O VAMPIRO - Conto Clássico de Terror - Anônimo do século XIX
O
VAMPIRO
Anônimo
do século XIX
Há
duzentos anos, numa aldeia da Boêmia, existia uma bela jovem pertencente a uma
família de um lavrador. De nome Maria, tinha um bom coração. Amava os pais, aos
quais, desde a tenra infância, tratava de ser útil, encarregando-se
voluntariamente de várias atividades domésticas. Por este motivo, também era
estimada da sua família e da gente do povoado. As mães a citavam como um
exemplo de amor filial, e de um procedimento digno de toda a consideração.
Maria
tinha 18 anos quando chegou à sua aldeia um estrangeiro jovem e de boa
presença, parecendo ser de alguma cidade, em razão do seu vestuário; pois,
ainda que simples, era elegante, e as suas maneiras afáveis e corteses diferiam
muito das que se usavam na aldeia. Maria, sagaz como era, não deixou de notar
esta diferença e, desde esse momento, uma sorte funesta pareceu adejar sobre o
seu destino.
O
estrangeiro estabeleceu sua morada junto à casa dos pais de Maria, e, desta
maneira, muitas vezes a encontrava. Não deixava de olhar para ela de uma
maneira singular e tão estranha que fez cismar a pobre moça. Maria nunca tinha
sentido, da parte dos moços da aldeia, quando para ela olhavam, a influência ou
atração que sobre ela exercia o jovem estrangeiro, o que lhe deu, depois,
desejos de chorar e, algumas vezes, de rir, sem saber por quê, sofrendo fortes
palpitações do coração.
Passado
algum, tempo, Hantz (era este o nome do estrangeiro) se animou a falar com a
linda jovem e, desde então, ela não podia dormir. E se, devido ao cansaço,
fechava os olhos, terríveis sonhos vinham agitar-lhe o sono. Era sempre o
estrangeiro quem neles figurava, mas de uma maneira bem diferente: às vezes
aparecia-lhe como um anjo do céu enviado para lhe oferecer a felicidade; outras
vezes, como um demônio do inferno, que subia à terra expressamente para
causar-lhe a perdição e levá-la consigo para as penas eternas. Então, a infeliz
Maria lutava com esta horrível visão. Acordava sobressaltada, pálida e inundada
de suor glacial; depois, era atacada de febre que lentamente lhe fazia desbotar
as faces e os lábios, seguindo-se profunda tristeza que a consumia, ao mesmo
tempo que angústias mortais lhe devoravam o coração. Enfim, Maria, pálida,
magra e triste, já não parecia a mesma. Pobre moça!
Por
muito tempo, ela lutou contra o seu destino. Encomendou novenas, rezou, invocou
os santos, jejuou semanas inteiras. Nada disto, porém, lhe valeu, e a infeliz
julgou que o céu a tinha abandonado e caiu em desespero.
Certa
tarde, ao cair do sol, ela vinha sozinha da vila próxima. Andava depressa para
que a escuridão a não apanhasse no caminho, visto que uma nesga de lua já
nascia por sobre os morros distantes. Porém, lançando a vista para um pinheiral
próximo do caminho, pareceu-lhe que um enorme fantasma lhe seguia os passos. Vislumbrou
um misterioso espectro, que olhava para ela com olhos em chamas. Cheia de
pavor, pôs-se a examinar, trêmula, aquela entidade fantástica. Procurando
distinguir na escuridão aqueles contornos confusos, conseguiu ver bem
distintamente que tinha dois chifres na cabeça, a língua vermelha e comprida,
garras nas pontas dos dedos e os pés fendidos. Assustada, continuou a andar
aceleradamente, conservando na imaginação a desmedida e horrenda figura que lhe
aparecera.
De
repente, ouviu uma voz suave que a chamava, e voltando-se, viu Hantz junto a
si.
Ele
disse, então:
—Maria,
não te assustes! Não sabes que eu te amo, e que só desejo te ver feliz?
Neste
momento, a lua cheia flutuava sobre o cume da montanha vizinha e, com a sua luz, a infeliz Maria já não via o horrendo fantasma que lhe parecera
ter língua vermelha, grandes orelhas e garras.
A
sorte já pesava sobre o seu destino. Perdeu o juízo e respondeu:
—
Hantz, eu não estou com medo, e eu creio....
Hesitou,
e nada mais pôde dizer.
Hantz,
contudo, percebeu a sua perturbação e disse-lhe:
—
Maria, eu bem sei que tu me amas, e deves ficar certa que, pelo céu ou pelo
inferno, seremos felizes.
A
estas palavras, a jovem estremeceu, e continuou a caminhar para sua casa
acompanhada pelo estrangeiro, que. três dias depois, a pediu em casamento.
Seus
pais, sabendo que Maria estava disposta a casar-se com aquele moço, cujo comportamento
era exemplar, consentiram, e dali a 25 dias, a pedido do noivo, foi o casamento
celebrado exatamente quando era lua cheia.
Maria,
depois do casamento, parecia muito satisfeita. Todavia, ainda vivia incomodada,
porque começou a ter sonhos horrorosos pela preocupação que tinha, motivada
pela blasfêmia de Hantz, e por ele ter retardado o seu casamento até o dia da
lua cheia. Isto lhe causava preocupações.
De
repente, Hantz ficou triste, uma palidez mortal lhe cobriu o rosto e perdeu
inteiramente as forças. Não quis consultar um médico, e quando a pobre moça lhe
perguntava, chorando, qual era a sua doença, a resposta era um sorriso. Enfim,
depois de constante padecimento, antes da lua cheia, Hantz morreu.
A
sua morte foi muito sentida pelos parentes de Maria que, pela sua parte, ficou
inconsolável por espaço de três dias, findos os quais, com admiração de todos,
ela pareceu quase aliviada das suas penas.
