A MULA DO DIABO - Conto Clássico Lendário de Terror - Hugues Imbert
A
MULA DO DIABO
Hugues
Imbert
(1842
- 1905)
Tradução
de Paulo Soriano
À
margem esquerda do Thoué, a uma curta distância da cidade de Thouars, havia um
castelo em ruínas cujas sombrias paredes contrastavam singularmente com a alegre
paisagem circundante. Suas torres derruídas, refúgio de corvos e pássaros
noturnos, suas valas lamacentas, onde os répteis rastejavam em paz entre os
arbustos, conferiam-lhe um aspecto ainda mais sinistro.
Esta
antiga habitação feudal chamava-se Château de Marsais. No final do século XIII,
era habitada por um senhor cruel e belicoso, temido por todos os seus vizinhos.
Num único combate, fizera centenas de vítimas fatais. Seu nome era Geoffroi,
mas o povo acrescentou-lhe um bem merecido epíteto: em todos os lugares, era
chamado Geoffroi, o Mau.
Ninguém
se atrevia a aventurar-se nas terras desse feroz castelão. Numa noite de
inverno, algo de invulgar aconteceu em Marsais. Geoffrey estivera a dormir por alguns
minutos ao lado da lareira, quando o som estridente de uma trombeta fez-se
ouvir no portão do castelo. A noite caía. A chegada de um visitante,
especialmente a essa hora, era algo tão estranho que o senhor, despertando num
sobressalto, deu um salto à frente, e ordenou que pusessem a correr o insolente
que viera perturbar o seu repouso. Ao chegar à janela, uma visão singular feriu-lhe
os olhos: a ponte abaixou-se por si mesma e as grades de ferro levantaram-se
para dar passagem a um cavaleiro que chegava montado em uma mula preta. Os
criados, que vieram correndo para bloquear o caminho do desconhecido, permaneceram
pregados onde estavam e se curvaram, sem mesmo ousar a erguer a cabeça.
Havia,
realmente, algo de assustador na fisionomia do personagem. Vestido com uma
armadura tão escura quanto a noite, ele avançou lentamente e estendeu o braço,
exigindo silêncio. Sob a viseira de seu elmo, onde deveriam estar os olhos,
viam-se dois raios de uma sinistra luz que iluminava o vasto pátio do castelo.
Os olhos da mula também emitiam uma espécie de chama. Quando chegou diante do
senhor, o estranho parou e disse-lhe:
—
Geoffroi, eu vim de muito longe para lhe oferecer uma luta. Até agora você tem
sido feliz, mas o destino cansou de favorecê-lo. Finalmente, você deve ser derrotado.
O Senhor respondeu:
—
Não tenho por costume lutar com aqueles que não conheço. Quem é você? Mostre-me
seu rosto.
E
o estranho respondeu:
—
Pensei que você fosse corajoso, mas estava errado. Se quiser ver quem sou, vá,
à meia-noite, à floresta, na Encruzilhada dos Finados. Eu sou o cavaleiro amaldiçoado.
Ousará cruzar espadas comigo?
Geoffrey
respondeu:
—
Basta! Você não me assusta. Eu lutaria com o diabo, se estivesse diante dele. À
meia-noite, cavaleiro sombrio, hei de enviá-lo de volta ao rei das trevas, que
é, sem dúvida, um dos seus pares.
O estrangeiro contentou-se em dizer-lhe:
—
Enquanto isso, pode ir preparando a sua sepultura.
Com
essas palavras, o maldito cavaleiro desapareceu, deixando atrás de si um rastro
de fumaça. Apesar de sua grande coragem, Geoffrey, o Mau, não deixou de se
preocupar.
—
Aquela figura sombria — pensou — é, sem dúvida, o próprio Satanás. Como derrotá-lo?
De
repente, um pensamento lhe ocorreu e ele gritou:
—
Eu vou vencê-lo!
O
Senhor de Marsais acreditava muito no diabo e muito pouco em Deus. No entanto,
ele mantinha uma pequena capela em seu castelo, na qual o serviço divino era às
vezes celebrado. Dirigiu-se a ela e correu à pia. Tremeu de alegria quando viu
que a pia estava meio cheia. Derramou a água benta na bainha da espada para
garantir a vitória. À meia-noite, chegou à Encruzilhada dos Finados. O estranho
já estava lá. Ao lado de sua mula, esperava o seu adversário. Conforme
prometera, desvelou o seu rosto.
A
horrível expressão de seus traços não deixava dúvidas: era realmente o
governante do inferno. Geoffrey se pôs à sua frente e rapidamente desembainhou
espada. Imediatamente, o diabo soltou um grito de dor: água benta tinha acabado
de atingir-lhe o rosto. Coberto de queimaduras, cego, ele não conseguiu se
defender.
—
Estou derrotado! — gritou, enfurecido. — Como prova de sua vitória, deixo-lhe a
minha mula. Tome-a sem receio. Ela lhe será de grande utilidade. É um animal
precioso: nunca se cansa e não precisa de comida. Nem sequer deve dar-lhe de
beber.
Sem
esperar pela resposta de Geoffrey, o demônio desapareceu. A mula permaneceu no
mesmo lugar. O senhor de Marsais não tinha certeza se deveria aceitar esse
presente singular. No entanto, ele finalmente decidiu levá-la consigo.
O
diabo dissera a verdade: a montaria era incansável. Geoffrey usou-a para a
reconstrução de seu antigo castelo, transportando os materiais. Os
trabalhadores não eram suficientes para assentar as pedras que ela, sem trégua
ou descanso, dia e noite, lhes trazia. O edifício ergueu-se como que por magia,
para grande satisfação de Geoffrey, e para a grande consternação dos camponeses
da região. Vendo as altas torres do castelo erguerem-se tão rapidamente, eles murmuravam entre si:
—
Esta é uma obra do inferno.
Como
que para provar que eles tinham razão, o senhor concluiu sua construção sem reerguer
a capela, que ele havia mandado demolir. No entanto, o trabalho terminou sem
acidentes, e Geoffroi pôde se estabelecer em sua nova morada.
Lá
vivia há alguns dias, quando, certa noite, acreditando que estava fazendo a
coisa certa, alguém deu à mula um pouco de aveia. O animal, imediatamente
enfurecido, lançou um coice tão terrível contra a parede que o todo o castelo
desabou, enterrando sob suas ruínas o senhor e a sua gente.
O
cavaleiro amaldiçoado apareceu, diz-se, no meio das ruínas, gritando:
—
Estou vingado!
Então,
o diabo partiu em sua mula, que galopou pelo caminho de Maranzais. Ainda
podemos ver vestígios de sua passagem no pedestal da cruz de Mathon. É a pegada
da ferradura da montaria de Satanás. Enquanto passava, a mula queria derrubar a
cruz, mas só conseguiu fazer uma ligeira amolgadura na pedra.
Fonte: “Revue de
l’Anuis, de la Saintonge et du Poitou” (La Rochelle e Niort, França), edição de
junho de 1869.
Comentários
Postar um comentário