro. Quando nos
vimos no mesmo camarote e soubemos que teríamos de fazer juntos a mesma
travessia, foi ele quem
tomou a iniciativa de se me apresentar. Fiz o mesmo. Uma hora depois,
passeávamos juntos no tombadilho. Como o inglês que eu falava não fosse um
primor de correção, passamos a conversar em francês.
Era
deveras deliciosa a sua palestra erudita e fina. Rico, tinha viajado bastante,
enquanto moço. Fora depois viver, casado e feliz, na sua terra natal: a
Escócia. “Há três anos, porém”, disse-me ele, “desde que perdi um amigo
querido, caí num tal estado de espírito que não posso definir. É agora somente,
por uma necessidade inelutável, que sou forçado a ir aos Estados Unidos, onde
me demorarei, no máximo, oito dias. Só a presença da minha Kate pode dar-me um
pouco da tranquilidade de espírito de que preciso.”
Efetivamente,
a nota predominante da sua fisionomia era a tristeza. Falou-me da filha
apaixonadamente. A pequenina tinha então sete anos. O retrato que ele me fez
ver mostrou-ma como uma criança lindíssima.
—
Será hoje — disse então — a primeira noite em que terei de dormir sem ter na
minha a sua mãozinha!
O
modo pelo qual ele disse essa frase, pareceu-me estranho. Estranho, ou pelo
menos exagerado. Continuamos a conversar. O vapor era de excelente marcha. À
tarde, havíamos perdido a terra de vista. Ficamos juntos à hora das refeições,
juntos estivemos desde a manhã até às dez da noite.
—
Que cacetes! — exclamou o Lino.
—
Creio que não... — volveu o Alberto. — Suponho que nos encantamos
reciprocamente. Ambos tínhamos vivido muito, corrido céus e terras diversos;
mas parece que nenhum havia encontrado ainda o companheiro ideal, o amigo
perfeito, a alma gêmea da sua: e cada um de nós julgou reconhecer tudo isso,
subitamente, no outro.
O
vapor vinha cheio; mas naquele primeiro dia o tombadilho não estava muito frequentado.
Passageiros pouco habituados, deixavam-se ficar embaixo, enjoados. Às vezes, os
que tinham vindo para cima, sacudidos por um grande mal-estar, aproximavam-se
de repente da amurada, tomados de vômitos incoercíveis... Outros ficavam-se
sentados, com os olhos rasos de pranto, pensando ainda nos que acabavam de
deixar... Grupos de crianças punham um pouco de animação naquilo, correndo,
perseguindo-se uns aos outros. Às vezes quando o vapor dava guinadas mais
fortes, alguns caíam e os demais, em grande alarido, zombavam da sua queda.
Havia, entretanto, viajantes que estavam bem à vontade, alegres, uns passeando,
outros lendo, outros jogando. Uma mulher morena, uma bela mulher, alta,
elegante, cheia de corpo, com uns grandes e radiantes olhos negros, de uma
formosura esplêndida, passou todo o dia sentada em uma chaise longue,
imóvel, fitando o mar, fitando-o com olhos absortos de quem, continuando uma
íntima cisma, olha sem ver... Fomos os únicos que estivemos todo o tempo no
tombadilho: a bela passageira e nós. Às dez horas, quando íamos descer ouvimos
o comandante que viera conversar com ela, dizer-lhe que estava satisfeitíssimo
com a viagem:
—
Estamos, graças a uma brisa de popa, andando à razão de vinte milhas por hora.
Ela
respondeu com um simples sorriso de cortesia, indicando bem claramente que não
queria continuar a conversa. Ele insistiu:
—
Assim terá o prazer de uma viagem extremamente rápida.
Ela
fez um gesto de profundo desprendimento e disse apenas:
—
Oh! Para mim, é o mesmo...
E,
parecia indicar que para ela o tempo já não tinha valor... Que fosse um dia ou
fosse um ano, corresse o vapor como uma seta, ou vogasse no mar eternamente,
como um desses navios fantasmas das lendas misteriosas, tudo lhe era
soberanamente indiferente!
