A LÁPIDE DE GROENE VLAKTE - Conto de Terror - Mario Terrabatava



A LÁPIDE DE GROENE VLAKTE

Mario Terrabatava

 

Desde o fim da Segunda Guerra, não há inumações em Groene Vlakte.

 

Groene Vlakte é o mais triste, o mais desolado, o mais angustiante cemitério que se pode imaginar.

 

É sempre silencioso, sempre sombrio, sempre aflitivo.

 

Todos os que atravessam o seu portão de ferro vergam-se, de imediato, ao peso de uma atmosfera opressora, que lhes impõe um silêncio compulsório e aterrador. Sente-se uma necessidade premente de imprimir gravidade nos passos e comedimento nos gestos, porque os carvalhos seculares projetam eternamente as suas deprimentes sombras cansadas sobre as alamedas estreitas por onde se tem de passar.

 

 Junto aos altos muros de pedra musguenta, como guardiões circunspectos, perfilam-se os sinistros ciprestes. E as lápides de ângulos recurvos, encimadas por cruzes de ferro, inclinam-se solenemente umas para as outras, talvez murmurando entre si segredos deletérios.

 

Há, naquele taciturno cemitério, que visito uma vez por ano, uma lápide que sempre me fascinou. É uma pedra de mármore negro. Nada existe, na aparência daquela pedra tumular, que a faça distinguir-se das demais. O que a singulariza não é algo que se lhe acrescenta, mas o que lhe falta. Contrariando a eloquência das demais, não há, na antiga laje sepulcral, qualquer epitáfio, qualquer inscrição elogiosa ou piedosa.

 

Mas por quê? Eu sempre me perguntava. Um passado vergonhoso? Ignomínia? Ou, na melhor das hipóteses, porque a dona do túmulo, em sua modéstia, assim o quisera? Mas uma jovem de 19 anos pensaria em tal coisa? Tomaria tal cuidado? Cornelia van de Kijzer era-me um fascinante mistério.

 

No túmulo à direta jazia uma mãe amorosa; na cova à esquerda, um pai inesquecível. Aqui, porém, restava apenas o silêncio que se espraiava na superfície negra do mármore brunido, tão diáfano que refletia fielmente a minha imagem. Quem teria sido Cornelia van de Kijzer, nascida em 28 de agosto de 1920 e falecida em 22 de julho de 1940? Por que lhe recusaram um simples epitáfio?

 

A lápide nada me dizia.

 

No verão de 1952, viajei a Groene Vlakte para depositar flores sobre a sepultura de meu filho Harmen, morto pelos alemães há doze anos. Grone Vlakte fica a 50 km de minha casa, mas eu sempre relutei em exumar os seus restos mortais e transportá-los para o cemitério católico romano de Amersfoort. Que o meu garoto permanecesse em paz onde morrera. Para sempre. Jamais o uniria à minha amada Magaretha.

 

Concluída a minha breve e sincera oração, vi que não mais estava sozinho em Grone Vlakte. Alguém — uma jovem mulher — entrara sem que eu percebesse e se ajoelhara diante da lápide de Cornelia van de Kijzer.

 

Em sete anos, era a primeira vez que via alguém, além de mim mesmo, interessar-se por aquele silencioso sepulcro.

 

Surpreso, voltei-me para a mulher. Estaria nela a resposta às minhas indagações?

 

Já anoitecia e a imagem da jovem mulher era apenas uma silhueta que se esfumava nas sombras sempre enigmáticas do crepúsculo.

 

Coberta por um véu escuro, matinha a cabeça baixa e os olhos fitos no mármore negro. Chorava convulsivamente, embora não emitisse um ruído sequer. Certamente estava grávida e as suas mãos trêmulas seguravam nervosamente, sobre o ventre crescido, um crucifixo de ébano.

 

Não pude deixar de me aproximar da mulher. Eu mal distinguia as suas feições. Notava-lhe, apenas, os olhos pretos e profundos, retintos como as asas de um corvo.

 

Quando me ajoelhei ao seu lado, a mulher voltou os olhos aflitos para mim. Parecia assustada com a minha súbita presença e aparição. De alguma forma, sob a sombra crepuscular do carvalho, as suas lágrimas singularmente reluziam.

 

— Minha jovem — disse-lhe —, por quem choras? Por tua mãe? Cornelia van de Kijzer era a tua mãe?

 

Seguiu-se um longo silêncio. Uma brisa quente agitou o seu estranho véu. Quando as sombras se adensaram, ela respondeu:

 

— Por quem choro? Choro por mim mesma.

 

Foi então que eu soube de tudo.

 

Porque, tendo dito aquelas palavras, a jovem rodopiou e deixou-se cair sobre a laje do sepulcro, como se sucumbisse a um súbito desmaio. Então, estirada sobre o túmulo — com os braços abertos, e as mãos voltadas para cima —, aquela enigmática silhueta esvaneceu lentamente, nela consumindo-se primeiro o corpo, depois o manto e finalmente as vestes.

 

O hábito de freira, desfeito em tiras negras e vaporosas, pareceu-me a última réstia a deslizar para as profundezas do túmulo de onde emergira o espectro da jovem mulher.

 

Mas, antes que o hábito desaparecesse completamente, pude ver que ainda pairava sobre o túmulo, cintilante, o crucifixo de ébano. Neste, havia um nome apaixonadamente inscrito.

 

Era o nome do meu filho Harmen.

 


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