O FANTASMA DA COLINA - Conto Tradicional Canadense
O
FANTASMA DA COLINA
Conto
Tradicional Canadense
Étienne
Lapierre era um garoto que vivia nas Ilhas da Madalena, a poucos passos do mar,
e que não tinha medo de nada. Quando não estava ajudando os pescadores que
voltavam com o pescado para o cais, costumava passear pelos montes arredondados
da ilha de Havre-aux-Maisons e explorar os pequenos bosques de coníferas que
resistiam ao vento furioso. Um dia, quando vagava por uma colina, olhou para o mar
e viu um barco, que ele não conhecia, navegando em direção à costa. Não se
parecia com as escunas que saíam para pescar arenque ou lagosta.
Étienne
observou o barco se aproximar e virar em direção a uma pequena baía protegida,
escondida por uma falésia escarpada. Escondeu-se atrás de uma pedra e esperou.
Logo o barco atracou. Quando viu e ouviu os marinheiros conversando, percebeu
claramente que não eram pescadores das ilhas ou do Cabo Breton. Eram piratas!
O
menino se ocultou melhor ainda entre duas grandes pedras e observou o movimento
dos piratas. Um barco desceu ao mar com três marinheiros. Carregava grande e
pesado baú. Os três marinheiros atracaram e Étienne viu que eles traziam
consigo uma picareta e uma pá.
Os
homens escalaram a colina e um deles começou a cavar. Revezaram-se no trabalho
de cavar um buraco que, para o pequeno Étienne, parecia muito grande. Bem
oculto nas rochas, estremeceu de medo, pois entendera que aqueles homens iriam enterrar
o grande baú, que, sem dúvida, continha um tesouro. Ah, se alguém tivesse a
infelicidade de descobri-lo, estaria morto!
E
o que se seguiu confirmou suas suspeitas.
De
repente, um dos marinheiros sacou uma grande faca e, no mais perfeito silêncio,
cortou o pescoço do outro. A cabeça escapuliu por entre as rochas íngremes e
caiu no mar. Os dois homens restantes agarraram imediatamente o corpo sem
cabeça e depositaram-no, com o baú, no fundo do buraco.
Étienne
ficou tão surpreso com o que viu que ficou paralisado de terror; apenas as
batidas de seu coração indicavam que ele ainda estava vivo. Os dois homens
encheram o buraco com terra e seixos, sem dizer uma palavra. Então, quando restituíram
a colina à sua habitual compleição, o mais alto dos homens, que usava um grande
chapéu, colocou uma grande pedra sobre o monte de terra e disse ao seu
companheiro:
—
Agora está feito. O tesouro está seguro.
—
E muito bem guardado por um vigia sem cabeça, não é mesmo?
—
Sem dúvida, o diabo se encarregará de assustar quem tiver a coragem de cavar neste
lugar. Fará com que o homem sem cabeça irrompa da terra...
O
companheiro estremeceu. O Sol já se punha e logo escureceria. Os dois homens
deram uma última olhada no local onde haviam enterrado o butim e desceram até o
barco para voltar ao navio. Étienne ouviu claramente o mais alto, que devia ser
o capitão, dizer:
—
Quando o galo arar e a galinha escarificar, o tesouro poderá ser resgatado. Não
antes! E ninguém poderá retirá-lo daí.
—
Estaremos de volta em um ou dois anos, quando terminarmos de visitar o Golfo — respondeu
seu companheiro.
E
os dois homens deixaram a costa.
Étienne
demorou muito a recobrar os sentidos e deixar o esconderijo. Estava escuro como
breu quando ele chegou em casa. E não disse uma palavra de seu segredo a
ninguém. E nem esqueceu as palavras que ouvira.
O
tempo passava, as estações se sucediam e Étienne ia, muitas vezes, rondar não
muito longe da colina para ver se a terra havia sido revolvida, indício de que
vieram resgatar o tesouro. Mas nada parecia ter sido remexido e a grande pedra permanecia
em seu lugar. De vez em quando, para não esquecer, Étienne repetia: “Quando o
galo arar e a galinha escarificar”. E esperava.