Tinham
já passado três ou quatro meses sem que Maria desse sinal algum de padecimento.
Empregava-se no serviço da casa, seguindo a sua marcha antiga, exceto, porém,
em ir à missa e em rezar, o que seus pais muito estranhavam. Nunca lhe ouviram
falar em Hantz, e isto provava que ela já o havia esquecido. Mas, quando mal esperavam,
ela começou a emagrecer e a tornar-se pálida a ponto de a considerarem tísica,
visto que não apresentava sintoma de outra moléstia.
Sua
mãe observou, ou pelo menos assim lhe parecia, que ela, ao levantar-se da cama,
estava mais débil e mais abatida do que de tarde, principalmente no tempo da
lua cheia. Incitada pelos cuidados de mãe, fez um pequeno buraco na porta do
quarto de Maria, a fim de se convencer pelos seus olhos e ouvidos se a sua
filha querida rezava de noite, ou, enfim, qual era o motivo do seu padecimento.
Durante as primeiras noites em que espiou pelo buraco da porta, não observou coisa
alguma extraordinária, e já as suas desconfianças se haviam desvanecido quando,
uma noite...
Seriam
onze horas e três quartos. Maria já se tinha deitado e a lua, saindo de uma
nuvem, lançava os seus argênteos raios que, passando pela janela aberta, iluminavam
o quarto. Então a mãe ouviu um gemido, depois uma voz débil, que dizia, sem
dúvida sonhando:
—
Oh, Hantz! Oh, meu amigo! Eu sou a tua esposa querida. Eu te amo.... Oh, sim! Eu
te amo.... E, não obstante, me parece que as tuas caricias me fazem gelar o
coração e me matam....
Depois,
ela deu um doloroso e longo suspiro, e a mãe nada mais ouviu. Então olhou pelo
buraco da porta e viu....
Qual
não foi o terror que invadiu a sua alma! Esfregou os olhos, beliscou os braços
para se capacitar de que não sonhava, e viu.... um vampiro!
Ela
logo o reconheceu: era Hantz. Não aquele Hantz pálido, magro e descarnado pela enfermidade
como estava no dia em que morreu, mas um Hantz robusto, fresco e vermelho como
o tinha visto no tempo da sua perfeita saúde. Aquele espectro era Hantz, morto
e enterrado no cemitério da aldeia havia mais de três meses....
Ela
viu o cadáver redivivo em pé, junto à cama da sua filha e debruçado sobre ela, aplicando-lhe
os lábios ao pescoço. Viu uma gota de sangue sobre o pescoço de Maria, que
corria dos lábios trêmulos do espectro.
A
pobre mulher, vendo isto, deu um grito espantoso e caiu desmaiada. Ao estrondo
da queda, o pai de Maria, e toda a gente da casa acudiram. Levantaram a infeliz
mãe, arrombarão a porta do quarto e nele só acharão o inanimado corpo de Maria!
Chamou-se
o médico imediatamente. Este, porém, depois de fazer o necessário exame,
declarou que não havia meio algum de lhe restituir a vida, porque não tinha uma
só gota de sangue no corpo. E, por duas nódoas roxas que se avistavam no
pescoço, iguais às que deixam as sanguessugas, conheceu-se a verdade do médico.
A
mãe da infeliz Maria recuperou a consciência, mas, como contava o que tinha
visto pelo buraco da porta, todos julgavam que estava louca.
Muitos
dias depois deste acontecimento, a linda Joanna, vizinha e amiga dos parentes
de Maria, foi atacada da melancolia em tudo igual à de que padecia a sua
camarada. Tratou-se de espiar da mesma maneira por um buraco que se fez na
porta, e viu-se o fantasma de Hantz a chupar-lhe, também, o sangue das artérias
do pescoço, como asseverara a mãe de Maria.
O
padre foi imediatamente chamado, e Joanna lhe confessou que, havia algum tempo,
o espectro a visitava todas as noites, principalmente pela lua cheia, mas que
nenhum mal lhe fazia. Contudo, como no pescoço já se divisassem duas nódoas
roxas, o padre lhe rezou os exorcismos. Mas de nada valerão essas orações da Igreja:
Joanna morreu poucos dias depois, sem lhe ficar no corpo uma só gota de sangue.
Igual fim tiveram mais cinco moças do
vilarejo. Então o povo, amotinando-se, tomou o expediente de desenterrar o
corpo de Hantz, a fim de ver se poderia cessar tão horroroso mal. Todavia, como
a exumação realizou-se durante a lua cheia, achou-se a sepultura vazia.
Um
doutor tanto pensou, tantos tratos deu ao juízo, que descobriu que os vampiros somente
tinham o poder infernal de sair das suas covas durante a lua cheia. Conseguintemente,
esperaram pelo minguante, cuja chegada se esperou com impaciência. E quando a
lua apresentou uma diminuta parte do seu disco, correrão então a abrir a
sepultura, e nele acharão o tal facínora que sossegadamente dormia com o
sorriso nos lábios e com todas as aparências da melhor saúde. Atravessaram-lhe
o ventre com uma estaca com tão boa vontade que nunca mais se levantou. Foi
queimado e as cinzas lançadas ao vento. Este exemplo intimidou, sem dúvida, os
outros vampiros daquelas terras, porque nunca mais se ouviu falar em semelhante
flagelo.
Fontes: “Novo Correio
das Modas”, 1854 e, em menor grau, “Archivo Popular”, 6 de agosto de 1842. O
texto, cujo excerto reproduzimos, é uma das primeiras narrativas sobre vampiros
em língua portuguesa, embora, provavelmente, se trate de uma tradução.
Fizeram-se adaptações textuais.
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