A FILHA DO LOBISOMEM - Conto Clássico de Terror - Ignác Jan Hanuš

 


A FILHA DO LOBISOMEM

Ignác Jan Hanuš

(1812 – 1869)

 

Um lenhador — na verdade um lobisomem — tinha nove filhas, todas elas núbeis, sendo a mais nova a mais bela de todas. Certo dia, perguntou a si mesmo: “De que me adianta ter que sustentar tantas filhas para sempre?” Então, decidiu matar as nove filhas.

Ao sair à floresta para cortar lenha, o pai ordenou que uma das filhas lhe levasse comida. Um pouco mais tarde, a mais velha trouxe-lhe a refeição.

— Por que você chegou com a comida tão cedo? — perguntou o lenhador.

— Na verdade, pai, eu queria fortalecê-lo, para que não morresse de fome.

— Você realmente é uma boa moça! Sente-se enquanto eu como. 

Enquanto comia, o lenhador elaborava um estratagema para matar a filha. Levantou-se e disse:

— Venha, minha menina. Eu quero mostrar-lhe um buraco que cavei.

— E para que serve o fosso? — perguntou a filha.

— Para que sejamos enterrados nele quando morrermos, pois os pobres não valem nada neste mundo, e não há quem lhes devote qualquer cuidado depois de mortos.

A garota seguiu o pai em direção à cova imensa e profunda.

— Ouça bem — disse o lobisomem —, você deve morrer agora e ser lançada no fundo dessa cova.

Muito assustada, a jovem implorou, em vão, por sua vida. Ele a agarrou, lançando-a  sepultura. Em seguida, o pai pegou uma grande pedra e atirou-a sobre ela, esmigalhando-lhe o crânio.

Tendo assim matado a filha mais velha, o lobisomem voltou ao trabalho.

À tardinha, a segunda filha chegou, trazendo-lhe comida. Ele falou-lhe sobre a cova, levou-a até o buraco, onde a lançou, e matou-a partindo-lhe a cabeça, como a primeira. E assim foi com cada uma das outras meninas, exceto a mais jovem, que bem sabia que o seu pai era um lobisomem.

A menina, vendo que as irmãs não voltaram da floresta, pensou, preocupada: “Onde estarão as minhas irmãs? Meu pai está com elas, para fazer-lhe companhia? Ou será que as obrigou a ajudá-lo a transportar as lenhas?

Tendo preparado a comida que levaria ao pai, internou-se cautelosamente na floresta. Quando se aproximou do lugar onde o pai trabalhava, a garota escutou os golpes de seu machado contra a madeira e sentiu um cheiro de fumaça. Adiante, viu uma grande fogueira, onde havia duas cabeças humanas postas para assar. Afastando-se da fogueira, a moça seguiu a direção de onde vinham golpes de machado. Logo encontrou o pai.

— Pai — disse ela —, eu lhe trouxe comida.

— Você é uma boa moça — ele respondeu. — Agora, empilhe a lenha para mim, enquanto eu como.

— Mas onde estão minhas irmãs? — perguntou ela.

— Lá embaixo, no vale, arrastando a madeira — ele respondeu. — Siga-me, que eu a levarei até elas.

E seguiram para a cova.

O pai disse à filha que a havia cavado aquele grande buraco para fazer uma sepultura.

— Agora — disse ele —, você deve morrer e ser lançada na cova como as suas irmãs.

— Vire-se de lado, pai — pediu ela — , enquanto eu tiro minhas roupas. Depois, se o senhor quiser, poderá me matar.

Quando o pai, atendendo a seu pedido, virou-se para o lado, a garota aplicou-lhe um forte empurrão, e ele caiu, de cabeça, no buraco que havia cavado para ela.

A filha fugiu para salvar a própria pele, pois o lobisomem não estava ferido e logo sairia do fosso para matá-la.

