AS FADAS - Conto Classico Fantástico - Charles Perraut



AS FADAS
Charles Perraut (1682 – 1703)
Tradução de Monteiro Lobato (1882 – 1948)

Era uma vez uma viúva com duas filhas.

A mais velha, muito má e orgulhosa, parecia com a mãe em tudo. Ver uma moça era ver a outra.

A mais moça, porém, primava pela bondade de coração e pela beleza do rosto. Tinha puxado ao pai, um homem muito bom e sério. Justamente por isso, a viúva tinha-lhe ódio; fazia-a comer na cozinha e forçava-a a trabalhar sem descanso.

Entre outros serviços pesados, a pobre menina era obrigada a trazer duas vezes por dia um grande pote de água duma fonte a meia légua de distância. Verdadeiro castigo.

Certa ocasião em que estava na fonte enchendo o pote, apareceu uma velha que lhe pediu de beber.

— Pois não, minha senhora, respondeu delicadamente a menina — e lavou o fundo do pote, encheu-o da melhor água e ficou segurando-o no ar enquanto a velha bebia.

— Você é tão bonita e boa, disse a velha, que bem merece um dom. (Era uma fada que se disfarçava de velha para experimentar a bondade das meninas.)

— Que dom?

— Cada vez que falar rolará da sua boca uma flor ou uma pedra preciosa.

Disse e sumiu.

A menina voltou para casa muito contente — e levou logo uma descompostura por ter-se demorado mais do que de costume.

— Peço-lhe perdão, minha mãe, por ter-me retardado tanto, disse ela humildemente — e ao falar duas rosas, duas pérolas e dois lindos brilhantes pularam da sua boca.

— O que é isso? — exclamou a mãe assombrada, juntando as pedras.  —De onde vêm tantas riquezas minha filha? (Era a primeira vez que a chamava de filha.)

A menina contou o que se passara à fonte — e mais diamantes rolaram pelo chão.

A mulher ficou pensativa.

— Vou mandar minha Fanchon à fonte. Veja, Fanchon, o que está saindo da boca dessa menina. Não quer possuir o mesmo dom? Basta que vá buscar água e que quando uma velha apareça e peça para beber você a atenda com bons modos.

— Era só o que me faltava, eu andar de pote na cabeça! —respondeu a orgulhosa.

— Pois tem que ir e já — ordenou a mãe, de cara feia.

A moça má foi, resmungando, mas levou o mais lindo jarro de prata que existia na casa. Enquanto o enchia, viu sair da floresta uma dama ricamente vestida, que lhe veio pedir de beber. Era a mesma velha, agora disfarçada de princesa a fim de ver a até que ponto chegava a ruindade de Fanchon.

— A senhora então acha que vim à fonte para dar água aos outros? — respondeu a orgulhosa.  —Está aqui este jarro de prata. Se quiser, encha-o e beba.

— Você não é boa de coração nem delicada — disse a princesa, sem mostrar sinais de zanga. Bem que merece um dom.

— Qual?

— Cada vez que falar sairá da sua boca um sapo, ou uma cobra.

A moça má mostrou-lhe a língua e voltou para casa furiosa. Assim que a viu chegar, a mãe foi dizendo, de cara alegre:

— Então?

— Então, o quê? — respondeu de mau modo a filha, e dois sapos e duas cobras caíram no chão.

— Deus do céu! O que estou vendo! — exclamou a mãe, horrorizada. —Minha filha querida a vomitar sapos e cobras, e tudo por causa daquela pestinha! Deixa estar que ela me paga…

Disse e avançou para cima da menina boa, a qual fugiu correndo para a floresta, justamente quando por lá ia passando o filho do rei, que saíra à caça.  Vendo uma tão bela criaturinha, ele perguntou-lhe o que fazia ali sozinha e por que motivo chorava.

— Ai de mim! —  suspirou a boa menina. — Minha mãe acaba de expulsar-me de casa.  — E, ao dizer isso, caíram-lhe da boca cinco rosas, cinco pérolas e cinco diamantes.

O filho do rei assombrou-se e perguntou o significado daquilo e, quando soube de tudo, sentiu-se imediatamente apaixonado e levou-a para o palácio e apresentou-a ao rei, dizendo que com outra não se casaria. Casaram-se e foram muito felizes.

E a má? Oh, a má ficou tão mais má depois desse acontecimento, que nem a sua própria mãe pôde aturá-la. Foi expulsa de casa e como ninguém quisesse saber dela, morreu abandonada num lugar escuro do bosque.

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