O GATO PRETO - Conto Clássico de Terror - Edgar Allan Poe
O
GATO PRETO
Edgar
Allan Pöe
(1809
- 1849)
Tradução:
S. de M. (Séc. XIX)
Não
espero nem peço que acreditem na extraordinária e, contudo, vulgar história que
lhe vou narrar. Na realidade, seria um louco se tal esperasse, num caso em que
os meus sentidos repelem o seu próprio testemunho. E, todavia, eu não sou um
doido —e não estou sonhando, com certeza. Mas, como devo morrer amanhã, quero
hoje aliviar a minha alma.
O
meu fim imediato é apresentar ao mundo —claramente, sucintamente e sem
comentários —uma série de simples acontecimentos domésticos.
Pelas
suas consequências, esses acontecimentos terrificaram-me, torturaram-me,
aniquilaram-me. Entretanto, não tentarei aclará-los. Considero-os horríveis,
ainda que a muitas pessoas possam parecer menos terríveis do que estranhos.
É
possível que mais tarde haja uma inteligência mais serena que reduza o meu
fantasma à situação comezinha de simples lugar comum —uma inteligência mais
serena, mais lógica e muito menos excitável que a minha, que nada mais achará
nos acontecimentos que um conto com terror, do que uma sucessão ordinária de
causa e efeitos naturalíssimos.
Desde
a infância que era notado o meu caráter naturalmente humilde e bondoso. A
sensibilidade do meu coração era até então notória, que fizera de mim o joguete
de meus companheiros.
A
minha maior tendência era uma amizade louca pelos animais, de que possuía uma
grande variedade, com que a minha família me presenteara.
Passava
quase todo tempo com eles e nunca me sentia tão feliz como quando lhes dava de
comer ou os acariciava. Esta particularidade de meu caráter aumentou com o
desenvolvimento físico, de forma que, depois de homem, o entreter-me com
animais era um dos meus maiores prazeres.
Aos
que sentiram uma grande afeição por um cão fiel e inteligente, não necessito
explicar a natureza ou a intensidade do gosto proveniente de tal afeição. Há na
amizade desinteressada do animal, no sacrifício de si próprio, o quer que seja
que toca diretamente no coração do que tem frequentemente ocasião de verificar
a vil amizade e fidelidade mesquinha do “homem natural”.
Casei-me,
e considerei-me verdadeiramente feliz por encontrar em minha mulher uma
disposição de caráter semelhante à minha.
Visto
que eu gostava imenso dos animais domésticos, minha esposa não perdia nunca a
menor ocasião de acrescentar o número dos que possuíamos. Tínhamos pássaros, um
peixe dourado, um lindo cão, coelhos, um saguim e um gato.
Este
último era um animal notoriamente forte e belo, completamente reto, duma inteligência
maravilhosa.
Sempre
que falava da inteligência do gato, minha mulher, que no fundo era um pouco
supersticiosa, fazia frequentes alusões à velha crença popular que considera
todos os gatos pretos como feiticeiras disfarçadas. Isto não quer dizer que ela
acreditasse na lenda: se menciono o fato é, simplesmente, porque me ocorreu,
neste momento, à memória.
Plutão
—assim se chamava o gato —era o meu preferido, o meu camarada. Só eu lhe dava
de comer, e seguia-me sempre por toda a casa. Era mesmo com dificuldade que
conseguia de impedi-lo de me seguir pelas ruas.
A
nossa amizade durou muitos anos, durante os quais o conjunto do meu caráter e
do meu temperamento —por intervenção do demônio da intemperança, com vergonha o
confesso —sofreu uma alteração, radicalmente má.
Tornei-me
dia a dia indiferente pelos sentimentos dos outros. Empregava uma linguagem
brutal sempre que falava de minha mulher. Por fim, cheguei mesmo a agredi-la.
Os
meus pobres amigos naturalmente ressentiram-se da mudança do meu caráter. Não
somente eu os desprezava, mas também os maltratava.
Continuava,
contudo, a ter por Plutão uma consideração que me impedia de o maltratar,
enquanto que não sentia o menor escrúpulo em bater nos coelhos, no saguim e
mesmo no cão, quando o acaso ou a amizade que tinham por mim faziam com que os
encontrasse em frente do pé.
Como
me tornasse cada vez mais intratável —que vício há que possa comparar-se ao
álcool? –, o próprio Plutão, que envelhecia, e que, por isso, me incomodava com
as suas carícias —o próprio Plutão —começou a conhecer os efeitos do meu
péssimo caráter.
