OS GRITOS DA NOITE DE SÃO BARTOLOMEU - Narrativa Clássica Sobrenatural - Christophe Juvénal des Ursins



OS GRITOS DA NOITE DE SÃO BARTOLOMEU
Christophe Juvénal des Ursins[1]
Tradução de Paulo Soriano

Em 31 de agosto de 1572, oito dias após o massacre de São Bartolomeu, eu havia jantado na casa da Madame de Fiesque, no Louvre[2]. Fizera muito calor o dia todo. Fomos sentar-nos sob a pequena treliça à beira do rio para respirar o ar fresco. De repente, ouvimos, no ar, um barulho horrível de vozes tumultuosas e  gemidos, aos quais se misturavam gritos de raiva e fúria. Ficamos imóveis, tomados de pavor, olhando-nos de vez em quando, mas sem coragem de  falar. O ruído durou, creio eu, quase meia hora. É certo que o rei Carlos IX o escutou, ficou apavorado e não dormiu durante o resto da noite. Embora nada tenha comentado no dia seguinte, notamos que o rei tinha uma expressão sombria, pensativa, alucinada.

Se algum prodígio não deve encontrar incrédulos, este é um deles, porquanto atestado por Henrique IV[3]. Aubigné, no Liv. I, cap. 6, p. 561, disse  que esse príncipe contara várias vezes, entre os seus mais familiares e íntimos cortesãos — e tenho várias testemunhas, ainda vivas, que eram sempre arrebatadas pelo pavor quando narravam o incidente —, que, oito dias após o massacre de São Bartolomeu, uma grande quantidade de corvos veio empoleirar-se e crocitar no pavilhão do Louvre; que, na mesma noite, Carlos IX, duas horas depois de ter-se deitado, saltou da sua cama, acordou os que estavam no seu quarto e mandou que investigassem o que sucedia,  pois ouvia propagar-se no ar um grande barulho de vozes  a gemer, em tudo semelhantes às que se ouviam na noite do massacre; que todos estes diferentes gritos eram tão chocantes, tão marcantes e tão claramente articulados que Carlos IX, acreditando que os inimigos dos Montmorency e de seus partidários haviam-no surpreendido com um ataque, enviou um destacamento de sua guarda para evitar um novo massacre; que estes guardas informaram que Paris estava tranquila e que todo aquele barulho que se ouvia estava apenas no ar.

Imagem: Édouard Debat-Ponsan (1847 – 1913).




[1]Christophe Juvénal des Ursins (? -  1588),  Marquês de Trainel, tenente-general de Paris na época do Massacre de São Bartolomeu, conflito religioso que  resultou na morte de dezena de milhares de protestantes franceses.
[2] O Palácio do Louvre, que atualmente acolhe o famoso museu, era, à época,  a residência oficial de Carlos IX (1550 – 1574)  e de sua mãe, a poderosa Catarina de Médici (1519 – 1589).
[3] Henrique IV (1553 – 1610), primo de Carlos IX, foi rei da França entre 1589 e 1610 e primeiro monarca francês da Casa de Bourbon.

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