O ESPÍRITO INTIMADO PELA JUSTIÇA - Narrativa Clássica de Crime e Mistério - Collin de Plancy



O ESPÍRITO INTIMADO PELA JUSTIÇA

Collin de Plancy

(1794 – 1881)

 

No ano de 1761, um agricultor de Southam, County Warwick, na Inglaterra,  foi assassinado quando voltava para casa.

No dia seguinte, um vizinho foi procurar a esposa do falecido e perguntou se seu marido havia retornado. A boa mulher respondeu que não, e que estava muito preocupada com isto.

— Seus temores não podem igualar-se ao meu — respondeu o homem. — Esta noite,  o espectro de seu marido apareceu diante de mim coberto de feridas. Disse-me que havia sido assassinado por seu amigo, John Dick, e que o seu cadáver fora lançado num poço de marga.

A mulher, assustada, realizou as buscas. O corpo ferido do marido foi mesmo encontrado no poço, exatamente no local designado pelo fantasma. Aquele a quem o fantasma acusou foi imediatamente aprisionado e posto nas mãos do tribunal como suspeito do homicídio. Instruiu-se o processo criminal em Warwick e o júri  teria condenado John Dick, sumaria e temerariamente, como havia sido a sua prisão pelo juiz de paz, se Lorde Raymond, o presidente da corte, não tivesse  adiado o julgamento.

— Creio — disse aos membros do júri — que os senhores estão a conferir um valor excessivo ao testemunho de um defunto, um peso desproporcional ao merecido. Embora um caso como este cause espécie, não temos o direito, neste ponto, de seguir as nossas inclinações pessoais. Somos um tribunal de justiça e devemos nos ater aos ditames da lei. Eu não conheço lei alguma que admita o testemunho de um fantasma.  E, mesmo que o admitisse, o espectro não compareceria à corte para dar o seu testemunho. 

E, voltando-se ao pregoeiro, disse:

— Meirinho, chame a alma do morto.

O oficial de justiça obedeceu, e chamou o espírito por três vezes, mas o espectro não apareceu.

— Senhores — prosseguiu Lorde Raymond —, o prisioneiro é, segundo o testemunho de muitas e honradas pessoas, homem de uma reputação ilibada. Além disto, não veio à tona, nas investigações, qualquer informação de que houvesse motivo de desavença entre ele e o defunto.  Portanto, acredito na absoluta inocência do réu. E, como não há, contra ele, nenhuma prova direta ou indireta, deve ser posto em liberdade. Mas, de muitas circunstâncias que me causaram impressão neste processo, infiro que o homem que alegou ter visto o fantasma é o verdadeiro assassino.  De toda sorte,  é muito fácil concluir que ele pôde indicar precisamente o lugar, o poço de marga, as feridas, e descrever outras minúcias associadas ao crime, sem a necessidade de qualquer ajuda sobrenatural. Por conseguinte, creio-me no direito de mandar prendê-lo até que novas e mais amplas investigações sejam realizadas.

De fato, aquele homem foi preso e realizaram-se inspeções em sua casa. Acharam-se várias provas que o associavam ao crime e ele acabou por confessá-lo. Pouco tempo depois,  foi executado.

 

Versão em português: Paulo Soriano.

 

 

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