O DESAPARECIMENTO DE HONORÉ SUBRAC - Conto Clássico de Terror - Guillaume Apollinaire
O
DESAPARECIMENTO DE HONORÉ SUBRAC
Guillaume
Apollinaire
(1880
– 1918)
Tradução de Paulo Soriano
Apesar
das mais meticulosas buscas, a polícia não conseguiu desvendar o mistério do
desaparecimento de Honoré Subrac.
Ele
era meu amigo, e, como eu sabia a verdade sobre o seu caso, fiz questão de pôr a
justiça a par do que que havia acontecido. O juiz, que colheu as minhas
declarações, depois de ouvir o meu relato, assumiu um tom de tão assustada polidez que
eu não tive dificuldade em entender que ele me tomava por louco. Eu lhe disse
isto. Ele ficou ainda mais cortês e, levantando-se, empurrou-me para a porta, e
eu vi o seu escrivão, de pé, com os punhos cerrados, pronto para saltar sobre mim, caso se eu agisse como um ensandecido.
Eu
não insisti. O caso de Honoré Subrac é, de fato, tão estranho que a verdade
parece inacreditável. Soubemos, pelas notícias dos jornais, que Subrac passava por original. Fosse inverno ou
verão, estava ele sempre vestido somente com um grande casaco no corpo e chinelos
nos pés. Ele era muito rico, e porque sua indumentária me surpreendia, perguntei-lhe um dia por que
se trajava daquela maneira. Ele respondeu:
—É
para me despir mais rapidamente, em caso de necessidade. A propósito, depressa
nos habituamos a sair com poucas peças. Ceroulas, meias e chapéus são
prescindíveis. Vivo assim desde os meus vinte e cinco anos de idade e nunca
estive doente.
Estas
palavras, em vez de me esclarecerem, aguçaram a minha curiosidade.
“Por
que razão”, pensei, “Honoré Subrac precisa se despir tão rapidamente?”
E
fiz um monte de suposições...
Uma
noite, quando eu voltava para casa — poderia ser 1:00h ou 1:15h —, ouvi que
sussurravam o meu nome. Parecia-me que vinha da parede junto à qual eu passava.
Desagradavelmente surpreso, estaquei.
—
Há mais alguém na rua? — disse a voz. —Sou eu, Honoré Subrac.
—
Mas onde você está? — exclamei, olhando
para todos os lados, sem formar uma ideia de onde meu amigo poderia ter-se ocultado.
Vislumbrei,
apenas, o seu famoso casaco estendido na calçada, ao lado dos seus não menos
famosos chinelos.
“Eis
aqui uma situação”, pensei, “em que a necessidade obrigou Honoré Subrac a despir-se num piscar de
olhos. Finalmente, desvendarei um belo mistério.”
Eu
disse em voz alta:
—A
rua está deserta, caro amigo. Você pode aparecer.
De
repente, Honoré Subrac despegou-se da parede contra a qual eu fixara o olhar,
mas sem poder enxergá-lo. Estava completamente nu e, antes de tudo, apanhou o
casaco, que vestiu e abotoou o mais
rápido que pôde. Depois, calçou os chinelos e, enfaticamente, falou comigo,
acompanhando-me até a minha porta:
—
Você ficou surpreso — disse ele —, mas agora entende por que eu me visto de um
modo tão estranho. Mas ainda não logrou compreender como eu pude fugir tão
completamente ao seu olhar. É muito simples. É apenas um fenômeno de mimetismo...
A natureza é uma boa mãe. Ela deu aos seus filhos, demasiado fracos para se
defenderem, o dom de se confundir com o que os rodeia... Mas você sabe tudo
isso. Sabe que as borboletas parecem flores, que alguns insetos são como
folhas, que o camaleão pode assumir a cor que melhor o camufle, que a lebre
polar se tornou branca como as terras geladas onde, tão covarde quanto a de
nossos campos, foge quase invisível.
“Esses
frágeis animais escapam dos seus inimigos por arte de um engenho instintivo que
lhes modifica a aparência.
“E
eu, a quem um inimigo persegue incessantemente; eu — que sou medroso, e me
sinto incapaz de me defender numa luta — sou semelhante a estes animais: confundo-me
à vontade, e por terror, com o ambiente que me rodeia.
“Exerci
esta faculdade instintiva, pela primeira vez, há alguns anos. Eu tinha vinte e
cinco anos e, em geral, as mulheres me achavam agradável e garboso. Uma delas,
que era casada, apegou-se tanto a mim que eu não pude resistir. Caso fatal!...
