NA FLORESTA DE VILLEFÈRRE - Conto Clássico de Terror - Robert. E. Howard
NA FLORESTA DE
VILLEFÈRRE
Robert. E. Howard
(1906 — 1936)
Tradução de Paulo Soriano
Diziam os aldeões que
um lobisomem habitava a floresta de Villefèrre. À noite, um mensageiro atrai a
perigosa companhia, naqueles bosques sombrios, de um ente misterioso e
assustador. “Na Floresta de Villefèrre” é uma breve história de lobisomens —
que tem no conto longo “Cabeça de Lobo” a sua continuação — de Robert E. Howard
(1906 — 1936), um ás do terror e da fantasia, conhecido sobretudo pela sua mais
notável criação: Conan o Bárbaro. Amigo de admirador de Lovecraft, Howard criou
o gênero “espada e feitiçaria”, exercendo significativa influência em J. R. R.
Tolkien e George R. R. Martin. Howard suicidou-se aos 30 anos de idade.
O
Sol se punha. As imensas sombras se alongavam rapidamente pela floresta.
Naquele estranho crepúsculo de um dia de final de verão, eu vi, à minha frente,
a sinuosa senda que desaparecia entre árvores imensas. Eu estremeci e olhei por
sobre o ombro, amedrontado. O vilarejo mais próximo situava-se milhas atrás; o
seguinte, milhas à frente.
Seguindo
o caminho, olhei para a esquerda e para a direita e, depois, para trás. Então
parei, levando a mão ao florete, ao escutar o ruído de galhos quebrando, o que
indicava a presença de algum pequeno animal. Ou seria uma fera?
Mas
a senda continuava e eu seguia em frente, pois era tudo o que eu podia fazer.
Enquanto
avançava, pensava: “Minha própria imaginação há de me desorientar, se eu não
estiver atento. O que pode haver nesta floresta senão as criaturas que a povoam
habitualmente, como cervos e outros animais de mesmo gênero? Para longe de mim
todas estas lendas tolas dos aldeões”.
Assim,
continuei a caminhar, enquanto o crepúsculo desaparecia e era substituído pelas
trevas. As estrelas puseram-se a cintilar e as folhas das árvores murmuravam,
impelidas pela brisa suave. De repente, estaquei, segurando a espada.
Justamente à minha frente, por trás de uma curva na trilha, alguém cantava.
Eu
não conseguia compreender as palavras, mas aquele sotaque era estranho, quase
bárbaro.
Escondi-me
rapidamente detrás de uma grande árvore. Um suor frio escorreu de minha fronte.
O cantor não tardou a aparecer. Era um homem alto e magro, cuja fisionomia era
pouco perceptível ao crepúsculo. Dei de ombros. Nada tinha a temer de um homem.
Saltei de meu esconderijo com a espada em riste.
—
Alto lá!
O
homem não demonstrou a mínima surpresa.
—
Por favor, amigo — disse —, cuidado com essa espada!
Um
tanto envergonhado, abaixei a arma.
—
Eu sou novo nesta floresta — disse, à guisa de desculpa. — Ouvi falar de
salteadores. Peço-lhe perdão. Onde fica a trilha que leva a Villefère?
—
Cobleu[1],
você errou o caminho! — respondeu ele. — Deveria ter tomado a bifurcação da
direita. Você passou por ela há pouco. Sigo para lá. Se aceitar a minha
companhia, eu o guiarei.
Hesitei.
No entanto, por que deveria hesitar?
—
Claro que sim. Chamo-me Mantour. Sou da Normandia.
—
Eu sou Carolus le Loup.
—
Não! — exclamei, dando um passo atrás.
Ele
me olhou, surpreso.
—
Perdoe-me — disse-lhe. — Esse nome é estranho. Loup não significa lobo?
—
A minha família sempre foi de grandes caçadores — ele respondeu.
Ele
não me ofereceu a mão em cumprimento.
—
Perdoe o meu assombro — disse, enquanto descíamos o caminho — , mas eu quase
não consigo enxergar o seu rosto nesta penumbra.
Senti
que ele sorria, embora não emitisse som algum.
—
Pouco há o que seF visto — ele respondeu.
Aproximei-me.
Mas dei um salto para trás, enquanto os meus cabelos se eriçavam.
—
Uma máscara! — exclamei. — Por que usa uma máscara, monsieur?
—
É um voto — ele explicou. — Fugindo de uma matilha de cães, jurei que, se
escapasse, usaria uma máscara durante certo tempo.
—
Cães, monsieur?
—
Lobos — ele replicou rapidamente. — Eu disse lobos.
Caminhamos
em silêncio por algum tempo e, em seguida, o meu companheiro disse:
—
Surpreende-me que ande nesta floresta à noite. Poucas pessoas se aventuram por
estes caminhos, mesmo durante o dia.
—
Tenho pressa em alcançar a fronteira — respondi. — Um tratado foi assinado com
os ingleses e o duque de Borgonha precisa saber disto. Os aldeões tentaram
dissuadir-me. Eles me falaram de... um lobo que, supostamente, vagueia por esta
floresta.
—
É aqui que se bifurca o caminho e se abre a senda para Villefère — disse ele, e
eu pude ver um sendeiro estreito e sinuoso, que não percebera bem há pouco,
quando passei. A trilha desaparecia na escuridão das árvores. Estremeci.
—
Prefere voltar à aldeia?
