O FANTASMA DO MAJOR SYDENHAM - Narrativa Clássica de Terror - Joseph Glanvill



O FANTASMA DO MAJOR SYDENHAM

Joseph Glanvill

(1636-1680)

 

No tocante à aparição do fantasma do major George Sydenham (que morreu em Dulverton, no Condado de Somerset) ao capitão William Dyke (falecido em Skilgate, no mesmo condado), contentem-se em saber do acontecimento tal como o obtive do culto e fidedigno Dr. Thomas Dyke, um parente próximo do capitão, desta forma:

Pouco depois da morte do major, o médico foi à sua casa para atender uma criança que estava doente e, no caminho, convidou o capitão, que estava ansioso por ir ao local, já que deveria, segundo disse, visitá-la naquela noite, apesar de não ter tido anteriormente o encorajamento necessário. Lá chegando, foram prontamente levados aos seus aposentos, no mesmo dormitório, conforme preferiram. Passado algum tempo, o capitão bateu à porta e pediu ao criado que lhe trouxesse duas das maiores velas que pudesse conseguir.

O doutor perguntou-lhe o que significava aquilo. E o capitão respondeu-lhe:

—Sabes que eu tive, com o major, uma discussão sobre a natureza de Deus e a imortalidade da alma, um ponto sobre o qual nunca pudemos concordar, por mais que quiséssemos. Até que, finalmente, chegamos a um acordo: o primeiro de nós a morrer deveria regressar na terceira noite seguinte ao seu funeral, entre a meia-noite e  uma hora, à casinha do jardim, e fornecer um relato completo ao sobrevivente acerca desses assuntos. O outro deveria certificar-se de estar presente no lugar indicado e no momento oportuno, de maneira que ambos ficassem satisfeitos. E esta — disse o capitão — é a noite indicada, e eu vim com o propósito de cumprir a minha promessa.

O médico dissuadiu-o, então, chamando a sua atenção para os perigos de continuar com essas estranhas sugestões. O capitão agradeceu a sua boa vontade, acrescendo que, se desejasse, podia continuar descansando, mas que, por sua parte, havia decidido esperar e vigiar para que estivesse presente à hora marcada; a tanto,  sincronizou o seu relógio. Assim que viu que eram onze e meia, levantou-se e tomou os castiçais, um em cada mão, e saiu por uma porta traseira, da qual previamente se munira com a chave, e caminhou até a casinha do jardim, onde permaneceu durante as duas horas e meia seguintes. Ao seu regresso, declarou que não tinha visto e ouvido nada mais que o habitual. Contudo, dissera estar ciente de que, se pudesse, o major teria certamente vindo.

Cerca de seis semanas mais tarde, o capitão seguiu a Eaton para levar o filho à escola. O médico acompanhou-o. Ficaram numa pousada, chamada “O Sinal”, e lá permaneceram por duas ou três noites, desta vez dormindo cada um no seu próprio quarto. Na manhã anterior à sua partida, o capitão conservou-se no seu quarto por mais tempo que o habitual. Finalmente, o doutor entrou no quarto e viu que o semblante e aspecto do amigo haviam-se transformado: tinha os cabelos eriçados, os olhos arregalados e o seu corpo tremia completamente. O doutor perguntou-lhe o que lhe passava; o Capitão respondeu:

—Vi o major.

Como o doutor parecia sorrir, o Capitão confirmou imediatamente o que dissera, relatando-lhe fidedignamente o que ocorreu:

— Quando amanheceu, alguém apareceu ao lado da minha cama e, de repente, puxou as cortinas, chamando-me 'Cap, Cap', que é o termo que o major familiarmente usava para me chamar. Respondi quase a dormir: ‘És tu, major?", e, em resposta, ele disse: ‘Não pude vir no prazo estipulado, mas aqui estou para te dizer que existe um Deus, e Ele é muito justo e terrível. Se não principiares uma nova vida  (a sua expressão aqui foi prontamente recordada pelo doutor), irás encontrá-lo em sua ira.

O capitão prosseguiu:

— Sobre a mesa havia uma espada, que o Major me tinha dado há muito tempo. A aparição, depois de dar um par de voltas pelo quarto, tomou a espada e a desembainhou, achando-a menos brilhante e limpa do que quando a possuía. ‘Cap, Cap’, disse-me, ‘esta espada não costumava ficar assim quando eu a usava’. Depois destas palavras, ele desapareceu subitamente.

O capitão não somente foi persuadido pelo que tinha visto e ouvido, como também foi afetado por isso. O seu humor, antes jovial e enérgico, alterou-se estranhamente, de tal forma que, no jantar, mal provou da comida.

Tempos depois, observou-se que aquilo que o capitão tinha visto e ouvido teve uma influência duradoura sobre ele, e isso foi notado pelos que tiveram um detalhado conhecimento desta conversa, e a memória deste fato permaneceu sempre perto dele, de maneira que as palavras do seu amigo morto frequentemente ressoaram em seus ouvidos para o resto da sua vida, que foi de cerca de dois anos.

 

Tradução indireta de Paulo Soriano


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