O TERRÍVEL ANCIÃO - Conto Clássico de Terror - H. P. Lovecraft

 


O TERRÍVEL ANCIÃO

H. P. Lovecraft

(1890 – 1937)

 

A intenção de Angelo Ricci, Joe Czanek e Manuel Silva era fazer uma visita ao Terrível Ancião. Esse velho homem vive sozinho em uma casa muito antiga da Rua da Água, próxima ao mar, e tem a fama de ser, ao mesmo tempo, extremamente rico e extremamente frágil. Isto constitui uma situação muito atrativa para homens da profissão dos senhores Ricci, Czanek e Silva, que não era outra senão a digna gatunagem.

Os moradores de Kingsport dizem e pensam muitas coisas sobre o Terrível Ancião. Coisas que, em geral, o protegem das atenções de cavalheiros como o senhor Ricci e seus companheiros, apesar da quase absoluta certeza de que ele esconde uma fortuna de indefinida magnitude em algum lugar de sua mofada e venerável vivenda.

Ele é, em verdade, uma pessoa muito estranha, de quem se acredita que fora, em juventude, capitão de veleiros das Índias Orientais. É tão velho que ninguém se recorda dos tempos em que era jovem, e tão taciturno que poucos sabem o seu verdadeiro nome. Entre as árvores retorcidas do jardim da frente de sua velha e descuidada residência, conserva ele uma estranha coleção de grandes pedras, singularmente agrupadas e pintadas de forma a parecerem com os ídolos de um lúgubre templo oriental.

Tal coleção afugenta a maioria dos garotos que zombam de sua barba e de seus cabelos, longos e brancos, ou que quebram as janelas de pequenas vidraças de sua casa com malévolos petardos. Todavia, há outras coisas que atemorizam as pessoas mais velhas, de espírito curioso, que às vezes se aproximam furtivamente da casa para bisbilhotar pelas vidraças empoeiradas. Estas dizem que sobre a mesa de uma sala vazia do térreo há um sem-número de garrafas peculiares, e dentro delas um pedacinho de chumbo suspenso por um fio, à semelhança de um pêndulo. E dizem que o Terrível Ancião conversa com essas garrafas, chamando-as por nomes como Jack, Cicatriz, Tom Grandão, Joe Espanhol, Peters e Mate Ellis; e que, sempre que fala com uma delas, o pequeno pêndulo interior emite umas vibrações precisas, como se manifestassem em resposta. Aqueles que tinham visto o alto e macérrimo Terrível Ancião numa dessas singulares conversações jamais voltaram a vê-lo novamente. Mas Angelo Ricci, Joe Czanek e Manuel Silva não tinham sangue de Kingsport. Pertenciam a esta nova e heterogênea estirpe estrangeira que ficava à margem do cativante círculo da vida e tradições da Nova Inglaterra, e via no Terrível Ancião apenas um velho trôpego e praticamente indefeso, que não podia andar sem a ajuda de uma bengala, e cujas mãos, esquálidas e débeis, tremiam deploravelmente.

A seu modo, eles até que se compadeciam do solitário e impopular ancião, a quem todos evitavam e para o qual todos os cães latiam de forma singular. Mas negócios são negócios, e para um ladrão cuja alma está em sua profissão, há uma atração e um desafio num homem muito velho e muito débil, que não tem conta bancária, e que paga pelas suas escassas necessidades, nas lojas da pequena cidade, com ouro e prata espanhóis cunhados há dois séculos.

Os senhores Ricci, Czanek e Silva escolheram a noite de 11 de abril para realizar a sua visita. O senhor Ricci e o senhor Silva entrevistariam o pobre e velho cavalheiro, enquanto o senhor Czanek ficaria a esperá-los, juntamente com o presumível carregamento metálico, num carro coberto, na Rua do Navio, junto ao portão do muro alto, nos fundos da casa do anfitrião. O desejo de evitar explicações desnecessárias, em caso de uma aparição inesperada da polícia, engendrou os planos para uma fuga tranquila e sem alarde.