Uma
noite, ao entrar em casa muito embriagado, de volta de um botequim onde
habitualmente passava as noites, pareceu-me que o gato fugia de mim. Agarrei-o;
mas ele, atemorizado pela minha violência, feriu-me levemente na mão com os
dentes.
Repentinamente,
apossou-se de mim um furor de demônio. Desconheci-me. A minha alma pareceu
abandonar subitamente o corpo, e minha perversidade hiperdiabólica, saturada de
gim, penetrou todas as fibras do meu ser.
Tirei
da algibeira do colete um canivete e abri-o; agarrei o gato pelo pescoço e
friamente fiz-lhe saltar um dos olhos da órbita.
Coro, sinto ferver-me o sangue, estremeço ao escrever esta inclassificável atrocidade!
Quando
a razão me voltou com o dia, depois de terem desaparecido os vapores do meu
deboche noturno, tive um sentimento, um misto de horror e remorso, pelo crime
que praticara; mas era um fraco e equívoco sentimento, de que a alma não se
ressentiu. Voltei de novo aos excessos alcoólicos, afogando bem depressa no
vinho a lembrança do meu crime.
Entretanto,
a cura do gato progredia lentamente. A órbita do olho perdido apresentava, é
verdade, um aspecto repelente, mas o animal não indicava dever sofrer para o futuro.
Andava
pela casa como costumava, mas logo que me ouvia os passos, fugia aterrorizado.
De
meu antigo caráter restava ainda o suficiente para que me afligisse com a
evidente antipatia dum animal que eu dantes tanto gostara.
Mas
esse sentimento foi em depressa substituído pela irritação. E então apareceu,
para complemento da minha queda fatal e revogável, o espírito da PERVERSIDADE.
Deste
espírito não tem a filosofia a menor noção. Todavia, tão certo como existir a
minha alma, creio que a perversidade é uma das primitivas impulsões do coração
humano, uma das primeiras indivisíveis faculdades ou sentimentos que dirigem o
caráter do homem.
Quem
se não surpreendeu cem vezes cometendo uma ação tola ou vil, pela simples razão
de saber que não devia cometê-la?
Não
temos nós uma frequente inclinação, apesar da excelência de nosso senso, para
viola o que se chama a Lei, simplesmente por compreendermos que é a Lei?
O espírito de perversidade — disse eu — causou a minha ruína final. Senti o desejo ardente, insondável, da alma se torturar a si própria, de violentar a própria natureza —de fazer o mal pelo amor ao mal –, que me levou a continuar e, finalmente, a consumar o suplício que infligira ao pobre animal inofensivo.
Uma
manhã, com toda a presença de espírito, passei um nó corredio em volta do
pescoço do gato e pendurei-o ao tronco de uma árvore. Pendurei-o com os olhos
rasos de lágrima, com o mais amargo remorso no coração. Pendurei-o porque sabia
que me amara, e porque sentia que o pobre animal nunca me dera razão de zanga.
Pendurei-o porque sabia que, procedendo assim, cometia um pecado, um pecado
mortal que comprometia a minha alma imortal, ao ponto de a colocar —se uma tal
coisa fosse possível —para além da misericórdia do Deus Misericordioso e
Terribilíssimo.
Na
noite que se seguiu ao dia que se seguiu aquele cruel ato, fui acordado em
sobressalto pelo grito de: “fogo, fogo!”. Os cortinados do meu leito eram pasto
das chamas.
Toda
a casa ardia.
Foi
com muita dificuldade que escapamos ao sinistro, minha mulher, um criado e eu.
A
perda foi completa.
Toda
a minha fortuna foi destruída pelo incêndio, o que me fez cair num desespero
profundo.
Não
pretendo estabelecer uma ligação entre a atrocidade e o desastre: sou superior
a essa fraqueza.
Narro
apenas o encadeamento de fatos, de que não desprezarei um anel. No dia que se
seguiu ao incêndio, visitei as ruínas da casa.
As
paredes tinham caído, à exceção de uma, que era um fraco tabique interior,
situado, pouco mais ou menos, ao centro da casa, e contra o qual se arrumava a
cabeceira do meu leito.
Este
tabique resistira, em grande parte, à ação do fogo, fato que atribuí a ter ele
sido rebocado recentemente.
