O AÇOUGUEIRO - Conto de Horror - Emílio Vilaró

 




O AÇOUGUEIRO

Emílio Vilaró

Tradução de Paulo Soriano

 

Há algum tempo você me perguntou como eu gostaria de ser enterrada: se no cemitério, cremada ou naquele precioso montinho perto de casa. Sei que a minha morte está aproxima e já tenho tudo planejado nos mínimos detalhes... Há muito tempo que o tenho. Venha cá, escute-me e me obedeça!

*

Vocês estão sabendo que, finamente, o nosso minúsculo povoado vai ganhar um açougue? Não mais teremos que nos deslocar a Altaparrillo de Arriba para comprar carne.  Que alegria!

Soubemos disto ontem, quando passamos defronte do ponto, até então desocupado, situado na praça, e perguntamos aos que ali trabalhavam. O próprio açougueiro, que se achava por lá, preparando tudo, confirmou o que nos disseram. É um jovem muito simpático.

Disse-nos que esperava estar tudo pronto para a inauguração do açougue no primeiro dia das festas do povoado. Para começar com o pé direito, decidira que deveríamos conhecê-lo e aferir a boa qualidade dos produtos que traria; e que prepararia para os aldeões um antepasto gratuito e variado de suas carnes. Disse-nos que há de ser uma iguaria que nunca saboreamos e que nos encantará a todos. Estamos certas de que todo o povoado provará do petisco.

*

Cartaz que apareceu na madrugada do segundo dia das festas, fixado em diversos lugares públicos: subprefeitura, correios, escola, praça e igreja:

 

“Olá!

Exulto em saber que, finalmente, algo de mim agradou a todos. O que é incrível, a considerar que eu e o meu filho fomos expulsos deste povoado por ser eu mãe solteira e portadora de AIDS. E com direito a um cartaz pregado na subprefeitura, dizendo: “Nunca mais volte aqui”.

Gostaria de informar a todos que o que resta do meu corpo — ou seja, meus ossos com fragmentos remanescentes de minha carne, entranhas e outras vísceras não adequadas ao delicioso antepasto preparado ontem, na praça, para vocês — está no freezer do açougue. É a minha vontade que esses restos sejam enterrados em qualquer lugar do mundo, menos neste povoado.

Se esta notícia lhes causa vômitos, suores ou excrementos, vocês podem, também, despejá-los na tumba, já que há neles algo que me pertence.

Cordiais saudações do Céu, e obrigado, meu filho, por realizar tudo que lhe pedi, apesar das dificuldades e sofrimentos envolvidos, e pelo dinheiro que tudo isto lhe custou.”

 

“A vingança também se come frita.”

 

 

 

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