A MORTE ESTÁ À ESPREITA - Conto de Terror - Suelen Marinho
A MORTE ESTÁ À ESPREITA
Suelen Marinho
Tudo
ia bem. Finalmente as coisas estavam saindo como eu queria. Todas as noites eu
voltava do trabalho, ia para casa, comia alguma coisa, tomava um banho
revigorante e ia para cama dormir o sono dos justos. Mas, foi numa dessas
noites que meu calvário começou.
Eu
estava voltando para casa e passei em frente ao cemitério da cidade. Ao lado
dele havia uma sala onde funcionava o velório municipal. Já tinha passado por
ele diversas noites seguidas, mas justamente naquela senti uma vontade violenta
de entrar. Parecia que algo me chamava. Entrei na sala onde acontecia um
velório. Ninguém parecia ter notado a minha presença. Sentei-me na última
cadeira, perto da porta, esperando por algo que não fazia ideia do que seria.
Alguns minutos se passaram. Ouvir os lamentos, choros e gemidos das pessoas
estava começando a me afetar. Tomei a decisão de sair de lá, mas, neste
momento, notei que alguém me olhava. Era um homem. Olhava-me insistentemente.
Senti um arrepio. Um medo terrível invadiu-me. Aquele olhar...
Saí
o mais depressa possível, quase caindo dos degraus. Dei uma última olhada para
trás. Ele estava na calçada. Continuava a olhar para mim, com um fato novo:
agora apontava-me o dedo.
Acordei
no dia seguinte tentando lembrar do que aconteceu na noite passada. Estava tudo
um tanto nebuloso na minha cabeça. Não lembrava do que tinha se passado desde a
minha saída do hospital. Achei bastante estranho o fato. Durante todo o dia
tentei lembrar-me do ocorrido, o que acabou causando em mim um sentimento de
raiva e inquietação. Sentir-me vulnerável era a pior coisa do mundo.
Infelizmente eu iria descobrir que existem coisas piores, infernos
infinitamente cruéis.
Decidi
sair à tarde. Dar umas voltas pelas redondezas. Passei em frente ao cemitério,
e então comecei a me lembrar. Eu tinha estado ontem lá, disso eu tinha certeza.
Certeza absoluta. Mas por que estar ali me incomodava? O que teria havido na
noite passada ? Por que esta sensação de angústia, de querer sair de lá
correndo?
Por
pura curiosidade, talvez um tanto mórbida, decidi entrar. Ia acontecer um
enterro naquele momento. Decidi seguir a multidão. As pessoas choravam
desconsoladamente. Era o enterro de uma criança. Senti pena por eles. Há algo
que entristece o coração quando se vê crianças mortas. Acaba-se perdendo um
pouco das poucas esperanças que ainda restam.
Fiquei
até o fim. Não sei o porquê, mas era como uma obrigação. As pessoas se
distanciavam, com seus corações partidos, e eu continuava lá, de pé, olhos
focados na coroa de flores. Aquele cheiro estava começando a me incomodar,
então, decidi ir embora. Andava devagar até a saída, olhando as outras lápides,
quando percebi um vulto a minha direita. Era ele! Agora eu lembrava claramente
da noite passada. Lembrava com muita nitidez.
Ele começou a vir em minha direção. Parecia que ele levitava, tal a leveza de seus passos. Apesar do meu medo, fiquei e o esperei. Aquilo deveria terminar ali. Ele chegou. Ficou a poucos metros de distância. Apontou-me o dedo e disse:
— Em breve.
E
foi embora, tão leve quanto veio. E eu fiquei ali, parada, pensando nas suas
palavras. O que ele queria dizer com aquilo? E por que o meu sentimento de medo
tornou-se pavor? Corri o mais rápido possível. Devo ter parecido alguém que
tivesse perdido a cabeça, correndo assim. Mas, naquele momento, a opinião
alheia era o que menos importava. Sabia instintivamente que a situação nada
tinha de normal. Tinha sido pega por uma teia misteriosa, estava presa num
emaranhado de fios, onde facilmente iria me enforcar.
Era
uma noite fria, apesar do céu estrelado. Noite de quinta-feira. Ontem não fui
trabalhar. Não ousava passar perto do cemitério, inclusive à noite. Não disse a
ninguém o que aconteceu. Decerto falariam que tudo ia dar certo e me
internariam no hospício mais próximo. Teria que encarar sozinha.
Escutei
um barulho. Estava no quarto. O barulho vinha da sala, provavelmente da janela.
Alguém tentando entrar. Forçando o trinco. Não sei de onde tirei coragem, que,
diga-se de passagem, nunca foi meu forte, mas caminhei até lá, tremendo da
cabeça aos pés. Era a merda do vento. Abri a janela e olhei o céu, as estrelas
deram lugar a nuvens carregadas. Teríamos chuva.
Voltei
ao quarto e a porta estava fechada. Meus pés viraram cimento. Todo o pavor
voltou com força total. Incrivelmente, a vontade de sair correndo era menor do
que minha curiosidade.
Talvez
fosse o vento pregando uma peça. Abri a porta, tudo estava em ordem. Ia me
preparar para respirar aliviada quando dou de cara com a silhueta de alguém
atrás da cortina. Não podia ver seus olhos, mas tinha certeza que estavam
vidrados em mim. Sentei-me na cama. Era tudo que meu corpo permitia no momento.
Ele não saiu de lá, mas começou a falar, e sua maneira de falar faria qualquer
um borrar as calças:
— A humanidade com certeza não caminha em uma direção melhor. É engraçado como as pessoas afundam em lodaçais criados por elas. Engraçado e patético ao mesmo tempo. Será que não entendem que tudo é em vão? A foice ceifaria mais rápido se não houvesse objeções. Jovens são apetitosos. E eu estou com fome. Mas sou paciente. Por mais que a espera me enerve. Tenho todo tempo do mundo. Até lá, posso me contentar com o seu medo. Em breve...
Sumiu.
Entenderam
agora? O meu tempo está acabando, o meu fim é breve. À vezes, quando o vento
sopra, sou capaz de vê-lo. Do lado de fora da casa, apontando seu dedo, olhando
para mim. Então eu fico apavorada. E bebo. Não quero estar sóbria quando ele
voltar para me buscar. Porque ele vai voltar, como o sol todas as manhãs. Pois
a morte está à espreita.
Comentários
Postar um comentário