As
palavras “extraordinário!”, “singular!” e outros termos de idêntica
significação excitaram a minha curiosidade.
Aproximei-me
e vi, semelhante a um baixo-relevo esculpido na superfície branca da parede a
figura de um gigantesco gato.
A
imagem reproduzira-se com uma exatidão verdadeiramente maravilhosa. Em volta do
pescoço do gato havia uma corda.
Imediatamente
ao ver esta aparição —porque não poderia considerar o fato senão como uma
aparição –, o meu espanto e o meu terror foram extremos. Mas, por fim, a
reflexão auxiliou-me.
O
gato, lembro-me perfeitamente, fora dependurado num jardim adjacente à casa.
Aos gritos de alarme, o jardim devia ter sido imediatamente invadido pela
turba, e o animal fora decerto dependurado por alguém, e atirado para o meu
quarto pela janela aberta. E tinham procedido assim para me acordarem, sem
dúvida. O desmoronamento das paredes comprimira a vítima da minha crueldade no
estuque com que pouco tempo antes o tabique fora rebocado; a cal do tabique,
combinado com o amoníaco do cadáver, tinha operado a imagem tal qual eu a vi.
Conquanto
satisfizesse assim rapidamente a minha razão, senão também à consciência,
relativamente ao fato surpreendente que acabo de contar, nem por isso esse fato
deixou de fazer na minha imaginação uma impressão profunda.
Durante
muitos meses não me abandonou o fantasma do gato; e durante esse período nasceu
na minha alma um meio sentimento que parecia ser, mas não era, o remorso.
Cheguei
a deplorar a perda do gato e a procurar nas imundas tabernas, que frequentava
habitualmente, um outro animal da mesma espécie, e parecido com o que eu
matara, para o substituir.
Era
uma noite. Estando sentado, meio bêbado já, numa taberna imundíssima, atraiu-me
subitamente a atenção um objeto preto, estendido sobre uns enormes tonéis de gim
e rum, que enchiam a taberna.
Havia
já uns minutos que eu olhava para o túnel e surpreendia-me por não ter ainda
dado pela presença do objeto colocado sobre ele.
Aproximei-me
e toquei-lhe com a mão.
Era
um gato preto —um grande gato —do tamanho de Plutão, pelo menos, parecido com
este, exceto num ponto. Plutão não tinha um só pelo branco em todo corpo,
enquanto o que estava sobre o tonel tinha uma mancha alarga e branca, mas de
uma forma indecisa, que lhe cobria todo o peito.
Logo
que lhe toquei, o gato levantou-se rapidamente, rosnou com força, esfregou-se
na minha mão parecendo gostar muito das minhas carícias.
Era
na realidade o animal que eu até então procurara inutilmente.
Pedi
ao dono da taberna que me vendesse o gato, mas o homem declarou não lhe pertencer
o animal; não o conhecia, nunca o vira até então.
Continuei
a acariciá-lo e quando me preparava para voltar para casa, o gato mostrou-se
disposto a acompanhar-me.
Consenti
e, enquanto caminhava, baixava-me para o acariciar.
Logo
que chegamos, o gato como que se achou em sua casa, tornando-se imediatamente
muito amigo de minha mulher.
De
minha parte, senti logo nascer uma grande antipatia pelo gato.
Sucedia
justamente o contrário do que esperava; mas a verdade —não sei como nem por que
se dava este fato —era que a sua evidente amizade por mim quase me incomodava e
aborrecia.
Lentamente,
estes sentimentos de incômodo e de aborrecimento aumentaram até ao ódio.
Evitava
o animal, e uma certa sensação de vergonha e a lembrança do meu primeiro ato de
crueldade impediam-me de o maltratar.
Durante
algumas semanas me abstive de lhe bater ou de o tratar violentamente; mas
gradualmente —insensivelmente — comecei a olhá-lo com indizível terror, e a
fugir de sua odiosa presença, como dum hálito empestado.
O
que aumentou sem dúvida o meu ódio pelo animal foi a descoberta que fiz, na
manhã seguinte à noite em que eu o levei para casa que, como Plutão, o gato não
tinha um dos olhos.
Esta
circunstância, de resto, apenas fez com que minha mulher gostasse mais dele,
porque, como já disse, ela possuía em alto grau essa ternura de sentimento que
fora o meu traço característico e a contínua origem de meus prazeres mais
simples e mais puros.