Que
segredo haveria naquela alma de mulher? Foi de tal modo triste, de tal modo
desalentada a inflexão de sua voz, que eu desci com um frio no coração... O dia
passara para mim, ao contrário do que é habitual, sem uma sombra de tristeza;
bastaram todavia aquelas palavras tão banais pelo significado, mas tão amargas
pela expressão, para fazerem refluir-me ao espírito, toda a amargura do meu
pessimismo.
Não
disse uma só palavra — senão, ao deitar-me, um simples — Boa-Noite — ao
meu companheiro de quarto. Dos nossos dois beliches, superpostos, o dele era o
de cima.
Daí
a pouco, eu estava dormindo um sono pesado.
Acordei
de súbito. Um pesadelo horrível me torturava. Via-me em uma revolução. Tinham
armado na rua uma barricada, com grandes pedras. Contra as forças do Governo,
eu me batia com um denodo heróico. Houve um momento em que tive a temeridade de
escalar a barricada, trepar-me ao alto e de lá, em pé, pôr a arma à cara com
toda a serenidade, e visar um inimigo. Nisto, uma pedra rolou a meus pés e eu
caí — caí para o lado dos adversários. Rápido, um deles adiantou-se, tomou-me
uma das mãos e começou a arrastar-me pela rua, correndo. Era uma corrida
vertiginosa. Meu corpo, inteiramente chagado, doía horrivelmente. Nas feridas,
abertas em carne viva, a terra das ruas entrava, aumentado a tortura... A
cabeça, minha pobre cabeça, era, sobretudo, o que me fazia sofrer; ouvia-a,
sentia-a bater, de choque em choque nos ângulos das pedras, e cada vez uma dor
finíssima, terebrante, varava-me o cérebro como um estilete agudíssimo... O
soldado, que me levava, prendia-me apenas pela mão, a larga mão ossuda e forte
que apertava a minha... Foi nessa ocasião, quando já tinha percorrido um
extenso trecho, deixando como vestígio, pelo caminho, laivos do meu sangue, que
eu despertei.
Despertei
e senti que o que me acordara tinha sido a mão do meu companheiro de viagem,
que apertava a minha desesperadamente. No primeiro instante, custei a
compreender a situação. Estremunhado, com a lembrança nítida do pesadelo, no
escuro do camarote, sentindo uma intensa dor de cabeça, não percebi o que
queria dizer aquele homem, junto de mim, segurando tão fortemente a minha mão.
Da
sua voz, eu guardo ainda nos ouvidos o tom de angústia e de terror...
Ele
me dizia:
—
Desculpe-me: eu sei que o incomodo muito... Eu estou doido... Mas não largue a
minha mão... Não largue...
Este
pedido que eu não lhe largasse a mão, voltava insistentemente, com um desespero
incrível. De fato, porém, era ele que segurava, que se agarrava a mim com uma
fúria incrível, quase esmagando meus dedos...
Procurei
acalmá-lo. Tive por algum tempo a convicção de que era realmente um acesso de
loucura.
Disse
umas vagas frases de consolo; pedi-lhe que se deitasse. Ele não me atendia:
—
Ainda não... ainda não... não largue a minha mão... daqui a pouco... daqui a
pouco...
Apesar
da luta, apesar do esforço, eu sentia que essa mão tão crispada à minha estava
gelada. Era um frio intenso que me penetrava as carnes, que me subia pelo
braço... O desgraçado arquejava...
—
Sente alguma cousa? — perguntei eu.
—
Não... Não imagina... É horrível... Não largue minha mão...
Isto
durou pouco mais de meia hora. Depois eu senti-o aquietar-se. Deu um grande
suspiro de quietação e alívio, tirou a mão da minha, saltou rapidamente para o
seu beliche e disse-me: Merci!
Na
cama, eu senti-o, entretanto, que chorava, chorava mordendo os travesseiros,
abafando os soluços para que eu os não ouvisse.
Foi-me
impossível dormir.