Enquanto fugia, a moça podia escutar os uivos ecoando através das trilhas sombrias da floresta. Por isto, correu tão rapidamente quanto o vento. Depois, ouviu o ruído de passos se aproximando e sentiu o bafo da respiração de seu perseguidor. Então, a moça jogou para trás o seu lenço. O lobisomem o agarrou com os dentes e unhas, rasgando-o e reduzindo-o a farrapos. No instante seguinte, recobrou a perseguição, espumando pela boca e uivando desesperadamente, enquanto os seus olhos injetados brilhavam como brasas ardentes. A moça jogou para trás o vestido, que a fera apanhou e reduziu em pedaços. Depois, voltou a perseguir a sua presa. Desta vez, a garota jogou o avental; em seguida, a anágua, passando a correr na forma em que veio ao mundo.

Mais uma vez, o lobo aproximou-se de sua vítima. A filha saiu da floresta e alcançou o campo, escondendo-se num pequeno feixe de feno. O pai correu, uivando, em seu encalço. Porém, não conseguiu encontrá-la. Começou a vasculhar, violentamente, os montes de feno, rosnando e rangendo as presas brancas e reluzentes, assim exprimindo a sua ira, porque a vítima havia escapado àquela perseguição. Flocos de espuma caíam, a cada passo, de sua boca, e sua pele recendia a suor. Antes de chegar ao menor dos feixes, a força o abandonou. Sentindo que a exaustão começava a dominá-lo, retirou-se para a floresta.

Naquela ocasião, o rei saíra para caçar. Um de seus cães carregava uma presa pelo campo de feno, que fora inexplicavelmente negligenciada pelos camponeses por três dias. O rei, seguindo o cão, descobriu a linda donzela, mergulhada até o pescoço no feixe de feno. O rei a levou, com feno e tudo, para o castelo. Antes de aceitar o pedido de casamento, e tornar-se a sua esposa, a jovem fez apenas uma exigência: a de que nenhum mendigo seria autorizado a entrar no palácio. Tendo o rei aceitado da condição, casou-se com a donzela e desta união vieram dois filhos.

Passados uns poucos anos, um mendigo entrou furtivamente no castelo real. E não era outro senão o lobisomem, pai da rainha. Subiu escada acima, entrou no berçário, cortou a garganta das duas crianças, filhas da rainha, e colocou a faca sob o travesseiro.

De manhã, o rei, supondo que sua esposa era a assassina, expulsou-a do palácio, com os príncipes mortos pendurados em seu pescoço. A rainha errou pelos campos até encontrar um eremitério abandonado. Lá, o eremita veio em seu socorro e restaurou a vida das criancinhas, que foram criadas naquele eremitério.

Muitos anos depois, em uma caçada, o rei se perdeu na floresta e viu-se obrigado a passar a noite no eremitério. Lá, o rei descobriu o erro que cometera — porque os seus filhos lhe contaram toda a história — e, com eles e a rainha, retornou ao seu castelo.

Mas o lobisomem não se cansava de suas maldades. Tendo entrado no castelo real para ver o que por lá acontecia, pediu um lugar para dormir. Mas os servos o reconheceram e o conduziram à presença do rei. Lá chegando, pôs-se a tremer e, como não podia negar, confessou que matara as criancinhas.

Quando o rei reconheceu sua malvadez e culpa, disse aos guardas do castelo:

— Amarrem esse homem cruel a uma carroça e precipitem-no sobre as rochas nos abismos, para que rebente em pedaços no fundo do mar, que se espraia sob castelo. Fora com ele, porque não é digno de que mãos humanas tirem a sua vida.

O lobisomem quebrou o pescoço e caiu, espatifado, no mar. 

O rei, a rainha e os príncipes vivem, até hoje, felizes em seu castelo, pois não há notícia de que tenham falecido.

 

Fontes: Zeitschrift für Deutsche Mythologie e The Book of Were-Wolves, de Sabine Baring-Gould.

Versão em português/adaptação: Paulo Soriano.


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