HORROR NA ESTALAGEM - Conto Clássico de Horror - Anônimo do século XIX

 



HORROR NA ESTALAGEM

Anônimo do século XIX

 

A campanha da Áustria, em 1809, tão gloriosa para a França, havia acabado há algumas semanas quando um mercador, natural da Hungria, que fora forçado a esperar em Viena o fim das hostilidades, se pôs a caminho para voltar ao seu país.

Não foi sem hesitar que partiu, porque levava uma soma considerável, e não ignorava o quanto as perturbações da guerra são favoráveis a toda a espécie de ladrões.

Contudo, fiado em sua cautela e, se preciso fosse, na velocidade do seu cavalo, sentiu desvanecer todo o receio.

Quatro dias depois de ter partido de Viena, atravessou a fronteira, sem que lhe acontecesse o menor incidente. Naquele mesmo dia, à noite, chegou a uma pequena cidade e apeou-se numa estalagem do subúrbio, que supunha pouco frequentada, querendo, o quanto lhe fosse possível, evitar a companhia dos viajantes.

Toda a gente de casa tinha um ar muito sisudo, e o estalajadeiro foi em pessoa tratar, prontamente, do cavalo do viajante.

Voltando, o estalajadeiro se pôs à mesa com o seu hospede e a sua família.

Quase no fim da ceia, o estalajadeiro perguntou ao viajante se vinha de muito longe.

Venho de Viena — respondeu.

— De Viena! — exclamou a mulher do estalajadeiro. — O senhor deve ter, então, muita novidade.

— Que nos conta sobre a paz? — perguntou o estalajadeiro. — Seremos, em breve, libertados destes franceses malévolos?

A paz está concluída e os franceses estão a caminho do seu país. É quanto posso dizer, porque não me cuido dos negócios do governo, tendo unicamente ido a Viena para vender alguns cavalos de preço.

Pronunciadas estas últimas palavras, o estalajadeiro fez um leve sinal para um rapaz alto que estava à sua frente, e que parecia ser seu filho. Este movimento não escapou ao mercador, mas não o fez sobressaltar, já que os seus anfitriões pareciam pessoas de bem.

A conversa durou ainda alguns instantes depois da ceia. O viajante declarou, então, que queria deitar-se e o estalajadeiro tomou um candeeiro para o conduzi-lo ao quarto que lhe estava preparado. Depois de atravessar o pátio da estalagem, o viajante foi introduzido numa espécie de barraca destacada do corpo principal da casa. Ele atravessou, precedido sempre do seu hospede, um pequeno quarto, bem guarnecido de móveis, e entrou num segundo, onde havia um leito com boa aparência. O estalajadeiro deu-lhe, então, uma boa-noite e retirou-se.

Ficando só, o mercador começou a despir-se e, depois de ter cuidadosamente fechado a porta, contou o dinheiro em ouro e cédulas bancárias, para certificar-se que não lhe faltava nada. E, para em tudo se acautelar, pôs debaixo do travesseiro a bolsa de ouro e a carteira com as notas. Depois, deitou-se, louvando a Providência pela proteção que lhe concedera. Sua satisfação era um tanto maior porque já estava a uma pequena distância de casa e, de agora em diante, se julgava fora de perigo. Deste modo, adormeceu e, em pouco tempo, dormia a sono solto.

Haviam decorrido duas horas quando o viajante foi acordado pelo frio. Abriu os olhos, viu a janela aberta e, ao mesmo tempo, um homem que pretendia entrar no quarto por aquela parte; mas o mesmo homem tornou a descer, repentinamente, para o pátio. Então, o mercador escutou muitas vozes, que pareciam consultar-se e, não duvidando que conspiravam contra a sua vida, escondeu-se debaixo da cama.

Tinha-se apenas escondido neste lugar, quando tornou a ver a mesma figura na janela. Mas, desta vez, não se retirou, e um homem alto e robusto saltou no meio do quarto.

O mercador sentiu que era chegada a sua última hora e encomendou sua alma a Deus. Mas, com grande surpresa sua, aquele que havia tomado por um assassino despiu-se, cambaleando.

— Com certeza, está embriagado — disse a si mesmo o viajante. — Terá bebido muito para sentir-se com coragem suficiente a consumar seu crime, e despe-se para se ver mais desembaraçado.

Mas suas conjecturas estavam erradas, porque, logo que o marmanjo se despiu, lançou-se no leito e não tardou em roncar de um modo que fazia tremer os vidros.