A
trepidação rítmica da máquina, batendo cadenciada, parecia o largo pulsar de uma
respiração que arquejava... Fora, havia um batido de águas carinhoso, quase
rente à escotilha do nosso camarote, lambendo de manso a quilha do navio.
A
cabeça doía-me horrivelmente.
Às
vezes, por momentos fugacíssimos, as pálpebras se me cerravam, numa vaga
modorra e, ao despertar eu ficava em dúvida se efetivamente alguma cousa
sucedera ou apenas tinha sido um sonho.
Mas,
a confirmar-me da realidade dos fatos, eu sentia o choro do meu companheiro, um
choro contínuo e magoado, mas tão fraco, tão baixinho que o rumor do mar mal o
deixava ouvir.
Seria
realmente um louco?
A
razão de tudo aquilo, só no dia seguinte o vim a perceber.
Fui
eu quem primeiro saiu do camarote.
Quando,
uma hora depois, passeava no tombadilho, Jorge — o meu companheiro se chamava
Jorge Sidney — subiu e veio saudar-me.
Estava
pálido, com olheiras roxas, a face tão desfeita, como se houvesse envelhecido
de muitos anos.
Não
trocamos, no primeiro instante, senão um cumprimento banal; nenhum de nós dois
aludiu aos fatos da noite. Não achamos, porém, meio algum de encetar conversa:
evidentemente a lembrança daqueles estranhos sucessos nos obsedava.
Afinal,
como se tivéssemos chegado ao ponto mais deserto do tombadilho, bem no extremo
da popa, Jorge me deteve:
—
O senhor há de considerar-me um louco — disse ele.
Eu
fiz um vago gesto de negação. Ele continuou:
—
Não me interrompa. Talvez, se o fizesse, me faltasse força para ir até o fim.
Conhecemo-nos apenas há um dia, mas eu julgo tê-lo reconhecido como um homem de
honra, a quem se pode confiar um segredo. É o segredo horrível da minha vida,
que não há por todo o mundo uma só pessoa que conheça, o que lhe vou narrar.
Debruçamo-nos
ambos à amurada.
O
bater da hélice deixava um rasto branco de espuma, assinalando a esteira do
navio. Não havia na superfície do oceano o vestígio de uma vela qualquer. Céu e
mar: nada mais...
O
sol punha faiscações de ouro no ondular das águas, agitadas levemente. No azul,
um azul muito claro, não existia senão um leve farrapo de nuvem, um cúmulo de
algodão alvíssimo, que vogava lentamente, subindo de um
ponto remoto do horizonte para o calmo zênite luminoso...
E ele me contou o drama da sua
existência — drama ocorrido em uma noite, rápido e terrível.
Estava hospedado na sua casa de campo,
na Escócia, um dos seus amigos, Nathaniel Break. Era um industrial riquíssimo.
Tinha ficado ali, por alguns dias, a caminho de Londres, onde ia efetuar uma
transação avultada. Vendera para isso uma das suas fábricas, cuja importância,
que montava a 25.000 libras, trazia ainda consigo.
Na véspera da sua partida foram fazer
um passeio; ele ia ver uma fábrica que ficava a curta distância.
Em certo momento, como parassem à
margem de um rio que corria perto da casa de Jorge, Nathaniel lembrou-se de
colher uma flor aquática lindíssima, que brotara num pequenino remanso do rio —
rio que, então avolumado pelas cheias, passava torrencial, bramindo, espumando.
A dois passos havia uma cascata. Ouvia-se-lhe o fragor. Mas, naquele humilde
recanto, protegida por grossas pedras limosas, tinha podido conservar-se a
delicada flor, cujo caule finíssimo emergia da água. A corola azul, com o
centro de um leve cor-de-rosa desmaiado, oscilava docemente. Nathaniel quis
apanhá-la. O amigo advertiu-o do perigo. Ele insistiu. “Deita-te de bruços na
margem e dá-me a tua mão.” Jorge obedeceu. O outro desceu, quebrou o talo da
flor, meteu-a entre os dentes — tudo isto com a mão esquerda, a direita
fortemente agarrada à do Jorge.
