A PESTE - Conto de Terror - Kauan Oliveira
A PESTE
Kauan Oliveira
Acordei
ao som de ruídos no teto. Barulhos incessantes que parecem me culpar de algo.
Tudo nesta casa parece me culpar de algo.
Já tenho
problemas com essa peste de ratos faz muito tempo, mas eles estão aparecendo
por tudo nos últimos dias e, inclusive, estão se alimentando da minha comida no
armário.
Levanto colocando os pés, procurando suporte
no chão do quarto que há muito tempo não me oferece sustento. Colocando a mão
na cabeça, por causa da minha ressaca insuperável, me equilíbrio no chão como
um bebê aprendendo a dar os primeiros passos. Cambaleio para a direita e caio
de joelhos me apoiando na cama. Já faz três dias que acordo deste jeito, com
uma dor enorme que faz meus olhos, ossos, rosto e pulmão doerem. Assumo que
tomo cerveja barata em qualquer lugar desta casa, mas faz dias que estou limpo.
Desde que Clarice, minha mulher, morreu.
Finalmente
levanto-me, dou dois passos e me seguro na antiga penteadeira que minha esposa
usava. Fito a figura deprimente no espelho. Eu estou acabado. A típica imagem
de um bêbado em seu auge de decadência. Ao meu lado há uma foto dela, onde
estão gravadas a minha cara e a dela, grudados juntos em um restaurante
qualquer em São Paulo. Porém, desta vez, a imagem parece diferente. Há um
terceiro rosto na imagem, o rosto do que imagino ser uma criança, de dez a onze
anos, mas ele está queimado. Coloco a mão na têmpora para lembrar a quem
pertence o rosto, mas não lembro nem o ano que a foto foi tirada.
Ouço um barulho de pequenas patas andando no
chão de madeira da minha casa. Já ouvi ele antes. É o barulho dos ratos que me
atormentam nas noites e nas madrugadas. Largo a foto e dou uma espreitada pelo
corredor de acesso à porta do quarto. A peste está comendo algo parecido com
biscoitos. Não aguento mais esses seres habitando meu território. Dou um pulo
desiquilibrado em direção à porta e quase caio no chão. O rato foge seguindo em
frente para o corredor.
Olho para o chão onde o rato andou, a vertigem
me ataca de súbito. Eu me desequilibro e caio ao solo. Fico ali por uns 5 minutos,
até quando eu tomo vontade para tentar me equilibrar de novo. Me coloco em
formato quadrúpede e, posteriormente, bípede novamente. Olho para a minha mão e
agora as marcas das patas da peste estão gravadas nela. Coloco a minha palma
perto do nariz e cheiro.
É sangue.
A ressaca
passou, mas as dores ainda não. Corro de volta para o espelho e não consigo
localizar o ferimento. E então me lembro de Luna. Onde ela está? Onde ela
esteve? Olho, virando o rosto rapidamente para a foto, e lá está a impressão de
seu rosto queimada. Como posso esquecer da minha filha?
Corro
pela casa chamando seu nome, mas não tenho resultado. Vou até seu quarto, e
nada. Então desço para a cozinha e vejo uma pilha de latas de cerveja em cima
da mesa. Não me recordo de tê-las tomado.
Olho em
volta e me deparo com a porta do porão no subsolo aberta. As marcas das patas
adentram o ambiente. Seguindo-as, adentro o portão escuro. O breu é depressivo
e melancólico. O cheiro putrefato está no ar. À boca me sobe ânsia. Cambaleio
até o interruptor e acendo a luz do ambiente.
Os ratos estão a comer seu corpo. Centenas
deles surgem, saindo de baixo do seu vestido, seus olhos necrosados, que não
possuem órbita, me encaram, seu dedo aponta para a saída. Do que resta de sua
musculatura é possível perceber a feição de pavor. De sua boca sai um único
camundongo preto todo banhado no que resta de sangue coagulado no cadáver.
Ouço
passos descendo a escada. De trás de mim surgem palavras cheias de vitalidade e
tristeza:
— Por
que, papai?
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