Uma noite, eu estava na casa da minha amante. O marido dela, supostamente, estaria
fora durante vários dias. Estávamos nus como divindades quando a porta se abriu
de repente, e o marido apareceu com um revólver na mão. Meu terror era
indescritível, e eu tinha apenas um desejo — este covarde que eu era e ainda
sou: desaparecer. Encostando-me à parede, desejei fundir-me a ela. E o imprevisto
acontecimento realizou-se imediatamente. Tornei-me da cor do papel da parede e,
como os meus membros voluntariamente se aplanavam, reduzindo-se a uma espessura
inconcebível, pareceu-me que eu e a parede éramos um só, e que ninguém mais podia me ver. E era verdade. O marido andou à minha procura
para me matar. Ele tinha-me visto, e era de todo impossível que eu tivesse escapado.
Ele ficou louco e, voltando a sua fúria contra a esposa, matou-a de um modo
selvagem, disparando seis tiros em sua cabeça. Depois foi-se embora, chorando
desesperadamente. Quando ele saiu, o meu corpo, institivamente, voltou à forma
normal e coloração natural.
“Vesti-me
e consegui sair dali antes que mais alguém chegasse. Mantenho, desde então, a bendita faculdade do
mimetismo. O marido, não tendo me matado, dedicou a sua vida à realização deste
objetivo. Há muito tempo ele me persegue pelo mundo inteiro, e imaginei que,
vindo morar em Paris, eu estaria a salvo dele. Mas vi aquele homem alguns momentos
antes de sua chegada. O terror fez-me bater os dentes. Eu só tive tempo de me
despir e mesclar-me à parede. Ele passou por mim, olhando com curiosidade para
aquele casaco e aqueles chinelos abandonados na calçada. Agora você percebe o
quão estou certo em vestir-me sumariamente. A minha faculdade mimética não
poderia ser exercida se eu estivesse vestido como todos os outros. Não poderia me despir suficientemente rápido para escapar
do meu algoz, e é importante, acima de tudo, que eu esteja nu, para que minhas
roupas, achatadas contra a parede, não tornem inútil o meu desaparecimento
defensivo.
Felicitei Subrac por uma faculdade da qual eu tinha provas e que invejava...
Nos
dias seguintes, eu não pensava em outra coisa, e fiquei surpreso, em todos os
sentidos, por me ver concentrando a minha vontade no intuito de mudar a minha
forma e a minha cor. Tentei me transformar em um ônibus, na Torre Eiffel, em um
acadêmico, em ganhador de jackpot[1].
Os meus esforços foram em vão. Eu não nascera para aquilo. Minha vontade não
era suficientemente forte e, além disso, faltava-me aquele santo terror, aquele
formidável perigo que havia despertado os instintos de Honoré Subrac...
Eu
já não o via há algum tempo quando ele
apareceu um dia, em pânico:
—Aquele
homem, meu inimigo — disse ele —,
vive me espreitando por toda
parte. Consegui fugir dele três vezes,
exercendo a minha faculdade, mas estou com medo, estou com medo, meu caro
amigo.
Notei
que ele tinha perdido peso, mas não disse nada.
—
Só lhe resta uma coisa a fazer — disse eu —para subtrair-se a um inimigo tão implacável: vá embora! Esconda-se
numa aldeia. Deixe os seus pertences comigo e corra para a estação ferroviária
mais próxima.
Ele
apertou-me a mão e disse:
—
Venha comigo, eu imploro. Estou com medo!
Na
rua, caminhamos silenciosamente. Honoré Subrac virava a cabeça constantemente, parecendo preocupado.
De repente, deu um grito e fugiu, livrando-se do casaco e dos chinelos. E eu vi
um homem correndo correr atrás de nós. Eu tentei impedi-lo, mas ele escapou. Segurava um revólver e apontava-o na direção de Honoré Subrac. Este tinha
acabado de chegar ao longo muro de um quartel e ali desapareceu como que por
magia.
Atordoado,
o homem com o revólver parou, soltando exclamação raivosa, e, como que para se vingar do muro que parecia ter sugado
a sua vítima, descarregou seu revólver no ponto em que Honoré Subrac tinha
desaparecido. Depois, fugiu...
As
pessoas aglomeraram-se e policiais chegaram para dispersá-las. Então chamei por meu amigo. Mas ele não respondeu.
Apalpei
a parede, que ainda estava quente, e notei que, das seis balas disparadas pelo
revólver, três tinham atingido a altura do coração de um homem, enquanto as
outras tinham arranhado o gesso mais acima, onde eu parecia distinguir,
vagamente, os contornos de um rosto.
Magistral, irmão. Simples e fantástico ao mesmo tempo... e por isso magistral!
ResponderExcluirEl Barretón
Isto mesmo, Barretón!
ResponderExcluirparece até um episódio do Além da imaginação, mas daria um bom filme...
ResponderExcluirOI POVO AMEI A HISORIA
ResponderExcluirEu também!!!!
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