Quando quis subir e teve de dar um
forte impulso para içar o corpo, as pedras rolaram sob seus pés. Ficou suspenso
unicamente por aquela mão, da qual dependia sua vida, ou sua morte.
— Nesse momento...
“Nesse momento”, disse-me Jorge, “uma
ideia diabólica atravessou-me o cérebro. Se aquele homem morresse, eu podia
apoderar-me das 25.000 libras, que estavam em minha casa, na sua mala de
viagem.
“Fidalgo pobre, vivendo apenas de
escassos rendimentos, aquela soma seria para mim a garantia do futuro — do
futuro da minha filha, que era, sobretudo, o objeto constante das minhas
preocupações.
“Num segundo, eu vi, eu senti no meu cérebro
o atordoamento de uma luta horrível; todo o meu passado de irrepreensível
honestidade, toda a hediondez de ser o assassino de um dos meus íntimos amigos,
tudo isso defendia-se contra o assalto monstruoso daquela tentação miserável.
Mas a tentação venceu! Era tão fácil simular um acidente! O próprio Nathaniel
podia não perceber o meu
propósito criminoso: bastava que eu desprendesse minha mão da sua e ele
acreditaria que ela me tinha escapado.
“No momento da execução, as cousas não
correram com a mesma simplicidade. É verdade que me bastou um gesto brusco para
puxar a mão — à qual ele se agarrava com um desespero enorme, estando, como
estava, inteiramente pendurado dela. Foi menos de um segundo. Tive apenas o
tempo de ver-lhe o olhar — um terrível olhar de assombro e pavor ante o meu
crime...
“Que era um crime, eu vi bem que ele
compreendeu naquele momento decisivo. E foi, entretanto, uma fração de segundo:
caiu para trás, bateu em cheio com a cabeça numa pedra, fez-se uma poça
vermelha na água clara, mas logo o corpo, levado pela correnteza, foi a caminho
da cachoeira... Mais alguns minutos e estaria longe.
“Feliz ou infelizmente, eu tive a
partir desse momento, uma tranquilidade extraordinária. Levantei-me, limpei a
terra que havia no meu peito por ter estado de bruços, e segui tranquilamente,
afastando-me de casa.
“Devia voltar, dar-me como testemunha
do fato, afirmando que fora um acidente?
“Não haveria quem me
não acreditasse. Vi, porém, logo, que se tal sucedesse, eu teria de fazer
restituir as 25.000 libras: nada explicaria o seu desaparecimento.
“Ao sairmos de casa, estava combinado
que iríamos até certo ponto juntos e aí nos separaríamos: ele para ver uma
fábrica dos arredores, e eu para visitar uma velha parenta, cuja herdade
distava da minha uns bons quilômetros. Fui. Ganhei rapidamente o tempo perdido.
Passei lá um dia delicioso. Estive amável, jovialíssimo, de uma naturalidade
perfeita — ninguém seria capaz de notar em mim a mínima sombra de uma
preocupação qualquer. Falei algum tempo de Nathaniel: falei sem afetação nem
exagero, mas referi a nossa velha amizade e a satisfação que sentira em tornar
a vê-lo. Foi um assunto, entre mil outros, na nossa palestra: não tive ao
tratar dele a mínima insistência suspeita. Minhas palavras chegaram apenas ao
bastante para deixar no espírito dos meus interlocutores mais um testemunho da
minha muita amizade pelo homem que acabara de assassinar.
“Despedi-me à tarde. Parti para casa.
“Em meio do caminho, encontrei
portadores que vinham à minha procura. Tive, é certo, um momento de angústia
terrível, quando os enxerguei: alguém me teria visto praticar o crime? Ninguém.
Vinha prevenir-me. Não se sabia se era um acidente ou um homicídio.
“Senti, senti imediatamente que
fisionomia devia tomar, que gestos devia fazer, que interjeições devia ter...
Precipitei-me a galope. Entrei em casa como um louco. Todos se afastaram
respeitosamente ante a minha dor. Homens que estavam ali como simples curiosos,
levaram os lenços aos olhos, vencidos pelo espetáculo daquele imenso desespero.
