A MÃO EMBALSAMADA - Conto Clássico de Terror - Anônimo do séc. XX
A
MÃO EMBALSAMADA
Anônimo
do séc. XX
John
Harrison contemplou a figura espadaúda e grave do Professor Kauperman,
avançando em sua direção, à entrada do laboratório, e disse:
—
Oh, professor, espero que me desculpe. Mas a velha curiosidade não me deixou
escapar esta também.
E
com duas pinças, pegou uma mão decepada que se encontrava num vidro de formol e
completou:
—
Tirei-lhe as impressões digitais para os meus arquivos.
Com
acento grave na voz, Kauperman fê-lo compreender que o fato não tinha qualquer
importância.
Mas,
não podendo conter por mais tempo a sua curiosidade, Vanny, a assistente do
laboratório, indagou firme:
—
Que há de especial com esta mão, John?
—
Quem melhor poderá responder à sua pergunta é o professor.
Vanny
adiantou-se e atacou o velho professor com um par de olhos muito azuis e
inquiridores.
—
Já sei, já sei, senhorita Vanny. Calculo o que irá me perguntar. Mas não espere
que haja nada de científico nesta peça. Trouxe-a comigo... a bem dizer, nem
mesmo sei por quê.
E,
adiantando-se, Kauperman pegou as lâminas onde John fixara as impressões da mão
decepada e narrou-lhes:
"Era
o meu quinto mês na Ucrânia. Certa manhã, fui despertado pelo alarido que fazia
um grupo de homens e mulheres enfurecidos, pouco além da minha janela. Notei
que, entre eles, ia um homem amarrado e todo ensanguentado, sendo arrastado em
direção ao poço da praça. O local há muito fora considerado imprestável pelo
forte odor que exalava da água apodrecida.
Kauperman
fez uma pequena pausa prosseguiu:
—
Não sei por que, vesti-me às pressas e desci à rua, logo me misturando com a
turba. E foi assim que fiquei sabendo tratar-se de Borak, um perigoso ladrão há
muito procurado. Horrorizei-me quando soube que iam matá-lo, afogando-o no
poço, sem qualquer julgamento Aquilo angustiou-me de tal forma que. por alguns
momentos, esqueci-me de seus crimes e só pensei naquele pobre diabo
debatendo-se até a morte nas águas poluídas. Foi aí que, impensadamente, tomei
uma atitude estranha, baseada numa velha lei da Ucrânia...
—
Que lei é essa? — quis saber John.
—
Uma lei um tanto estranha — continuou Kauperman — e pela qual as pessoas
acusadas de roubo podem se livrar da morte desde que surja alguém que se interesse
em pagar um terço dos prejuízos causados pelo acusado. Mas o ladrão não fica
inteiramente impune...
—
Como assim? - perguntou Vanny; Kauperman cofiou a barbicha e informou:
—
O acusado tem a mão direita decepada e entregue ao seu benfeitor.
Limpando
o suor da testa com as costas da mão, o professor prosseguiu:
—
Um velho costume da região. Confesso que a penhora causou-me repulsa. Paguei o
terço dos prejuízos exigido por lei... Horrorizado, vi um golpe de facão
fazer-lhe a mão direita saltar fora do pulso e rolar por terra, contorcendo-se,
os dedos abrindo e fechando convulsivamente, como se ainda guardassem o reflexo
final dos nervos e tendões tentando fugir à dor.
—
E depois, professor, que fizeram com a mão? — indagou John.
—
Depois, pegaram-na com um pano sujo e deram-na. Ainda ouvi uma série de pragas
contra mim. Pois todos desejavam vê-lo no fundo do poço.
Vanny
esticou o pescoço para a frente e perguntou com ar de mofa:
—
E o ladrão? Que é feito dele?
—
Nunca mais o vi. Quando o soltaram, virou-se para mim e disse com uma voz
estranha:
—
Obrigado. Quando precisar de mim... virei em seu socorro."
—
Muito interessante – disse Vanny. — Eu em seu lugar, escreveria esta história
para uma revista de curiosidades.
John
viu o professor franzir o cenho e rumar porta afora em direção aos seus
aposentos. Tão logo Kauperman saiu, ele advertiu Vanny:
—
Não deveria ter dito aquilo, Vanny. O professor não gosta de humor.
—
Idiota é o que ele é, isso sim. Vive gastando sua fortuna nessas viagens,
enquanto nós ficamos aqui feitos ratos de laboratórios, examinando as peças que
nos envia.
—
Cale-se! — tornou John. — Não gosto de ouvi-la falar dessa maneira. Ademais,
você sabe muito bem que, quando ele morrer, nós seremos os únicos
beneficiados... sua fortuna ficará para nós, a fim de podermos concluir a sua
obra.
Vanny
sorriu maliciosamente e, olhando a noite ir descendo, pensou:
"E
por quanto tempo ainda? Esse velho fóssil tem mais saúde do que dez touros
juntos. Não! Terá que ser logo. Sim, será esta noite!"
E,
deixando John envolvido com o trabalho, retirou secretamente um vidro de manary,
veneno fulminante, usado pelos mongóis, e saiu. Sabia que, uma hora depois de
ministrá-lo no chá de Kauperman, não ficaria o menor vestígio.
Às
dez da noite, Kauperman desceu. Como de hábito, cruzou a antessala e viu Vanny
preparando-lhe o chá. Estava mal-humorado e não a cumprimentou. A moça
acompanhou-lhe os passos com o olhar em esguelha e, no momento em que o
professor atingiu o laboratório, ela despejou, de uma só vez, todo o conteúdo
do vidro no bule de chá. Em seguida, tomando a bandeja nas mãos, deu um, dois,
três, quatro passos e parou horrorizada. O que via à sua frente fê-la perder
completamente a voz. O grito ensaiado na garganta ficou petrificado e a boca
escancarada somente o permitiu escapar quando o pescoço estrangulado tombou
para um lado, arrastando consigo, para o chão, o corpo inerte e o bule derramado.
Quando
Kauperman e John Harrison atingiram a antessala, encontraram-na já
completamente sem vida. E uma rápida investigação permitiu-lhes deduzir
claramente o que Vanny desejava fazer: matar Kauperman.
Na
manhã seguinte, após o corpo da moça ter sido levado pela polícia, John chamou
o professor às pressas. Juntos rumaram para o laboratório e depararam com o
vidro de formol onde antes se encontrava a mão de Borak... completamente vazio.
Um
terrível pressentimento apossou-se do rapaz. Freneticamente, pegou as lâminas
onde se encontravam as impressões digitais de Borak e comparou-as com as que
foram encontradas pela Polícia na garganta de Vanny. E quando John, ao cabo de
algum tempo, concluiu suas investigações, transfigurado de pavor, virou-se para
Kauperman e disse com a voz tremula:
—
Não há dúvida, professor: Borak retribui-lhe o favor; cumpriu a sua terrível
promessa!
E
só depois de muito procurarem, em vão, foi que John e o professor resolveram
dar por encerrada a busca macabra. Compreenderam que a mão embalsamada de Borak
sumira para sempre, deixando atrás de si um insondável e tenebroso mistério.
Fonte:
“Capitão Mistério: Aventura Macabra”, ano 1, nº 5, “Bloch Editores”, c. 1977.
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