EU, ROUBO - Conto de Ficção Científica - Emilio Vilaró

 



EU, ROUBO

Emilio Vilaró

Tradução de Paulo Soriano

 

Sou um ladrão comum, de pouca monta, algo melhor que um punguista e bem pior que Rififi ou Jesse James.

Mas tenho as minhas regras. Elas não me foram impostas: vieram do que acredito ser bom e justo, apesar do que eu sou:

1. Não roubo de quem tem menos do que eu.

2. Se, no que roubo, encontro coisas que não me servem, trato de devolvê-las.

3. Ao roubar, não destruo algo mais valioso do que aquilo que levo.

***

O interessante é que, ao ser assim — ou seja, baseando-me nestas leis —, não tenho problemas com os meus “clientes”.

***

No ano de 2045, a sociedade havia chegado ao seu máximo perfeccionismo, e, portanto, a um incrível e tedioso estado. Todos os encantos de tempos passados haviam desaparecido: os acidentes e enfermidades já não mais existiam, mas, lamentavelmente, tampouco havia os vigias, os ladrões, os pregoeiros, os amoladores etc. A vida é agora uma constante mesmice, sem atrativo algum, e isto provoca muitos suicídios. Para atenuar esta situação, decidiu-se criar uma associação chamada “Tempos Passados”.

Seriam vários grupos de pessoas que exerceriam as funções e fariam os trabalhos que outrora eram realizados, mas que já não existiam. Ou seja: tratava-se de converter as cidades em parques de atrações para devolver a alegria a esta humanidade tão entediada. Uma obra colossal, que levaria muito tempo.

Eu escolhi, dentre estes grupos, o ofício de ladrão.

Os ladrões que integram este grupo não têm que devolver o que roubam. Nosso departamento argumenta que, se devolvêssemos o que fosse espoliado, as pessoas se acostumariam a ser menos precavidas e perderiam o encanto de ser roubadas.

O resultado seria a despreocupação com o que lhe poderia acontecer se andasse descuidadamente pelas ruas ou, se deixasse a porta aberta, com quem pudesse entrar em sua casa. 

A profissão de policial é outra que desapareceu, mas ainda não foi incorporada à Associação, pois ninguém nos apressa. O quão interessante será essa etapa, em que os policiais correrão em nosso encalço!

Como as pessoas sabem que não há perigo físico nesses roubos, tornamo-nos amigos. Jamais me pedem que eu devolva o que lhes foi roubado, e me apresentam às suas famílias como “o que nos roubou”.  Explicam a seus colegas como é deveras rara e excitante a experiência de ser roubado. Às vezes me perguntam: “por onde devo passar para que logre ser roubado por você?”.

É compreensível que os androides usem os humanos para estes ofícios, a fim de mais fielmente reproduzir estes velhos tempos. Somos seus escravos e parecemos muitos reais e folclóricos nas cidades de robôs.

 

 

 

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