Todavia,
a afeição do gato por mim parecia aumentar na razão direta da aversão que por ele
sentia.
Sentia
com uma obstinação que dificilmente faria compreender ao leitor.
Sempre
que me sentava, saltava-me para os joelhos, acariciando-me excessivamente.
Se
me levantava para andar, o gato metia-se por entre as minhas pernas, e quase me
deitava ao chão, ou então, enterrando as unhas compridas afiladas no meu fato,
subia-me pelo corpo até ao peito.
Nesse
momento, ainda que desejasse imenso matá-lo com uma só pancada, impedia-me de o
fazer em parte a recordação do meu primeiro crime, mas principalmente —devo
confessá-lo —o verdadeiro terror que o animal me inspirava.
Esse
terror não era positivamente o terror dum mal físico, e eu, entretanto, não
saberia defini-lo doutra forma.
Quase
me envergonho de confessar —mesmo nesta cela de criminoso –, sim, quase me
envergonho de confessar que o terror e o horror que me inspiravam o gato eram
aumentados por uma das mais completas quimeras que é possível conceber.
Minha
mulher chamara mais duma vez a minha atenção para a natureza da mancha branca
de que falei e constituía a única diferença visível entre este gato e o que eu
matara.
O
leitor lembra-se sem dúvida de eu lhe haver dito que a mancha, apesar de
grande, era primitivamente indefinida na forma; mas lentamente, por graus —por
graus imperceptíveis, e que a minha razão se esforçou duramente muito tempo por
considerar imaginários –, tomara por fim uma rigorosa nitidez de contornos.
A
mancha representava a imagem dum objeto que eu tremo de indicar, e era isso o
que me fazia aborrecer e odiar o animal, e que me teria levado a me livrar
dele, se a tal me atrevesse. Era, disse, uma imagem odiosa —de um sinistro
objeto –, a imagem da Forca! Oh, lúgubre e terrível máquina! Máquina de Horror
e de Crime. De agonia e Morte!
E
dali em diante fiquei sendo tudo o que é possível imaginar-se de mais miserável
na Humanidade.
Um
vil quadrúpede —de que eu facilmente matara um igual — um vil quadrúpede causar
em mim — em mim, homem feito à semelhança do Deus Todo Poderoso —um tão grande
e tão intolerável infortúnio!
Durante
o dia, o gato não me deixava um só momento; e de noite, a cada instante, quando
saía dos meus sonhos de indizível angústia, era para sentir no rosto o tépido
hálito do animal, e o imenso peso —encarnação dum Pesadelo que me era
impossível sacudir —, oprimindo-me eternamente o coração.
Sob
a pressão de semelhantes tormentos, o pouco de bondoso que restava em mim
sucumbiu.
Tornaram-se
frequentes os maus pensamentos: os mais sombrios e os mais terríveis de todos
os pensamentos.
À
habitual tristeza de meu gênio juntou-se o ódio por todas as coisas e por toda
humanidade.
Entretanto,
minha mulher, que nunca se queixava, era o alvo, a mais paciente vítima das
frequentíssimas e indomáveis erupções de fúria que me acometiam cegamente.
Um
dia, por qualquer necessidade doméstica, acompanhou-se à cava da pobre casa em
que a nossa pobreza nos obrigara a viver.
O
gato seguia-me pela escada, e, metendo-se por entre as minhas pernas, por
formas que me ia fazendo cair, exasperou-me até a loucura.
Peguei
no machado e, esquecendo-me, na raiva que de mim se apossou, do pueril temor
que me contivera a mão até então, vibrei ao animal um golpe que seria mortal,
se o tivesse atingido, o que não sucedeu por ter minha mulher me segurado o
braço.
Esta
intervenção exasperou-me diabolicamente: desembaracei o braço da mão com que
ela me segurava e enterrei-lhe o machado na cabeça.
Minha
mulher caiu instantaneamente morta, sem soltar um só gemido.
Cometido
este terrível crime, resolvi, imediatamente e resolutamente, esconder o corpo.
Compreendi
que não podia fazê-lo desaparecer de casa, tanto de dia quanto de noite, sem
correr o perigo de ser observado pelos vizinhos.
Acudiram-me
ao espírito muitos projetos.
Tive
por um momento a ideia de cortar o corpo em bocados que destruiria pelo fogo.
Depois
resolvi abrir uma cova no solo do porão.