—
Não! — exclamei. — Não, não! Mostre-me o caminho.
A
senda era tão estreita que tivemos que caminhar em fila, seguindo ele à frente.
Eu o examinei atentamente. Era alto, muito mais alto que eu, magro e rijo.
Vestia roupas que me pareciam espanholas. Um longo florete pendia de sua
cintura. Caminhava com passos largos e ágeis, sem fazer barulho.
Em
seguida, ele começou a falar de suas viagens e aventuras. Falou de muitas
terras e mares que havia visto e de muitas coisas estranhas. E assim, enquanto
conversávamos, nós nos embrenhávamos cada vez mais na floresta.
Presumi
que ele seria francês. Entretanto, tinha ele um sotaque muito estranho. Não era
um sotaque francês, espanhol ou inglês, e nem mesmo se parecia com o de
qualquer língua que eu já tivesse ouvido. Algumas palavras eram por ele
articuladas estranhamente e outras ele sequer conseguia pronunciar.
—
Este caminho não é usado com frequência, não é mesmo? — perguntei.
—
Realmente, não muito — ele respondeu, sorrindo silenciosamente.
Estremeci.
Estava tudo muito escuro e as folhas sussurravam nos galhos.
—
Um demônio habita estas florestas — eu disse.
—
É o que afirmam os aldeões — respondeu. — Mas eu, que já andei por estes
bosques muitas vezes, nunca vi a sua face.
Começou
a falar, então, das estranhas criaturas das trevas. A Lua ascendia e as sombras
deslizavam entre as árvores. Ele olhou para a Lua.
—
Vamos rápido! — disse. — Temos que chegar ao nosso destino antes que a Lua
atinja o zênite.
Apertamos
o passo ao longo da trilha.
—
Dizem — falei — que um lobisomem assombra esta floresta.
—
É possível — ele respondeu. E discutimos longamente sobre o assunto.
—
Dizem as velhas senhoras — prosseguiu — que, se matamos um lobisomem sob a
forma de lobo, só então ele estará verdadeiramente morto. Mas, se o matamos sob
a forma humana, a sua meia-alma assombrará para sempre quem o matou. Mas,
apresse-se. A Lua está se aproximando do apogeu.
Chegamos
a uma pequena clareira iluminada pelo luar. O desconhecido parou.
—
Descansemos um pouco — disse ele.
—
Não. Vamos em frente — insisti. — Não gosto deste lugar.
Ele
riu silenciosamente.
—
Por quê? — disse ele. — Ora, é uma clareira aprazível. Tão agradável quanto uma
sala de banquetes. Já me diverti várias vezes neste lugar. Ha, ha, ha! Olhe,
vou lhe mostrar uma dança.
E
se pôs a saltar de um lado para o outro, jogando para trás a cabeça e rindo em
silêncio. Pensei comigo mesmo que aquele homem era louco.
Enquanto
prosseguia em sua dança ensandecida, olhei ao meu redor. A senda não prosseguia
em canto algum. Terminava ali mesmo, na clareira.
—
Venha — disse ele. — Sigamos adiante. Temos que continuar. Não está sentindo um
ranço, um cheiro de pelos, que paira sobre a clareira? Aqui é um covil de
lobos. Talvez estejam bem perto daqui, esgueirando-se para atacar agora mesmo.
Então
ele se pôs de quatro, saltou mais alto que minha cabeça, e veio em minha
direção com um estranho movimento furtivo.
—
Este bailado chama-se a Dança do Lobo — disse ele.
Meus
cabelos se eriçaram.
—
Não se aproxime! — exclamei.
Dei
um passo para trás. Com um terrível grito, que reverberou por todo o bosque,
ele saltou sobre mim. Embora trouxesse uma espada na cintura, ele não a sacou.
O meu florete já estava meio desembainhado quando ele agarrou o meu braço e me
lançou por terra violentamente.
Eu
o arrastei comigo e fomos juntos ao chão. Soltando uma das mãos, arranquei a
máscara. Um grito de terror escapou de meus lábios. Por trás da máscara, olhos
de fera brilhavam, e presas brancas reluziam à luz da Lua. Aquela cara era a de
um lobo.
Em
um instante, aquelas presas estavam em minha garganta. Mãos em garras
arrancaram o florete que eu segurava. Esmurrei aquela cara hedionda com os
punhos cerrados, mas as suas mandíbulas cravavam-se firmemente em meu ombro e
as suas garras arranhavam a minha garganta. Eu estava de costas. O mundo
esvanecia. Golpeei cegamente. Minha mão caiu e se fechou automaticamente sobre
o cabo da adaga, aonde eu não fora antes capaz de chegar. Saquei a arma e
desferi um golpe. Um grito terrível — semianimalesco — retumbou. Eu me ergui,
cambaleando. Aos meus pés, jazia o lobisomem.
Abaixei-me,
recolhendo a adaga. Depois parei, erguendo a vista. A Lua pairava no céu, quase
no zênite. Se eu tivesse matado a criatura sob a sua forma humana, seu
terrível espírito me assombraria para sempre. Sentei-me, esperando. Aquela
coisa me olhava com seus olhos flamejantes de lobo. Os longos e rijos membros
pareciam encolher-se, encurvando-se. Pelos pareciam crescer sobre eles. Temendo
enlouquecer, apoderei-me da espada da própria coisa e cortei-a em pedaços.
Depois, arremessei bem longe a espada e fugi.
Incrível!! Obrigado por postat
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