Nas
aldeias de pescadores de toda a ilha de Havre-aux-Maisons, começaram a circular
rumores de que um homem sem cabeça fora visto vagando à noite na colina. O
efeito foi instantâneo: ninguém saía depois do pôr do Sol. As pessoas sabiam
bem o que esse fenômeno significava: um tesouro devia ter sido enterrado lá,
com seu guardião. E era esse pobre sujeito que, possuído pelo diabo, procurava um
enterro melhor.
Logo,
a ilha inteira estava falando do fantasma da colina. O vigário saiu em
procissão com alguns paroquianos para abençoar o lugar maldito, mas o homem sem
cabeça continuou a vagar pela falésia. Étienne tentou várias vezes levantar a
grande pedra da colina. Mas parecia que tinha triplicado o seu peso: era
impossível movê-lo. A terra ao redor havia se tornado tão compacta com as
chuvas e a neve que se tornou dura como cimento e nenhuma pá ou picareta poderia
perfurá-la.
Então,
certo dia, Étienne, já então com dezoito anos, decidiu que era hora de agir.
Ele confidenciou seu segredo a seu irmão, em quem tinha absoluta confiança. E
os dois começaram a trabalhar.
Eles
primeiro lugar, escolheram, no terreiro, um galo e uma galinha bem robustos.
Depois, com as mãos habilidosas, fizeram um arado e um escarificador em
miniatura, claro. Seu pai, quando viu aquilo, ficou exasperado com a
infantilidade dos rapazes:
—
Em vez de brincarem como crianças, vocês deveriam estar empilhando feno.
—
Você verá, pai, que nossos brinquedos vão ser úteis — respondeu Étienne.
—
Espere mais um dia e terá uma bela surpresa, pai —acrescentou seu irmão.
Finalmente,
tudo estava pronto. À noite, Étienne e o irmão foram secretamente à duna do sul
com o galo, a galinha e seus apetrechos. Foram à praia, atrelaram o galo ao
arado e fizeram-no arar um bom pedacinho de areia, o que ele fez muito bem. Em
seguida, atrelaram a galinha ao escarificador e ela, por sua vez, sulcou a
terra arada pelo seu companheiro.
Quando
chegaram em casa, disseram aos pais:
—
Agora, venham conosco. É hora de ir buscar o tesouro na colina.
— O quê? — disse a mãe. — O tesouro da colina?
Vocês vão nos assustar até a morte!
—
Com o corpo sem cabeça que ainda vagava ontem à noite! — gritou o pai.
—
O fantasma não vai nos machucar. Temos certeza disso.
Pai
e mãe se perguntaram se seus dois filhos não estariam um tanto malucos, mas
concordaram em segui-los até a colina. Chegando lá, Étienne começou retirando a
grande pedra, o que fez sem dificuldade. Então, os dois começaram a cavar a terra
solta e logo bateram em algo muito duro. Era o cofre!
A
noite estava chegando e os pais temiam o aparecimento do corpo sem cabeça; mas
os rapazes, demasiadamente ocupados com sua tarefa, mal se importavam. Não
tiveram dificuldade em desenterrar a arca, que prontamente levaram para casa. Acenderam
a lamparina e colocaram a arca no meio da cozinha. Étienne abriu a tampa. O baú
estava cheio de moedas de ouro e prata. Nele havia uma fortuna. Étienne e sua
família não podiam acreditar no que viam. Eles realmente não sabiam o que fazer
com tanta riqueza. Então, foram para a cama.
Na
manhã seguinte, ao se levantar, a mãe encontrou na sala um esqueleto sem cabeça
deitado no banco. Um bilhete, junto a ele, dizia: "Enterre-me no
cemitério. Minha missão está cumprida".
A
família Lapierre, que não era mesquinha, compartilhou sua riqueza com todo o
povo da ilha e por muitos anos ainda se falou do famoso tesouro da colina, que Étienne
Lapierre conseguira desenterrar.
Versão
em português: Paulo Soriano.
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