Tal como haviam combinado, os três aventureiros foram à luta separadamente, a fim de evitar qualquer maldosa suspeita posterior. Os senhores Ricci e Silva se encontraram na Rua da Água, junto à porta de entrada da casa do ancião, e, embora não gostassem da forma como a Lua brilhava, reluzindo nas pedras pintadas que surgiam entre os galhos florescentes das árvores retorcidas, tinham coisas mais importantes a pensar que em meras e fúteis superstições. Temiam que poderia ser uma tarefa desagradável fazer o Terrível Ancião falar sobre o esconderijo do ouro e da prata, pois os velhos lobos do mar são particularmente obstinados e perversos. Ainda assim, era ele muito um homem velho e muito fraco, ao passo em que eles agiriam em dupla. Os senhores Ricci e Silva eram especialistas na arte de tornar volúveis os recalcitrantes, e os gritos de um frágil e mais que venerável ancião podem ser facilmente sufocados. Logo, acercaram-se da única janela iluminada e escutaram como o Terrível Ancião conversava em tom pueril com suas garrafas com pêndulos. Em seguida, puseram máscaras e bateram educadamente à desbotada porta de carvalho.

A espera parecia muito longa para o Sr. Czanek, que se agitava, inquieto, no cupê estacionado junto ao portão dos fundos da casa do Terrível Ancião, na Rua do Navio.  Na ocasião, tinha ele um coração mais sensível que o ordinário, e não gostou nada dos terríveis gritos que ouvira, vindos da velha casa, momentos depois da hora fixada para dar-se início à operação. Ele não recomendara aos companheiros que tratassem com a maior delicadeza o pobre velho lobo do mar? Muito nervoso, ele observava a estreita porta de carvalho no muro de pedra coberto de hera. Consultava frequentemente o relógio e perguntava-se o motivo da demora.

Teria o velho morrido antes de revelar onde o tesouro estava escondido, tornando necessária uma minuciosa busca? Desagradava ao senhor Czanekter ter de esperar tanto tempo no escuro, e justamente num lugar como aquele.

Em seguida, percebeu passos suaves ou arrastar de pés no passeio do caminho que havia além do portão, e ouviu que alguém descerrava suavemente o trinco enferrujado, vendo abrir-se para dentro o pesado e estreito portão.

E, no pálido brilho da lâmpada que iluminava a rua, forçou a vista para verificar o que os seus companheiros haviam furtado daquela casa sinistra, que agora lhe parecia imensa. Mas não viu o que esperava. Não estavam ali os seus companheiros, mas o Terrível Ancião, que se apoiava, com ar sereno, em sua bengala nodosa, e sorria malignamente. O senhor Czanek nunca atentara para a cor dos olhos daquele homem. Agora via que eram amarelos.

As pequenas coisas causam comoção considerável nas cidades pequenas. Esta é a razão pela qual os habitantes de Kingsport, durante a primavera inteira e por todo o verão seguinte, não deixaram de falar sobre os três corpos não identificados, horrivelmente mutilados (como se talhados a cutelo) e horrivelmente esmagados (como se pisoteados por botas cruéis), trazidos pela maré. E algumas pessoas até falaram de coisas tão triviais como um carro abandonado, encontrado na Rua do Navio, ou de certos gritos especialmente inumanos, provavelmente de algum animal extraviado ou de um pássaro migrante, ouvidos pelos cidadãos ainda acordados. Mas o Terrível Ancião não demonstrou o mínimo interesse por esses ociosos rumores provincianos. Era ele reservado por natureza, e quando se é idoso – e se tem uma saúde delicada – a discrição é duplamente acentuada. Além disso, um lobo do mar tão revelho deve ter presenciado coisas muito mais excitantes nos longínquos dias de sua já esquecida juventude.

 

Versão em português: Paulo Soriano.

 


Comentários

  1. Excelente conto. Um dos melhores e mais misteriosos de Lovecraft.

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  2. Busquei esse conto por causa do HQ Providence #4.

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