O mercador não sabia o que pensar de tudo isto e não foi sem novo susto que se determinou a sair debaixo do leito. Mas, mal fizera um leve movimento, ouviu um rumor no quarto contíguo. Quase ao mesmo tempo, viu a porta abrir-se, e o estalajadeiro e seu filho entraram cautelosamente no aposento.

—Não traga o candeeiro — disse o pai. — Tanto bastaria para acordá-lo.

— Que nada! — disse o filho. — Ele dorme a sono solto. Além disto, somos dois e ele está desarmado.

— Mas poderia gritar e alertar a vizinhança.

Neste ponto, o mercador foi mais que nunca persuadido de que seus dias estavam acabados.

A luz, como o estalajadeiro determinara, não passou do primeiro quadrante e a porta ficou aberta de tal forma que a claridade entrava pelo quarto, mas não chegava à cama.

O mercador pôde, portanto, ver os dois assassinos.

— Com força — disse o pai.

O mercador ouviu distintamente o rugido de uma faca entrando repetidas vezes no corpo do que dormia.

— Acabou? — perguntou o estalajadeiro, depois de um instante de silencio.

— Sim, e para mais segurança, eu o degolei.

— E o dinheiro?

— Aqui está uma bolsa, que parece bem recheada, e uma carteira, que achei debaixo do travesseiro.

— Vamos, vamos, não percamos tempo. Vá buscar a picareta e se encontre comigo na estribaria.

Saíram, e o mercador, que estava quase morto de medo, começou a respirar. Não obstante, esperou ainda algum tempo antes de sair do esconderijo. Quando julgou que o estalajadeiro e seu filho estariam ocupados na estribaria, saiu de baixo da cama, saltou pela janela, correu a toda a pressa para a cidade e, entrando no primeiro corpo de guarda que viu, participou o que lhe acabava de acontecer. Conduziram-no à casa do magistrado que, seguido de uma escolta suficiente, e conduzido pelo mercador, se dirigiu à estalagem, onde reinava o silencio mais profundo.

Cercaram a casa. Depois, o magistrado, alguns soldados e o mercador penetraram na estribaria, onde o estalajadeiro e seu filho se ocupavam em cavar, a toda pressa, uma cova.

 Os malfeitores ficaram tão espantados quando viram aquele que supunham ter assassinado que lhes foi impossível proferir uma palavra. Mas o estalajadeiro, restituído um tanto a si, olhou para o mercador e disse:

— Como o senhor ousa acusar-me de assassinato, se não lhe fiz mal algum?

— Não posso crer no que estou vendo — disse, de sua feita, o rapaz. — Quero tocá-lo com as minhas próprias mãos.

Porque o via desarmado, o mercador não teve dúvida em deixar-se apalpar. O assassino pôs-lhe a mão no corpo, parecendo procurar o lugar em que havia descarregado as punhaladas; e, depois, tocando-lhe a garganta, exclamou:

— É fora de dúvida que não causamos morte alguma. De que, então, nós somos acusados?

— Isto poderá ser prontamente esclarecido — disse o mercador.

Então, dirigiu-se com o magistrado, os soldados e os homicidas à barraca. Os assassinos pareciam tranquilos. Mas esta tranquilidade deu lugar ao horror quando avistaram na cama um corpo ensanguentado. Entretanto, o estalajadeiro teve a coragem de aproximar-se do cadáver para examiná-lo.

De repente, soltando um grito, exclamou:

— É meu filho. Foi o meu filho que assassinamos!

Então, caiu sem sentidos.

Ao ouvir o estrondo da queda, a estalajadeira, que ignorava aquele terrível atentado e suas consequências, levantou-se e correu ao local. Seu desespero foi tão violento que enlouqueceu imediatamente.

Soube-se, depois, que o filho mais velho do estalajadeiro havia passado a noite, na cidade, bebendo com os seus amigos. Achando-se embriagado, temendo mostrar-se em tal estado a seu pai, e não sabendo que havia um hóspede na casa, galgou a janela, como já havia feito muitas vezes. Primeiramente, a embriaguez o impediu de entrar no quarto: caíra e quisera ficar com um dos amigos. Mas estes insistiram em que entrasse em casa e o ajudaram a subir. O mercador compreendeu, então, tudo o que tinha visto e ouvido. Salvou a sua bolsa, sua carteira e a própria vida. E, alguns meses depois, os dois assassinos foram executados.

 

Tradução de autor desconhecido.

Fizeram-se adaptações textuais.

Fonte: “Museo Universal”, edição de 7 de julho de 1838. 


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