“Eu gritava, fora de mim, possuído pelo
papel: Meu amigo! Meu amigo!
“E ia nessas palavras tanta amargura
que todos se sentiam dominados pelo meu sofrimento.
“Achei-o deitado de costas, num sofá
apenas forrado por um lençol branco. Sua leve roupa clara de touriste
elegante, encharcada, aderia ao corpo. Os olhos estavam semicerrados: era
hedionda uma linha branca que se via entre as pálpebras. Quando o apanharam já
tinha perdido todo o sangue. O cabelo louro ficara perfeitamente limpo.
Exatamente por isso, era ainda mais horrível notar a enorme fenda que passava
transversalmente sobre o olho esquerdo: os ossos estavam bem separados. Ao
bater na pedra que lhe fizera aquela ferida, deixara nela um largo pedaço de
pele — era o osso que se via, com as estilhas irregulares da fratura!
“Houve um momento em que, possuído de
um acesso extremo de dor, abracei meu amigo, solevantando-o um pouco do canapé.
Mas, como se ele tivesse receio de que eu o fosse beijar, senti que furtava a
cabeça... senti ou julguei sentir. A verdade é que ele quebrara a espinha
dorsal justamente ao nível do pescoço e, tendo eu erguido o corpo, a cabeça
caiu para trás. Caiu um pouco torcida para meu lado, e por entre os lábios
lívidos, arregaçados por sobre os dentes muito brancos, numa expressão que
parecia ser a de um sorriso sardônico, passou uma golfada de água, de uma água
grossa, saburrosa, viscosa, que sujou o lençol com um risco lamacento. Quando
julguei perceber o gesto de sua cabeça, furtando-se ao meu beijo, tive um
calafrio da cabeça aos pés. Logo, porém, ouvi na assistência alguém que me
explicava o caso, enumerando as diversas contusões e fraturas: a da espinha, a
do crânio na parte posterior e a que ficava sobre o olho esquerdo.
“No fim de algum tempo, o comissário de
polícia pediu aos meus amigos que me tirassem dali.
“Contou-me então como se achara o
corpo. Disse-me que perto do lugar tinham prendido um vagabundo, sobre o qual
recaíam suspeitas. Quando o prenderam, ele teve tempo de jogar à água qualquer
cousa que se não pudera achar. Seria o dinheiro roubado? Seria alguma joia?
Eram estas e outras informações que esperavam de mim.
“Eu lhes disse imediatamente que sabia
ter o meu amigo realizado dias antes uma transação importante, cujo valor em
notas de banco, é possível que trouxesse consigo.
“Indiquei que me parecia útil que a sua
bagagem fosse imediatamente selada e recolhida.
“Pedi apenas licença por alguns minutos
para ir a meu quarto mudar de roupa.
“Era em outro pavimento. Subi sozinho.
Entrei no meu quarto, passei por uma porta interna de comunicação para aquele
em que estava hospedado Nathaniel, e como eu sabia, na mala de viagem, o lugar
exato em que estava o dinheiro, tirei-o, escondi-o, fechei a porta, tomei outra
roupa e desci.
“Tudo isto foi extremamente breve. Na
azáfama em que todos estavam deve ter parecido imediato, de uma prontidão nunca
vista. Subi com o comissário, fiz revistar e selar as malas. A ausência do
dinheiro foi constatada. Quando o agente me comunicou essa notícia, eu tive um
rugido de vingança contra o assassino — o suposto, o desgraçado vagabundo a
quem acusavam falsamente! Mas não houve para ninguém, a partir desse instante,
dúvida alguma sobre a sua culpabilidade. Que instinto do mal me levava a
acumular crimes no meu caminho!
“Desci. Estive ainda uma vez de
joelhos! Abracei-o de novo, de novo chorei sobre o seu corpo... Era quase
sincero o meu sentimento, de tal modo eu estava possuído do papel que
representava. Afinal, pondo-me de pé, eu disse entre soluços: Nathaniel meu
amigo, tu hás de ser vingado! E tomando sua mão fria úmida, apertei-a na
minha, com o gesto de um amigo que se despede de outro, fazendo-lhe uma
promessa decisiva. A cena era um pouco teatral, mas por isso mesmo parecia
grandiosa e com o tom ardente que animava minha voz, fez uma impressão imensa
no auditório.
