OS ESPECTROS DE VILLANUEVA - Narrativa Clássica de Terror - Antonio de Torquemada

 


OS ESPECTROS DE VILLANUEVA

Antonio de Torquemada

(1507 – 1569)

 

Um caso muito notável aconteceu há pouco mais de trinta anos, a duas léguas de onde estamos, em um lugar chamado Fuentes de Ropel, onde vivia um ilustre e nobre fidalgo, cujo nome era Antonio Costilla.  Ademais, posso eu testemunhar que ele era um dos homens mais valentes e corajosos que havia em toda esta terra, pois eu o vi em alguns combates e rebeliões de mui grande perigo, dos quais se ele saiu com enorme valentia e coragem.  E porque ele era um homem que não aceitava desaforos, não era benquisto por certas pessoas; assim, estava sempre alerta.

Certo dia, ele saiu de casa, montado num ótimo cavalo, com uma lança gineta na mão, e marchou para um lugar chamado Villanueva, onde esteve ocupado, a tratar de seus negócios, até o anoitecer. Já era muito tarde quando resolveu voltar para casa.

À saída do lugar, havia um eremitério, guarnecido de grades de madeira na frente, em cujo interior uma lamparina permanecia acesa. Antonio Costilla julgou  que não deveria passar diante do eremitério sem rezar. Assim, montado em seu cavalo, aproximou-se e começou a dizer suas orações.

Enquanto vislumbrava o eremitério, observou que, de seu interior, saíam três vultos, que pareciam emergir das entranhas da terra e alcançar o teto. Lá, os espectros permaneceram imóveis.

O fidalgo olhou as aparições por algum tempo. Os seus cabelos eriçaram-se. Um tanto atemorizado, entornou as rédeas de cavalo e pôs-se a cavalgar. Mal ergueu os olhos, viu aquelas três aparições que, juntas, estavam à sua frente e pareciam acompanhá-lo. Encomendando-se a Deus e persignando-se muitas vezes, manobrou o cavalo de um lugar a outro, mas os espectros continuaram a persegui-lo, seguindo sempre diante de seus olhos.

Vendo isto, arremeteu o cavalo, com a lança em punho, contra as aparições, como se quisesse feri-las. Mas as visões pareciam se mover e caminhar no mesmo compasso em que ele conduzia o cavalo; pois, se ele andava, elas andavam; se ele corria, elas corriam; e, se ele ficava parado, elas também não se moviam. E tudo isso sem que se apartassem, de modo que ele foi obrigado a levá-las consigo até a própria casa, que tinha um grande curral e um pátio na frente.

Desdeu do cavalo, abriu a porta e entrou. Na casa, encontrou à sua frente as mesmas visões e, desta forma, chegou à porta de um aposento onde estava a  sua esposa. Batendo, a porta se abriu, e, quando ele entrou, as visões desapareceram. Mas ele estava tão perturbado, desfalecido e lívido que sua esposa teve por certo que lhe acontecera alguma desgraça com seus inimigos. E como a mulher lhe perguntava o que ocorrera, sem, contudo, entender o que ele lhe dizia, mandou chamar um grande amigo do marido, um homem ilustre e letrado.

Tendo o amigo chegado e encontrando-o tão abalado que parecia quase morto, insistiu-lhe enfaticamente que lhe contasse o que lhe havia sucedido. Antonio Costilla contou-lhe em particular, e o amigo, como homem prudente, disse-lhe muitas coisas, persuadindo-o a perder o medo que, visivelmente, o subjugava. Assim, fê-lo jantar e, depois de lavá-lo ao quarto e o deixá-lo deitado na cama com uma vela acesa, partiu para descansar e dormir.

Assim que o amigo saiu, Antonio Costilla pôs-se a gritar tão alto — pedindo ajuda —, que todos da casa retornaram ao quarto onde ele estava. Disse aos presentes que, enquanto o haviam deixado sozinho, chegaram aquelas visões que, cavando a terra do chão com as suas mãos, jogaram-na sobre os olhos e o cegaram. E a verdade era que estava ele quase cego. E assim, desde então, não o deixaram um momento sem estar em boa companhia. Mas nada disso laborou em seu proveito porque, ao cabo do sétimo dia, sem febre ou qualquer outro incidente, veio ele a falecer.

Tradução de Paulo Soriano

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