Em
seguida, pensei em deitar o corpo no poço do quintal. Depois lembrei-me de o
meter num caixote como quaisquer gêneros, e chamar um homem que o levasse para
fora de casa.
Por
fim, recorri a um expediente que me pareceu o melhor de todos.
Resolvi
emparedar o corpo no porão, como os frades da idade média emparedavam, segundo
se diz, as suas vítimas.
O
porão tinha uma excelente disposição para semelhante desígnio.
As
paredes, mal construídas, tinham sido recentemente rebocadas, impedindo a
umidade que a camada de cal endurecesse.
Além
disso, uma das paredes tinha um ressalto, causado por uma chaminé, que fora
edificada por forma idêntica à das paredes.
Não
duvidei de que me fosse fácil arrancar os tijolos naquele sítio, introduzir ali
o corpo e colocar de novo os ladrilhos cuidadosamente, de sorte que ninguém
pudesse descobrir nada de suspeito.
E
não me enganei no cálculo.
Com
uma alavanca arranquei os tijolos com precaução e, depois de arrumar o corpo à
parede interior, sentei-o nesta posição, até que, sem grande custo, pus tudo no
seu primitivo estado.
Arranjando
com todas as precauções inimagináveis cal e areia, fiz uma pouca argamassa com
que reboquei cuidadosamente a parte da parede que desmanchara.
Quando
acabei, vi com satisfação que a parede não levantaria as menores suspeitas,
visto não apresentar o mais ligeiro indício de ter sido construída de novo.
Transportei
para fora de casa, com o maior cuidado, o entulho, e varri o porão.
Em seguida, comecei a procurar o animal que causara tão grande desgraça porque, por fim, eu resolvera firmemente matá-lo.
Se
eu o encontrasse nesse momento, o seu destino era fatal. Mas parece que o
ardiloso animal, atemorizado pela violência da minha recente cólera, evitava
cuidadosamente aparecer-me enquanto me durasse a fúria.
É
impossível descrever ou de imaginar a profunda, a completa sensação de sossego
que a ausência do animal produziu em todo o meu ser.
Nunca
mais o senti de noite, sendo, portanto, a primeira noite —depois que trouxera o
gato para casa —que dormi, descansada e tranquilamente. Sim, eu dormi, apesar
de ter a doer-me na consciência o assassínio que cometera!
A
segunda e terceira noite passaram sem que o gato aparecesse.
Uma
vez ainda respirei como homem livre. O mostro aterrorizado abandonara de todo a
casa! Eu não o veria mais! A criminalidade da horrorosa ação inquietava-me
pouquíssimo.
Tinham
aberto uma espécie de devassa, que dera resultado. Fora mesmo ordenada uma
busca, mas naturalmente nada tinham podido descobrir.
Considerei
segura a minha felicidade futura.
No
quarto dia depois do assassínio, entraram-me inesperadamente em casa uns
policiais, que procederam a uma nova busca.
Contando,
de certo, com a impenetrabilidade do esconderijo, não senti temor.
Os
policiais fizeram com que eu os acompanhasse nas buscas.
Nem
um só canto da casa deixou de ser explorado.
Por
fim, pela terceira ou quarta vez, desceram ao porão.
Nem
um só músculo se me contraía.
O
meu coração batia regularmente, como dum homem que dorme tranquilamente.
Terminado
tudo isso, olhei em volta e disse comigo mesmo:
—Aqui,
ao menos, não perdi o meu trabalho.
Entrei
no porão, cruzei os braços, e comecei a passar dum lado para o outro com toda
naturalidade.
Os
policiais estavam completamente satisfeitos e preparavam-se para sair.
Senti
no coração um tão forte júbilo que me foi impossível reprimi-lo.
Tinha
a necessidade absoluta de pronunciar uma palavra, pelo menos que significasse
um triunfo, e que robustecesse nos policiais a convicção que tinham da minha
inocência.
—Meus
senhores —disse eu por fim, quando os policiais subiam as escadas –, sinto-me
feliz por lhes ter dissipado as suspeitas. Desejo-lhes a todos uma excelente
saúde, e em tudo nada mais que delicadeza. Esta casa é bem edificada, não
acham, meus senhores? (No desejo, que se apoderou de mim, de dizer qualquer
coisa com ares impertinentes, nem sabia o que dizia.) Pode dizer-se sem medo de
errar que esta casa é admiravelmente bem edificada. Estas paredes — vão-se
embora, meus senhores? —estão solidamente construídas!
