A SAGA DOS FANTASMAS DE BEETSTERZWAAG - Conto Tradicional Holandês
Conto
tradicional holandês
As
coisas não iam bem na charneca de Olfertsveld e todos em Beetsterzwaag sabiam
quem eram os responsáveis pela assombração que assolava o lugar: eram os
terríveis espectros de dois advogados. Durante anos, eles haviam patrocinado
causas escusas, pois sabiam, exatamente, onde as brechas da lei eram mais
estreitas ou mais largas. Assim, ajudavam os bandidos a escaparem da lei e
criavam ciladas para pessoas honestas.
Eram
dois irmãos que trabalhavam juntos e moravam na mesma casa. Quem passava por ela
à noite, podia escutá-los a delirar, porque discutiam os arrazoados suspeitos
que fariam e brindavam um ao outro até adormecer.
Certa
feita, beberam tanto que não acordaram no dia seguinte. Sabendo da morte dos
irmãos, disseram as pessoas de Beetsterzwaag:
—
Agora não seremos mais incomodados por eles!
Mas
estavam equivocados: eles não sabiam que os advogados ainda estavam na região
de Beetsterzwaag, refugiados no Olfertsveld. Os dois irmãos sempre sentiram um
imenso prazer em importunar os vizinhos, e, agora na qualidade de fantasmas, fariam-no
ainda melhor.
Naquela
época, o Olfertsveld era uma charneca esparsa, através da qual corria a estrada
de Beetsterzwaag para Olterterp. Durante o dia, tudo era muito tranquilo: um pastor
cuidava de suas ovelhas; um caçador, com o rifle debaixo do braço, uma bolsa de
caça no ombro e um cão perdigueiro a seu lado, observava as lebres que, de e
vez em quando, atravessavam a estrada; um carroceiro caminhava ao lado de sua carroça
carregada, levando na boca um longo charuto.
Depois
do pôr do Sol, porém, a paz e o sossego acabavam. “O dia é de vocês, mas a
noite é nossa”, pensavam os advogados, e, então, se punham a assombrar as
pessoas e os animais.
Quem
cruzava o Olfertsveld à tardinha ou à noite, de repente ouvia passos invisíveis
atrás de si. Se sentisse medo e andasse mais rápido, os perseguidores seguiam
em seu encalço com maior velocidade. Finalmente, quando o desafortunado começava
a correr, ouvia as gargalhadas dos advogados, que pareciam vir de todos os
lados ao mesmo tempo.
Os
espectros também não deixaram carruagens e cavaleiros passarem tranquilamente,
pois, podendo ver o que era invisível aos olhos humanos, os cavalos fugiam
amedrontados, derrubando muitas vezes os cavaleiros.
Os
cocheiros agiam com maior habilidade, pois não faziam nenhum esforço para
conter os cavalos. Se os animais colocassem as orelhas para trás, rangessem
continuamente os dentes, batessem com a cauda nas ancas, ou empinassem para o
lado, os condutores davam-lhes rédea solta, permitindo que deixassem o campo o
mais rápido possível. Quando tal carroça sacolejava e batia-se ao longo da
estrada, surpreendida pelas irregularidades do pavimento, os ocupantes ouviram
claramente as gargalhadas dos dois advogados malignos.
É
fácil entender que as pessoas preferiam livrar-se dos espectros a enriquecer, e
quando o formidável flagelo do diabo, o mago e exorcista Peter Kapoes van
Oldeboorn, sugeriu um plano para libertar Olfertsveld dos fantasmas por dez
ducados de ouro, esta proposta foi imediatamente aceita.
À
primeira vista, Peter Kapoes era apenas um homem comum, um pequeno fazendeiro
que possuía poucas terras e precisava ganhar a vida com muito trabalho... Mas —
cuidado! — havia muito mais coisas em Kapoes do que você poderia imaginar. Esse
mesmo humilde camponês pusera para correr bruxas com cabo de vassoura e tudo.
Os fantasmas batiam os dentes quando Kapoes os esconjurava. Quando Kapus se
aproximava da porta da frente de uma casa mal-assombrada, os espíritos malignos
saíam correndo pela porta dos fundos.
Não,
nem mesmo os dois advogados teriam chance contra Peter Kapoes.
Certa
noite, o exorcista chegou numa carroça, atrelada a dois cavalos, ao
Olfertsveld. Viera sentado a boleia e, atrás dele, havia um assento colocado
sobre um carrinho.
No
campo, desenhou figuras maravilhosas contra céu com seu chicote e disse sete
palavras poderosas. Os advogados não resistiram ao poder da palavra e, contra a
vontade, tiveram de se sentar no banco. Peter estalou o chicote e a carroça
disparou pela charneca.
Depois
de deixar o Olfertsveld, Peter Kapoes teve dificuldade em manter os advogados na
carroça. Eles pulavam, sacudiram os punhos para o condutor e tentavam virar a
carroça. Tentaram de tudo: puxaram com toda a força para fazer a carroça parar,
meteram os braços e as pernas entre os raios das rodas, esforço em que se
empolgaram. Sim, eles arrancaram pedaços inteiros da madeira, mas a carroça
avançou com determinação e Peter fingiu não ver ou ouvir nada. De vez em
quando, fumando seu cachimbo, falava baixinho e carinhosamente com os cavalos,
pois os animais tinham dificuldade em responder às suas ordens: suavam tanto
que nenhum pelo permanecia seco em seus corpos.
Por
que os advogados não voltaram ao seu antigo lugar mal-assombrado, a charneca de
Olfertsveld? A causa disto repousa nas sete palavras poderosas que Peter Kapoes
havia proferido. Eles eram obrigados a permanecer na carroça, e, enquanto os
cavalos pudessem puxar, Peter cuidava diligentemente da situação à sua maneira.
No
meio da noite, a carroça passou por Drachten, Opeinde e Suameer e depois partiu
para Garijp, até que parou em um campo de feno, que ainda se chama
Advocatenland (Campo dos Advogados). Lá, Peter fez um círculo na relva com o
pé, murmurando um encantamento, e, então, nele introduziu os advogados. Depois,
seguiu a Beetsterzwaag para receber os ducados.
E
lá ficaram os fantasmas, agora presos ao remoto campo de feno, condenados a
permanecer dentro do círculo desenhado por Peter. Demorou anos até que um broto
de grama aparecesse naquele local, porque os advogados, dentro do círculo,
andavam de um lado para outro, pisoteando e aplainando o solo.
Finalmente
a relva voltou a crescer, como prova de que os dois fantasmas encontraram a paz.
Hoje em dia, não mais se veem resquícios do círculo desenhado no campo de feno.
Versão em
português/adaptação de Paulo Soriano
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