“Mas, o que foi para mim a sensação
desse momento, eu não sei dizer: foi horrível! Quando eu apertei aquela mão
inerte, pareceu-me senti-la segurar-me com toda a força. Tive a impressão de
que ela me apertava, como o fizera horas antes quando o corpo do meu amigo
pendia sobre o abismo. Mais do que isso. Tive a certeza que desta vez ela não
me largaria. Um frio, um frio de morte, um frio como nunca sentira, subiu-me
pela mão, pelo punho, pelo braço, entorpecendo-o... Eu dissera que ele havia de
ser vingado e o ríctus sardônico da boca parecia mais irônico ainda, a atestar
que a vingança viria de fato — mas viria, não sobre o desgraçado que estava
preso, viria sobre mim! Tirei a mão num gesto um pouco brusco. Alguém a meu
lado, um curioso que eu não conhecia, e entrara ajudando a trazer o corpo,
disse, tirando o relógio, e falando a outro: — São onze e vinte. — Que
me importava essa frase banal?
“Todas aquelas emoções me tinham
alquebrado. Subi. Fui até à cama de minha filhinha. O mesmo frio me entorpecia
a mão e o braço: parecia carregar um braço de mármore, pesado e gélido. Quando
me sentei à beira da cama de Kate, ela dormia um sono de anjo; seu rosto corado
e mimoso, enquadrado na moldura dos longos cabelos louros, tinha uma expressão
serena e risonha. Uma camisinha branca, bordada com folhos de rendas enfiados
por fitinhas verde-claras, fechava-se no seu pescoço delicado, nos seus punhos
gentis. Uma de suas mãozinhas, que estava do lado de fora meio fechada, parecia
um lírio em botão, caído ali, pequenino e mimoso.
“Mão bendita, mão de minha filha... Foi
quando a tomei na minha que para logo o frio se dissipou e a vida me voltou...
Pensei dentro de mim: ela me perdoa, porque vê que eu sou criminoso por sua
causa. Mas imediatamente outro pensamento protestou, indignado: Vil! não
atribuas a tua filha pensamentos torpes! Se ela soubesse, se compreendesse o
que tu fizeste, ela te reprovaria... Essa mão pequenina nunca se furtaria como
a tua a retirar qualquer homem de um abismo... Se a salvação te vem dela, é que
a sua bondade salva até mesmo os miseráveis como tu! Acolhe-te a ela e beija-a
contrito, com teus lábios impuros, como se beija um cousa sagrada!
“Baixei a cabeça, a chorar, a chorar
como um doido. Houve um momento em que Kate acordou. Devia estar em meio de
sonho... Disse, sorrindo, em parte reconhecendo-me, em parte continuando a
sonhar: Ih! papai! a cabritinha... Desprendeu a mão, passou o bracinho
em volta do meu pescoço, chegando à sua a minha cabeça e, com a facilidade que
as crianças têm em ir da vigília ao sono, fechou imediatamente as pálpebras e
continuou a ver a cabritinha dos seus sonhos... Eu fiquei com a cabeça junto da
sua. Aos poucos venceu-me a fadiga e adormeci.”
Jorge parou um pouco nesse momento. Eu
continuava de cabeça baixa, olhando para os novelos brancos que a espuma fazia
e desfazia na esteira do navio.
Até então, meu companheiro tinha
desenrolado a sua narração em voz baixa, mas com uma rapidez extraordinária. As
frases saíam-lhe aos arrancos: frases curtas, incisivas, destacadas. Parecia
não guardar consciência da minha presença e estar fazendo um grande monólogo.
Curvado a meu lado, apoiando os braços cruzados sobre a amurada, ficara tão
perfeitamente imóvel como eu. Só os lábios deviam agitar-se.