E
ao pronunciar estas palavras, por uma frenética petulância, bati uma forte
pancada com uma bengala que tinha na mão, justamente na parte da parede por
detrás da qual estava o cadáver da esposa do meu coração.
Ah,
que ao menos Deus me proteja e me livre do Arquidemônio.
Apenas
o eco da pancada se repercutiu no silêncio da cave, uma voz respondeu por
detrás da parede! Um gemido meio velado e entrecortado, como o vagido de uma
criança, que imediatamente se transformou num grito prolongado, sonoro e
contínuo, completamente anormal e anti-humano —um uivo –, um ganido, misto de
medo e esperança, como se pode ouvir no inferno, som terrível como se saído da
garganta dos condenados às torturas infernais e dos demônios exultados pelas
condenações.
Dizer-lhes
os pensamentos que me atravessaram o cérebro seria loucura.
Senti-me
desfalecer, encostei-me à parede fronteira.
Durante
um momento, os policiais conservaram-se imóveis sobre os degraus da escada,
assombrados de horror.
Um
instante depois, uma dúzia de braços robustos puxavam encarniçadamente pela
parte da parede da chaminé que dias antes eu rebocara de novo.
A
parede caiu, por fim completamente, por uma só vez.
O
cadáver, já bastante putrefato, e coberto de sangue coalhado, apareceu direto
aos olhos dos policiais.
Sobre
a cabeça do corpo, com a cabeça aberta e um único olho chamejante, estava o
hediondo animal que me fizera praticar o assassínio, e cuja voz reveladora me
entregava ao carrasco!
Eu
emparedara o gato conjuntamente com o cadáver de minha mulher!
Conto publicado
originalmente no Diário do Maranhão entre os dias 1ª e 5 de maio de 1890.
Nossa professora como tem pessoas que são tão frias matam e não sem nem remorso ,fico abismada
ResponderExcluirÉ mesmo
Excluircalma é apenas um conto
ExcluirCarrrrrrrrrraca
ResponderExcluirMuito bom
Excluirta marrado kskss
ResponderExcluirjá amarrei
Excluirnão entendi, o cara morreu ou não ?
ResponderExcluirEle foi preso
ExcluirE vai ser executado
ExcluirVai??? como assim...os fatos foram reais?
ExcluirN, ele vai ser executado dentro da história
Excluirmuito bom
ResponderExcluiresse é um dos contos do Edgar que eu mais gosto.
ResponderExcluirInteressante
ResponderExcluirele esta preso, vai morrer no outro dia e deixou essa "carta" explicando pq foi condenado
ResponderExcluirMeu deus pesado mas gostei
ResponderExcluireu estou chocada com a frieza desse cara
ResponderExcluirCara... Gostei muito, amo minha professora de português
ResponderExcluirMano como esse cara é loco e perigosso tomara que ninguém veja ele nunca
ResponderExcluirnao entendi pelo momento que a mulher dele, parece voltar a vida, mas o conto e muito bom.
ResponderExcluirnooossa amei!!!! só achei que deveria ter mais cenas de fornicação e peripécias
ResponderExcluirodiei ele maltratar os bichinhos, esse podre
ResponderExcluirNão sei se gosto deste conto por conta dele maltratar os animais.
ResponderExcluirnao gostei pq gato preto e gato de macumba,e sou muito religioso
ResponderExcluirjoia dms
ResponderExcluira cara to lendo isso so para um trabalho de escola queria mesmo é ler one piece
ResponderExcluirReal
Excluircara tinha q se matar n o gato
ResponderExcluirodiei matou a mulher,e maltratou os animais
ResponderExcluirTraumatizante
ResponderExcluirFiquei traumatizada
ResponderExcluirTraumatizei, esse homem e encapetado , meu Deus , não sei se durmo hoje , recomendado para quem gosta de psicopatas , OBG prof de português <3
ResponderExcluirDeveras good o conto
ResponderExcluirEu gostei muito dessa história
ResponderExcluirComo foi seu dia hoje? Leitor. Não precisa de conta para comentar; não é necessário mais que segundos para essa pergunta de uma pessoa preocupada.
ResponderExcluirQual e o nome do narrador?
ResponderExcluirNão há.
ExcluirÉ um conto de mistério
ResponderExcluirCara idiota, ainda bem que se ferrou.
ResponderExcluirShow
ResponderExcluir