A VAMPIRA DE BAGDÁ - Conto Clássico de Terror - Collin de Plancy
A
VAMPIRA DE BAGDÁ
Collin
de Plancy
(1794
– 1881)
Num
subúrbio de Bagdá, no século XIV, vivia um velho comerciante, que acumulara uma
fortuna considerável, e tinha por herdeiro dessas grandes posses um filho por
ele muito amado. O ancião havia decidido dar ao herdeiro, como esposa, a filha de
um de seus confrades, também comerciante, com o qual mantinha laços de amizade
em razão de suas frequentes viagens.
Embora
muito rica, essa jovem era muito feia. E o amável Abou-Hassan — assim se
chamava o filho do velho mercador —, a quem foi mostrado o retrato da mulher a
ele destinada, pediu um tempo para decidir sobre aquele casamento.
Certa
noite, enquanto caminhava sozinho, sob a suave luz da Lua, nos campos vizinhos
a Bagdá, o rapaz ouviu uma voz melodiosa, que entoava alguns versos do Alcorão,
acompanhada de uma guitarra. Ele atravessou o bosque que ocultava a jovem
cantora e se viu ao pé de uma casa de campo, em cuja varanda, sombreada pela
erva movediça, havia uma mulher incrivelmente sedutora.
Ele
não se fez notar senão por sinais de respeito e amor. Mas a janela se fechou
novamente e ele retornou bem tarde para a casa paterna, sem saber se fora
realmente visto.
Na
manhã seguinte, após a oração da alvorada, voltou ao sítio onde havia visto a
encantadora moça, por quem o jovem já ardia com um amor inexcedível. Ele fez
mil perguntas e descobriu, com alguma dificuldade, que a sua beldade tinha
dezessete anos; que não era casada; que era filha de um sábio homem que não
tinha ouro para dar ela, mas que a educara nas mais sublimes ciências. Essa
revelação inflamou-o ainda mais.
Desde
então, tornou-se impossível o casamento planejado pelo pai. Ele foi ao encontro
do velho homem, dizendo:
—Pai,
o senhor sabe que até agora sempre lhe fui obediente. Mas hoje eu ouso implorar-lhe que me conceda
uma esposa de minha escolha.
Então
expôs ao pai a repugnância que sentia pela mulher que lhe fora proposta e o seu
amor pela sedutora desconhecida.
O
ancião fez algumas objeções. Mas, vendo que o filho era arrastado por uma
fatalidade irresistível, não mais impôs empecilhos à sua felicidade.
O
jovem procurou o velho sábio e pediu a filha em casamento. Os dois amantes se
viram. Idolatraram-se, e o casamento foi realizado.
Para
expressar a felicidade do jovem, seria preciso senti-la. Ao final de três
meses, embriagado pelos mais ternos prazeres, Aboul-Hassan, tendo despertado no
meio da noite, percebeu que a sua jovem esposa havia deixado o leito
conjugal. A princípio, pensou que um
acidente imprevisto — ou uma indisposição repentina — havia motivado aquela
ausência, mas resolveu esperar. Todavia, Nadilla — este era o nome da jovem —
não voltou até uma hora antes do raiar dia. Aboul-Hassan, que começava a ficar
impaciente — notando que ela voltava com um ar assustadiço e passos misteriosos
—, fingiu estar dormindo e, sem demonstrar qualquer ansiedade, resolveu aclarar
o incidente um pouco mais tarde.
Nadilla
nada falou sobre a sua ausência noturna. E, na noite seguinte, após as carícias
mais ternas, escapou gentilmente dos braços do marido, que pensava estar
dormindo, e saiu conforme habitualmente o fazia.
Aboul-Hassan
apressou-se em vestir-se. Seguiu-a de longe e fez desvios bastante longos.
Finalmente, viu a mulher entrar num cemitério; ele fez o mesmo. Nadilla
mergulhou numa grande tumba, iluminada por três lâmpadas funerárias. Qual não
foi a surpresa de Abul-Hassan quando viu sua bela jovem esposa, a quem ele
amava tanto, rodeada por vários ghouls[1] , que lá se reuniram lá todas as
noites para seus deleites terríveis!
Desde
as bodas, ele notara que sua esposa não comia nada à noite. Mas ele não extraiu
dessa observação qualquer consequência infeliz.
Ele
logo viu um desses ghouls trazendo um cadáver ainda fresco, ao redor do
qual todos os outros se acercaram. A ideia que lhe ocorreu foi a de dissipar
essas estriges hediondas. Mas ele não era forte o bastante: decidiu devorar a
própria indignação.
O
cadáver foi cortado em pedaços e os ghouls o comeram, entoando canções
infernais. Então enterraram os ossos e se separaram depois de se beijarem.
Aboul-Hassan,
que não queria ser visto, voltou apressadamente para a cama, onde fingiu dormir
até de manhã.
Durante
o dia, ele nada comentou sobre o que tinha visto. Contudo, quando veio a noite,
instou a sua jovem esposa a compartilhar consigo uma leve refeição. Nadilla, como sempre, escusou-se com uma
desculpa. Aboul-Hassan insistiu por um
longo tempo e, finalmente, exclamou, com raiva:
—Você
prefere ir jantar com os ghouls!
Nadilla
não respondeu, empalideceu, tremeu de raiva e, silenciosamente, foi dormir com
o marido.
No
meio da noite, imaginando que ele mergulhara em profundo sono, ela disse, com
uma voz sombria:
—Agora,
hás de expiar a tua curiosidade sacrílega.
Ao
mesmo tempo, ela se ajoelhou no peito dele, agarrou-o pela garganta, abriu-lhe
uma veia e se preparou para beber-lhe o sangue. Tudo isso foi obra de um
momento.
O
jovem homem, que não estava dormindo, escapou violentamente dos braços daquela
fúria e, brandindo um golpe de adaga, deixou-a morrendo ao seu lado.
Imediatamente,
ele gritou por socorro. Pensou o ferimento que tinha na garganta e, no dia
seguinte, a jovem ghouleh[2] foi sepultada.
Contudo,
três dias depois, no meio da noite, ela reapareceu ao marido, lançou-se sobre
ele e tentou sufocá-lo novamente. A adaga de Aboul-Hassan era inútil em suas
mãos. Ele somente encontrou a salvação numa rápida fuga.
Aboul-Hassan
abriu o túmulo de Nadilla, que foi encontrada como se estivesse viva e parecia
respirar em seu caixão.
Seguiu à casa do sábio, que se passava por pai
daquela mulher infeliz. Ele confessou que sua filha, casada dois anos antes com
um oficial do califa, tendo cedido à devassidão mais infame, havia sido morta
pelo marido. Mas que ela havia reencontrado vida em seu sepulcro; que ela
voltou para a casa de seu pai; em uma palavra, que ela era uma mulher vampiro.
O
corpo foi exumado. Foi queimado em uma pira de madeira perfumada. Suas cinzas
foram jogadas no Tigre. E a Arábia foi libertada de um monstro...
Versão em português:
Paulo Soriano.
Interessante que a vampira só atacou o marido quando esse a maltratou. Ela realmente o amava, ao que parece, pois não tentou matá-lo durante as núpcias... Bom conto.
ResponderExcluirEsse final foi apressado, mas foi interessante.
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