VAMPIRISMO - Conto Clássico de Terror - Alfonso Hernández-Catá
VAMPIRISMO
Alfonso
Hernández-Catá
(1885
– 1940)
Tradução
de Paulo Soriano
Éramos
um grupo de amigos reunidos sob a ramagem de um passeio. Ao longe, entre os
arabescos de folhas, alguns arcos voltaicos fingem-se de luas trêmulas. Todos
os rostos expressam cansaço. Finalmente, alguém insinua uma conversa escabrosa
e olhares sonolentos tornam a refulgir. Fala-se de acontecimentos estranhos, da
lógica invisível de fatos absurdos, de perversões refinadas, de complicações
eróticas. Um conta o caso de um homem apaixonado por unhas, mas apenas por
unhas de mulher; outro narra extraordinárias monstruosidades, estranhos vícios
esotéricos; outro conta a história do belo crime perpetrado por um artista
louco que, acreditando encontrar grande semelhança entre a Vênus de Milo e sua
amante, cortou-lhe os braços com um machado para dar-lhe conformação idêntica à
da estátua. De repente, Raúl Ginarosa, o ameno conversador, pede vênia para
narrar uma história singular, sob cuja simplicidade cotidiana esvoaça um
feitiço sobrenatural; e, concedida a licença, acomoda-se melhor no assento e
assim começa a narrativa:
—
Ainda que os casos de vampirismo sejam demasiadamente frequentes para que um
deles, adicionado à lista, consiga surpreender a atenção, as misteriosas
peculiaridades deste episódio inquietam o espírito com uma sensação de dúvida
que favorece todas as pérfidas faculdades imaginativas. O fato foi o seguinte:
a vila inteira desconhecia o passado do velho homem. Para além dos muros do jardim
que rodeava sua casa, a curiosidade das pessoas jamais avançava. Era inútil interrogar
os criados, e o velho nunca conversava com ninguém. Levava uma vida
misteriosamente metódica: duas tardes por semana, saía para uma longa
caminhada; aos domingos, não ia à igreja. Ele mal respondia, com ligeiras
inclinações de cabeça, às saudações dos camponeses. Todavia... Quem trouxe a
notícia de um passado perverso e tempestuoso para o povo? Foi a filha de algum
acontecimento conhecido — ou de fantasia popular —estimulado por uma
curiosidade insatisfeita? A origem não pôde ser determinada; mas foi dado como
certo que o velho havia tido, outrora, duas esposas, e que ambas haviam morrido
aos poucos, vítimas de uma ‘doença desconhecida’. Os pedantes da vila falavam
vagamente de uma história remota em que as expressões corrupção e sadismo
ocupavam um lugar impreciso. A princípio, esses rumores se espalharam virulentamente;
mais tarde, o tempo foi adormecendo a curiosidade, e o mistério deixou de ser
ou de parecer-se como tal, porque só os seres seletos são capazes de cultivar
um mistério cotidiano.
"No
início da primavera, a vila soube, pelos criados, da doença do velho e da
pronta chegada de sua sobrinha, a cujos cuidados prometia-se o restabelecimento
de sua saúde. Certa tarde, o velho criado foi à pousada um momento antes de
perceber o trote rápido das mulas na curva da estrada... Soaram eloquentes os
colares de cavalgadura, estalou imperativo o chicote do cocheiro e, quando o
carro parou, dele desceu uma jovem que falou alguns instantes com o criado e
acompanhou-o pela vereda que levava à quinta. Sob a varanda da pousada, os
camponeses faziam comentários:
"—É
a sobrinha do senhor.
"—
Fresca como uma flor da manhã... e bonita e saudável... Ninguém acreditaria que
é da cidade.
"—Olha
que não buscaram uma má enfermeira!
"E
eles riram, riram muito, com desconfiança.
"O
velho sarou-se rapidamente. Suas caminhadas tornaram-se menos raras. Era visto
habitualmente, todas as tardes, apoiado no braço de sua sobrinha: iam ao sopé do
monte e voltaram ao entardecer. Assim, passou-se algum tempo — brotos nas
árvores, galhos verdes, frutos maduros; depois, folhas secas arrastadas, entre
a poeira das estradas, pelos ventos de outubro. Então todos perceberam que a
sobrinha do velho emagrecia, que murchava. Onde estavam o tom rosado de suas bochechas
e o triunfo carmesim de seus lábios? Parecia outra: roxas olheiras circulavam
seus olhos; seu andar era lento; toda ela se tornava quase transparente e azul.
Ao retornarem do passeio, encontraram um grupo de camponeses e, após se
cruzarem, as mulheres viraram-se para olhá-la. E disseram, compassivas:
"–Pobre
senhorita. Está murchando!
"E
ela murchava, murchava. Os círios de novembro iluminaram seus últimos dias.
Em um longo entardecer de outono, após um vômito súbito e sanguinolento, seus
olhos tornaram-se vítreos e sua cabeça tombou inerte. A vila inteira desfilou
diante dela. Sobre o leito mortuário, suas mãos cruzadas pareciam outras flores
entre açucenas e lírios.
"Foi
quando ressurgiram, com novo vigor, aquelas histórias nebulosas. O povo,
farejando um mistério — um crime —, quis vingar-se do velho. As autoridades
tiveram de intervir e os médicos legistas se prepararam para realizar a
autópsia. Antes, porém, o velho, que todos acreditavam enlouquecido de dor ou
medo, porque passava os dias chorando, com o rosto envolto numa camisa da
morta, suicidou-se com um tiro na boca. A história termina aqui".
—
E qual foi o resultado da autópsia? – perguntaram os presentes.
Raúl,
deliciando-se em prolongar a tensão, ficou em silêncio por um momento, depois
sorriu um sorriso ambíguo e, por fim, disse:
—
A jovem nada havia sofrido em sua virgindade, mas... o estudo antropométrico do
suicida acusou o queixo protuberante, os lábios extremamente finos, as aletas
do nariz vibráteis e pavilhão auricular em riste.
Não entendi!!!!
ResponderExcluirQue final estranho.
o final descreve, segundo as crenças antigas, a característica física que um vampiro tem
ExcluirExatamente, caro Joel.
Excluir