O DESTINO DE MELANCHTON - Narrativa Clássica Sobrenattural - Emanuel Swedenborg
O
DESTINO DE MELANCHTON
Emanuel
Swedenborg
(1688
- 1772)
Tradução
indireta de Paulo Soriano
Astrônomo, físico, químico, matemático, biólogo, geólogo,
mineralogista, psicólogo, engenheiro, inventor, filósofo, teólogo e espiritualista
sueco, Emanuel Swedenborg (1888 – 1773) deixou contribuições em quase
todos os ramos de conhecimento de sua época. Todavia, aos 55 anos, o genial
polímata passou a acreditar que Deus lhe havia aparecido, incumbindo-lhe da
missão de revelar o verdadeiro sentido das escrituras. Acreditava, também, que os anjos lhe falavam e lhe faziam revelações
sobre o mundo espiritual. Conclui-se, portanto, que Swedenborg estava convencido
de que a narrativa, abaixo publicada, retratava realmente o destino post
mortem do reformador protestante Philipp Melanchton.
Os
anjos me disseram que, quando Melanchthon[1]
morreu, foi-lhe dada uma casa no outro mundo que era enganosamente semelhante à
que ele tivera na terra. (Com quase todos os recém-chegados à eternidade sucede
a mesma coisa e estes, portanto, acreditam que não morreram). Os objetos
domésticos eram iguais: a mesa, a secretária com as suas gavetas, a biblioteca.
Assim que Melanchton despertou naquela casa, retomou a sua obra literária como
se não fosse um defunto e escreveu durante alguns dias sobre a justificação
pela fé. Como era seu costume, ele não disse uma palavra sobre caridade. Os
anjos notaram esta omissão e enviaram pessoas para o interroga-lo. Melanchthon
disse-lhes:
—
Demonstrei irrefutavelmente que a alma pode passar sem caridade e que a fé é
suficiente para entrar no céu.
Disse
estas coisas com soberba, mas não sabia que já estava morto e que o seu lugar
não era no céu.
Quando
os anjos ouviram este discurso, deixaram-no. Algumas semanas depois, o
mobiliário começou a desvanecer-se em invisibilidade, exceto a poltrona, a
mesa, as folhas de papel e o tinteiro. Além disso, as paredes da sala ficaram
incrustradas de cal e o piso machado com verniz amarelo. As suas roupas, agora,
eram muito mais grosseiras. Ele continuou, todavia, a escrever. Mas, como
persistia em negar a caridade, transferiram-no para um escritório subterrâneo,
onde havia outros teólogos como ele. Tendo ali permanecido alguns dias, caiu em
dúvida sobre a sua doutrina e, assim, lhe foi permitido regressar ao antigo quarto.
As suas roupas eram de couro não curtido, mas Melanchthon tentou convencer-se
de que isto era fruto de uma mera alucinação e continuou a elevar a fé e a depreciar
a caridade.
Certa
noite, sentiu frio. Andando pela casa, descobriu que os outros cômodos já não
correspondiam aos do seu quarto na terra. Alguns deles continham instrumentos
desconhecidos; outros tinham ficado tão pequenos que era impossível neles
penetrar; outros não tinham mudado, mas as suas janelas e portas davam para
fora, e delas se vislumbravam grandes
dunas. A sala ao fundo estava cheia de pessoas que o adoravam e que lhe diziam
que nenhum teólogo era tão sábio como ele. Esta adoração foi de seu agrado. No entanto,
como algumas destas pessoas não tinham rosto e algumas outras pareciam mortas,
acabou por odiá-las e deitar-lhes desconfiança. Por isso, decidiu escrever um
elogio à caridade, mas as páginas escritas num dia apareciam apagadas no
seguinte. Isto lhe aconteceu porque compunha o seu tratado sem convicção.
Melanchthon
recebeu muitas visitas de pessoas que haviam acabado de morrer, mas tinha
vergonha de mostrar-se em tão sórdida acomodação. Para fazê-los acreditar estava
no céu, e em ajuste com um feiticeiro que estava entre as entidades da sala do
fundo, ele enganava-os com simulações de esplendor e serenidade. Assim que os
visitantes partiam — e mesmo um pouco antes —, a pobreza e a cal reapareciam.
As
últimas notícias de Melanchthon dizem que o feiticeiro e um dos homens sem
rosto o levaram para as dunas e que agora ele é uma espécie de servo dos demônios.
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