O EREMITA DE SAINT BONNOT - Narrativa Clássica de Terror - Sabine Baring-Gould
O EREMITA DE
SAINT BONNOT
Sabine Baring-Gould
(1834–1924)
Tradução de Paulo Soriano
Num
recanto remoto, próximo ao Amanges, meio envolto nas árvores, havia um pequeno
casebre da mais rústica construção: o telhado era de turfa e as paredes
tisnadas de líquen. Tinha o jardim devastado, assim como a cerca que o cingia. Como
a cabana muito distava de qualquer estrada, e só se chegava a ela por um
caminho que cruzava as charnecas e as florestas, raramente era visitada, e o
casal que a habitava não era nada inclinado a fazer novo amigos.
O
homem, Gilles Garnier, era um sujeito sombrio e de mórbida aparência, que
caminhava numa postura curvada, e cujo rosto pálido, tez lívida e olhos fundos,
recuados sob um par de sobrancelhas espessas, que se uniam na testa, eram bastantes
a repelir quem quer que o procurasse. Gilles raramente falava e, quando o fazia,
era no mais rude dialeto de sua região. Sua longa barba gris e seus hábitos
reclusos lhe renderam o nome de Eremita de St. Bonnot, embora não houvesse quem
lhe atribuísse qualquer porção extraordinária de santidade.
Ninguém
jamais suspeitara do Eremita até que, certa feita, os gritos de uma criança e o
uivo profundo de um lobo atraíram a atenção de alguns camponeses de Chastenoy
que, caminhando pela floresta, retornavam do trabalho.
Quando
correram na direção de onde vinham os gritos, encontraram uma garotinha a se
defender de uma criatura monstruosa, que a atacava com unhas e dentes, e já a
havia ferido gravemente em cinco lugares.
Assim
que os camponeses chegaram, a criatura fugiu de quatro, correndo para a
escuridão do matagal. Lá se fazia tão escuro que não era possível distinguir o
que seria aquela fera. Enquanto alguns afirmavam que a criatura era um lobo,
outros pensavam ter reconhecido em suas feições o rosto do eremita. Isto
aconteceu no dia 8 de novembro.
No
dia 14, um menino de dez anos de idade, que havia sido visto pela última vez a
uma curta distância dos portões de Dole, desapareceu.
Então,
o eremita de S. Bonnot foi preso e levado a julgamento em Dole. Foi quando as
seguintes evidências — corroboradas, em muitos detalhes, por testemunhas — foram
obtidas dele e de sua esposa.
No
último dia Festa de São Miguel, sob a
forma de um lobo, a uma milha de Dole, na fazenda de Gorge, um vinhedo
pertencente a Chastenoy, perto da floresta de La Serre, Gilles Gamier atacou
uma pequena donzela, de dez ou doze anos de idade, e a matou com seus dentes e
garras. Ele a atraíra para o bosque, onde a despiu, roeu a carne de suas pernas
e braços, e tanto apreciou aquela refeição que, inspirado pelo afeto conjugal, levou
um pouco da carne para a sua esposa Apolline.
Oito
dias após a festa de Todos os Santos, novamente na forma de lobisomem, ele
capturou outra garota, perto da campina de La Pouppe, no território de Athume e
Chastenoy, e já estava a ponto de matá-la e devorá-la, quando três pessoas
surgiram, e ele foi obrigado a fugir.
No
décimo quarto dia depois de Todos os Santos, também convertido lobo, ele atacou
um menino de dez anos, a uma milha de Dole, entre Gredisans e Menoté, e o
estrangulou. Naquela ocasião, ele comera toda a carne das pernas e braços do
garoto e, também, lhe devorara grande parte do ventre. Com suas presas, havia
arrancado do tronco, completamente, uma das pernas do garoto.
Na
sexta-feira antes da última festa de S. Bartolomeu, ele agarrou um menino de doze ou treze anos, sob uma
grande pereira, perto da mata da aldeia Perrouze, e, arrastando-o para o
bosque, o matou, com a intenção de comê-lo, como o fizera a outras crianças. A aproximação
de uns homens, contudo, o impediu de realizar o seu intento. No entanto, o menino já estava morto há algum
tempo, e os homens, que o surpreenderam, declararam que a aparência de Gilles era
a de um homem, não a de um lobo.
O
eremita de Saint Bonnot foi condenado a ser arrastado para o local da execução
pública, e aí ser queimado vivo. A sentença foi rigorosamente executada.
Neste
caso, o pobre maníaco acreditava plenamente que a transformação em verdadeiro
lobo de fato ocorria; ele parecia perfeitamente racional em outros aspectos, e
bastante consciente dos crimes que havia cometido.
Comentários
Postar um comentário