Quando parou, pareceu lembrar-se da
minha presença:
“Oh! eu estou descendo a detalhes
inúteis, estou a importuná-lo. Mas há três anos que eu trago comigo este
segredo horrí vel. Não há ninguém,
absolutamente ninguém que suspeite a sua existência. Não se passa, entretanto,
uma só noite em que eu não reviva toda esta história, cena por cena, minúcia
por minúcia. Já agora perdoe-me por mais algum tempo e ouça a explicação do que
viu esta noite. O que resta é muito pouco.”
Eu permanecia imóvel, impassível, sem a
menor mudança de atitude. Não sabia bem se devia ou não continuar a ouvir essa
confissão. Estava irritado com aquele desconhecido, que abusando da simpatia
que me inspirara, certo que eu saberia, custasse o que custasse, guardar o seu
segredo vinha confiar-mo para que de ora em diante eu trouxesse mais esse peso
na consciência. Mas enquanto eu hesitava, ele retomou a palavra:
“Nathaniel foi enterrado
sumptuosamente. A família agradeceu comovida, os extremos de caridade que eu
tivera com ele. O suposto assassino foi condenado a trabalhos forçados por toda
a vida... Em vão ele alegou que jogara ao rio um relógio de prata que furtara a
um operário. Ninguém o acreditou...”
Quando Jorge disse isto, eu devo ter
tido um movimento, uma expressão qualquer inconsciente de surpresa e de
indignação. Devo ter tido, porque ele me respondeu:
“Não me condene! Eu senti desejos de
salvar esse homem, de levantar dúvidas sobre a sua culpabilidade. Vi, porém,
que por um lado era inútil, por outro perigoso. Inútil — porque a convicção
geral se tinha firmado de tal maneira que ninguém me acreditaria; perigoso —
porque eu só poderia inocentá-lo, acusando-me. Era o que eu devia ter feito,
mas faltou-me a coragem — não pela pena, porque o pobre diabo, nas galés onde
está, tem sofrido menos do que eu — mas pela separação de minha filha, de quem
eu teria de me afastar. Eu provarei gostosamente as mais cruéis torturas,
contanto que me furte a essa!”
Fez uma pausa. A narração começava a
impacientar-me. Tinha vontade que pusesse termo a ela.
“Na noite seguinte à da morte de
Nathaniel eu estava na sala da minha biblioteca, sozinho, fumando e cismando,
quando de repente senti uma constrição singular na minha mão e um frio, o mesmo
frio da véspera. Era absolutamente o mesmo aperto, o mesmo shake-hands
com que Nathaniel me segurara no dia anterior. Mas desta vez pareceu-me que a
mão invisível, a mão de gelo puxava-me para a janela aberta, como se me
quisesse fazer saltar por ela; e isso seria a morte. Fiz força na cadeira
lutando como alguém que não quer ser arrastado por outrem que o esteja atraindo
e sacudi o braço, para desentorpecê-lo! O frio era cada vez maior. A força
oculta buscava levar-me com uma energia imensa. Neste momento, levantei os
olhos e notei, olhando para o relógio que me ficava fronteiro, que eram onze horas e vinte
minutos. Começava a fraquear, sentia que ela podia mais do que eu, que dentro
em pouco teria de ser vencido.
“Da mão glacial eu tinha a sensação
nítida, tanto da palma junto à minha palma, como dos dedos cingindo-me com um
esforço desesperado.
“Do meu gabinete passa-se diretamente
para o quarto de Kate. Lembrei-me do que sucedera no dia anterior e pensei em
ir para o seu lado. Receava, porém, levantar-me. Era, entretanto, o único
recurso. Pus-me de pé. Começou então uma luta medonha entre mim e a força
misteriosa. Como eu deveria parecer ridículo a quem me visse — a mim — um homem
ativo e forte, debatendo-me no meio da vasta sala deserta, contra um vago
espectro que ninguém conseguiria distinguir. E todavia, como era pavoroso!
