A FREIRA ENSANGUENTADA - Conto Clássico de Terror - Charles Nodier
A FREIRA
ENSANGUENTADA
Charles Nodier
(1780-1844)
Tradução de Paulo Soriano
Um
fantasma frequentava o castelo de Lindemberg, e isto o fazia inabitável.
Apaziguado, depois, por um santo homem, o espectro limitou-se a ocupar um único
cômodo, que permanecia constantemente fechado. Mas a cada cinco anos, no dia 5
de maio, precisamente a uma hora da manhã, o fantasma evadia-se de seu asilo.
Era
uma religiosa coberta por um véu e vestida com um hábito manchado de sangue.
Com uma mão a segurar um punhal e a outra uma lamparina acesa, descia a grande
escadaria, atravessava os pátios, saía pela porta principal, que, na ocasião,
oportunamente deixavam aberta, e desaparecia.
Aproximava-se
essa data misteriosa quando o enamorado Reymond recebeu a ordem de renunciar à
mão da jovem Agnes, a quem amava perdidamente.
Reymond
marcou um encontro e propôs à moça que fugissem. Agnes conhecia perfeitamente a
pureza do coração de seu amado para hesitar em segui-lo:
—
Dentro de cinco dias — disse-lhe ela —, a Freira Ensanguentada dará o seu
passeio. Abrirão as portas e ninguém se atreverá a interpor-se em seu caminho.
Com roupas apropriadas, que imitem as da freira, sairei sem ser reconhecida.
Esteja preparado, à minha espera, a certa distância...
Alguém
entrou nesse momento e os obrigou a separar-se.
Em
5 de maio, à meia-noite, Raymond se encontrava às portas do castelo. Uma carruagem
e dois cavalos o esperavam em uma caverna próxima.
As
luzes se apagam, cessam os ruídos, soa uma hora no relógio. O porteiro, seguindo
o antigo costume, abre a porta principal. Uma luz aparece na torre leste,
percorre uma parte do castelo, desce... Raymond divisa Agnes e reconhece o
vestido, a lâmpada, o sangue e o punhal. Aproxima-se. Ela se lança aos seus
braços. Leva-a, quase desfalecida, na carruagem. Parte com ela ao galope dos
cavalos.
Agnes
não dizia uma palavra.
Os
cavalos corriam até perder o fôlego. Dois postilhões, que trataram inutilmente
de retê-los, foram lançados à terra.
Nesse
momento, uma tempestade espantosa se levanta e os ventos, desprendidos,
sibilam. O trovão ruge em meio a uma miríade de relâmpagos. A carruagem,
desenfreada, quebra-se. Raymond cai sem sentidos.
Na
manhã seguinte, vê-se rodeado de camponeses que o chamam à vida. Ele lhes fala
de Agnes, da carruagem, da tempestade. Mas eles não viram nada, de nada sabem,
e Raymond está a mais de dez légua do castelo de Lindemberg.
Levam-no
a Ratisbonne. Um médico trata de suas feridas e lhe recomenda o repouso. O
jovem amante ordena mil inúteis buscas e faz centenas perguntas que ninguém
pode responder. Todos acham que ele perdeu a razão.
Entrementes,
o dia passa. A fadiga e o esgotamento conduzem-no ao sono. Dormia muito
agradavelmente quando o relógio de um convento vizinho, soando uma hora, o
acorda. Um horror secreto apodera-se dele. Os cabelos se lhe eriçam; o sangue
gela. A porta se abre com violência. E, ao clarão de uma lamparina, posta sobre
a lareira, vê que alguém avança: é a Freira Ensanguentada. O espectro se
aproxima, mira-o fixamente e se senta na cama, onde permanece durante uma hora
inteira.
O
relógio bate as duas horas. Então, o fantasma se levanta, segura a mão de
Raymond com seus dedos gelados e diz:
—
Raymond, eu sou tua. E tu és meu para sempre.
A
aparição saiu imediatamente, e a porta se fechou detrás dela.
Uma
vez livre do fantasma, ele grita, clama. As pessoas se persuadem cada vez mais
de que ele está louco. Seu mal se agrava e vãos são os auxílios da medicina.
Na
noite seguinte, a freira retorna, e suas visitas se repetem durante várias
semanas. O espectro, visível apenas para ele, não era percebido por nenhuma das
pessoas que dormiam em seu quarto.
No
entanto, Raymond soube que, na noite do encontro, Agnes havia saído
demasiadamente tarde, e o procurara inutilmente pelos arredores do castelo.
Assim, concluiu que aquela a quem havia raptado fora a Freira Ensanguentada.
Os pais de Agnes, que não aprovavam o seu romance,
aproveitaram-se da impressão que esta aventura causou no espírito da jovem para
obrigá-la a tomar os hábitos religiosos.
Finalmente,
Raymond foi libertado de sua aterrorizante companheira. Levaram à sua presença
um personagem misterioso, que estava de passagem por Ratisbonne. Introduziram-no
quarto do rapaz à hora em que a Freira Ensanguentada deveria aparecer. Esta
tremeu ao vê-lo e, após uma ordem do desconhecido, explicou o motivo de suas
inoportunas aparições: religiosa espanhola, ela havia abandonado o convento
para viver desregradamente com o senhor do castelo de Lindemberg. Infiel a seu
amante, da mesma forma que o fora a seu Deus, apunhalara o seu senhor.
Assassinada ela mesma por seu cúmplice, com o qual queria casar-se, seu corpo
permaneceu insepulto; a sua alma, sem asilo, errava há um século. Pedia um
pedacinho de chão para o seu corpo e orações para a sua alma. Raymond assim o prometeu,
e não mais tornou a vê-la.
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