SEMPRE SE FEZ ASSIM - Conto Insólito - Dolo Espinosa
SEMPRE
SE FEZ ASSIM
Dolo Espinosa
Tradução de Paulo Soriano
Quando
o dragão dava um passo, o chão tremia. Quando saltava, o tremor era tão atroz que o príncipe tinha que
fazer um esforço sobre-humano para não perder o equilíbrio. Quando batia as
asas, um pequeno furacão obrigava o jovem guerreiro a agarrar-se a tudo o que
pudesse para não sair voando. Quando a fera exalava o seu hálito ardente, era
com grande dificuldade que o rapaz evitava acabar assado como uma galinha domingueira.
Quando
o príncipe desferia golpes após golpes, o dragão expelia fogo, tentando
evitá-los. Quando saltava, fintava e corria, a besta sofria por mover, rápida e
suficientemente, seu corpo gigantesco. Quando o guerreiro escapava por alguma estreita
fenda, o lagarto monstruoso sentia a frustração do comprador que via escapar o
bem cobiçado numa liquidação.
A princesa, de sua
torre, assiste à batalha.
Depois
de várias horas correndo, voando, esquivando-se, lançando fogo, saltando,
defendendo-se, agachando-se, desferindo e recebendo golpes, o dragão e o
príncipe se detêm.
Eles
se olham: o homem suando, o animal ofegando, ambos exaustos.
O
dragão, com a respiração agitada, língua de fora, garras nos joelhos, levanta
uma sobrancelha e fala:
—Essa
princesinha deve ser muito importante, não é mesmo?
O
príncipe, mais escarrapachado do que sentado no chão, diante da fera, olha para
ele com firmeza, coça a cabeça e, franzindo o cenho, responde:
—Hummm...
a verdade é que... mais ou menos.
—
Então, por que está lutando comigo?
—
Bem, é o que sempre se tem feito — responde o príncipe, com um encolher de
ombros. — Quando a você, parece, sim, muito interessado nisto tudo...
O dragão move suas asas
com ar pensativo e responde:
— Na verdade, não me
importo muito.
—
Então, por que está lutando comigo? — pergunta o príncipe, franzindo mais ainda
o já franzido cenho.
—
Não sei — responde o dragão, pensativo. Por que sempre se fez assim?
Príncipe e dragão ficaram
em silêncio.
Passado
algum tempo, e como se tivessem ajustado previamente, o príncipe e o dragão
ergueram os olhos para a princesa que, da torre, observava, um tanto perplexa, a
cena. Sim — pensaram —, ela era uma princesa. Sim — eles continuaram a pensar —,
ela era muito bonita. Sim — eles meditavam —, lutar pela princesa é o que
sempre se fez, mas... Após mais alguns segundos de meditação, o príncipe olhou
para a espada, que ainda segurava, e lentamente se levantou, metendo-a na
bainha. O dragão não tinha espada que abandonar, então se limitou a sacudir o
pescoço e as asas e alçar-se sobre as patas traseiras.
—
Você gosta de um bom vinho? — o príncipe perguntou ao dragão.
—
E quem não gosta? — o dragão respondeu ao príncipe.
—
Bem, eu o convido a tomar uma taça comigo.
— Que seja um barril.
— Trato feito.
E,
sem mais delongas, afastaram-se da torre e da princesa que, atônita, os viu caminhado
juntos, numa conversa amigável.
— Ei! — ela gritou. —Vocês não podem me deixar
assim!
Mas
o dragão e o príncipe já estavam muito longe para ouvi-la.
—
De qualquer maneira — a princesa suspirou, apoiando o queixo na mão, enquanto
observava o cair da noite —, ainda bem que a chave ainda está debaixo do tapete
onde eu a guardei.
Adorei essa reflexão sempre atual. Afinal, precisamos sempre nos questionar pq as coisas são do jeito que são, não é?
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