Também eu não enxergava o espectro — se espectro havia — mas sentia
perfeitamente aquela mão robusta e gélida que procurava levar-me para a
voragem. Eu tinha dito hipocritamente: Nathaniel, meu amigo, tu serás
vingado! Pois bem: era a vingança que vinha — não a que devia recair sobre
um inocente, mas a que vinha ferir o verdadeiro culpado!
“Afinal, pude chegar junto à cama de
minha Kate, pude a muito custo tomar sua mãozinha. Mal eu consegui tocar nela,
a mão misteriosa e daninha pareceu sumir-se, desfazer-se, e a vida e o calor
voltaram-me ao braço. — Kate, minha Kate, então, como sempre, tu foste o meu
anjo bom, a minha salvação.”
Jorge disse isto com um tom de tão
íntima dor, de tão profunda comoção, que eu me senti dominado pela evocação
dessa criança loura e pequenina, dessa mimosa filhinha cujo contato era um
exorcismo bastante, até mesmo na sombra e no mistério, contra as agressões do
Invisível.
Jorge continuou:
“Desde então, todas as noites, quando
se aproximava a hora fatal, eu ia tomar na minha a mão de Kate. Que o não
fizesse e sentia logo a Presença Invisível, rondando em torno de mim; a mão de
gelo estendia-se na sombra para atrair-me e imediatamente para evitá-la, eu era
forçado a buscar o contato de minha filhinha.”
Sempre que ele aludia a Kate, sentia-se
vibrar na sua voz uma ternura infinita.
“Há três anos que isto dura. Esta foi a
minha primeira noite em que dormi longe de minha filha. A viagem que estou
empreendendo era inadiável. Tive de deixar Kate. Procurei raciocinar e
convenci-me que esse fato, essa coincidência das onze e vinte era apenas uma
alucinação. Se, de fato, há uma vida além desta, se há uma eternidade de
sofrimentos, quem nos viria disputar alguns minutos de existência aqui? A
eternidade não bastaria para satisfazer as piores vinganças? Fosse como fosse, esta noite, eu
acabava de adormecer quando acordei puxado por alguém: era a mão de morte, a
mão de gelo que me atraía com força. Foi então que eu o acordei. Viu a força
desesperada que ela fazia? É sempre assim! Felizmente ao cabo de quarenta
minutos, quando deu meia-noite, pareceu-me sentir que a Inimiga se tinha
fatigado; pude deitar-me; mas não consegui conciliar o sono. Que vai ser de mim
esta noite?! Sinto que não o posso importunar mais. Já pedi ao comandante um
camarote à parte. Deus me proteja! Minha Kate! Minha Kate!...”
E o desgraçado começou a soluçar com o
rosto nas mãos, chorando como uma criança.
Quis consolá-lo; mas não achei uma
palavra para isso. Logo, a meus olhos duas visões surgiram: a de Nathaniel,
estendido no seu caixão, lívido e morto e a de um mísero vagabundo, que estava
a essas horas num cárcere da Escócia, condenado e inocente.
Ficáramos assim naquela situação
embaraçosa, quando o comandante, que andava procurando Jorge, para escolher com
ele o novo camarote, veio chamá-lo.
Enxugou os olhos, procurou compor a fisionomia
e seguiu. Nunca mais o vi.
— Nunca mais?
— Nunca mais. Pouco depois de me
deitar, nessa noite, senti um reboliço enorme a bordo. O vapor tinha parado.
Vesti-me às pressas e subi ao tombadilho. Alguém tinha caído ao mar. Era Jorge.
Um marinheiro o vira aproximar-se da amurada, lutando, aos arrancos. Pensara,
porém, que ele ia vomitar, nauseado pelos balanços do navio. A ocorrência era
tão frequente, que não incomodava ninguém. Chegado, porém, à amurada, ele se
atirara ao mar.
Puxei o relógio; eram onze e meia.
O caso devia, portanto, ter ocorrido às
onze e vinte.
Todas as pesquisas para achar o corpo
foram infrutíferas, embora o vapor tivesse ficado imóvel até à manhã seguinte.
Mas na manhã seguinte só se via céu e
mar: nada mais
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