A CRUEL MISERICÓRDIA DA CONDESSA DE ARTOIS - Narrativa Verídica - Anônimo do séc. XIX
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A
CRUEL MISERICÓRDIA DA CONDESSA DE ARTOIS
Anônimo
do séc. XIX
A
seguinte característica é atribuída a uma princesa de Mahaut, Condessa de
Artois e Borgonha, que morreu por volta de 1330, e que cuidava constantemente
dos pobres e mendigos com ativa solicitude: dotada de uma profunda
sensibilidade, ela não podia ver o sofrimento de uma pobre alma infeliz sem
tentar socorrê-la.
Várias
vezes comprometeu a sua fortuna e endividou-se para distribuir esmolas aos
pobres que, de toda a França, vinham compartilhar de seus donativos. E, seguindo
o exemplo do bom rei Roberto, era sempre seguida por seiscentos ou setecentos
mendigos que alimentava e vestia, e que a acompanhava em todas as suas viagens.
Ora,
segundo o historiador Gellut, que nos preservou estes detalhes, "a Deus aprouve
enviar uma mui amarga fome na Borgonha, de sorte que se ouviam, nas ruas
indigentes das planícies, lamentos miseráveis, e crianças pequenas gritavam: ‘estou
morrendo de fome!’.
“O
inverno era muito rigoroso, e o frio
matava a pobre gente tanto quanto a dizimava a carência de alimentos. É fácil
ver o quão aumentou a procissão que seguia a Princesa de Mahaut. Mais de mil
mendigos acompanharam-na, naquele ano, até a vila de Châtellenut, em Artois,
onde, de bom grado, a condessa se instalou. E lá, generosamente, supriu todas as
necessidades daquela gente.
“Mas
quando todos os seus recursos se esgotaram; quando se viu a ponto de ficar sem
pão; quando não restava uma única moeda de ouro em sua bolsa e nem uma joia em
seus cofres, decidiu, depois de derramar lágrimas abundantes, a não abandonar
tantas pessoas infelizes ao triste destino que as esperava em tempos de uma tão
grande e estranha fome.
“Certa
noite, mandou encerrar toda aquela gente num dos seus celeiros, e fechou
cuidadosamente as portas. Quando julgou que todos dormiam profundamente,
ordenou que ateassem fogo no celeiro. Assim foi feito e ninguém pôde escapar às
chamas”.
O
historiador, depois de narrar estes fatos, que de resto não pareciam
surpreendê-lo, limita-se a dizer: "Ó pena cruel e doçura amarga, que traz
consigo a mais bárbara crueldade que se pode encontrar! Ó misericórdia desmisericordiosa!”
Ele só não diz se a Princesa de Mahaut tinha
uma clientela tão grande no ano seguinte.
Tradução de Paulo
Soriano
Fonte: “Magasin
Pittoresque”, 1833, n. 2.
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