DEPOIS DA PALESTRA ... - Conto de Terror - Hervé Suys
DEPOIS DA
PALESTRA ...
Hervé Suys
(Ronse, Flandres, Bélgica)
Tradução de Paulo Soriano
A
história que estou vou contar teve início numa noite sem nuvens.
Voltei
de uma palestra a convite do Het Genootschap[1]. Como
eu não era membro há vários anos, senti-me muito honrado por não se terem esquecido
de mim e por ainda apreciarem o meu trabalho.
A
caminho a palestra, tive que lidar com vários desvios de tráfego, e cheguei
apenas a tempo da reunião introdutória. Então perguntei ao pretor, que conhecia
aquela região melhor do que eu, se ele poderia me recomendar um local mais
fácil e curto por onde voltar dirigindo.
A
princípio, ele sugeriu que eu poderia pernoitar em sua casa, com ele e sua
família, mas eu não sentia vontade de passar a noite fora.
Inventei
uma desculpa, dizendo-lhe que tinha alguns animais de estimação e que eles precisavam
ser alimentados. O pretor deu-me algumas instruções, um tanto confusas, que
anotei cuidadosamente, registrando uma série referências, como uma fazenda
abandonada ou as ruínas de uma capela.
Fiquei
muito surpreso quando cheguei a um cruzamento ferroviário no caminho de volta.
A cancela do meu lado da pista estava abaixada e duas grandes luzes vermelhas
piscavam sem parar. Não podia imaginar que o pretor tivesse esquecido de
mencionar esta travessia ou que eu tivesse perdido esta parte da descrição.
Calculo
que estive parado, em frente à passagem de nível fechada, por vários minutos,
antes de ver duas luzes se aproximando no espelho retrovisor. Um momento
depois, um veículo parou logo atrás do meu. O motorista, um homem que parecia
ser uma dúzia de anos mais novo do que eu, porém bem mais alto, desceu
imediatamente. À luz que vinha da porta aberta, notei uma mulher de cabelos escuros e um tanto compridos. Não sei se por causa os óculos que ela usava, mas
em seus olhos vi uma mistura de medo e descrença.
O
homem olhou em volta, espantado, e já ia dizer algo, quando um segundo carro se
aproximou. Suas palavras, nem me lembro mais se em alto tom, se perderam nas
buzinas do outro veículo. Dois homens saíram deste último automóvel.
Um
deles — creio que o passageiro — saiu do carro e tomou, resolutamente, a esquerda,
passando pela cancela. Olhou várias vezes para a direita e para a esquerda,
como uma criança que para ansiosa na calçada e não se atreve a atravessar a rua
deserta. Então, subiu nos trilhos, virou-se para nós e encolheu os ombros,
indicando que nada havia de errado.
Aquele
foi o último movimento que eu o vi fazer, porque, no instante seguinte, uma luz
intensa brilhou na altura de seu ombro, e, sem produzir um ruído, passou da
esquerda para a direita. Não constatamos a passagem de locomotiva ou vagão, mas
o homem sumira. Seu companheiro — provavelmente o motorista — caminhou também para
os trilhos, procurando o que restava do homem. O nome que ele gritou me escapa
neste momento, mas foi a primeira e, também, a última coisa que eu o ouvi pronunciar,
porque uma luz semelhante à anterior brilhou novamente, e desta vez pareceu-me
que passava na outra direção.
Eu
estava estarrecido. O homem do primeiro carro aproximou-se de mim e, por um
momento, pousamos as mãos na cancela e fitamos os trilhos do trem. Ele gaguejou
que trem algum poderia passar por ali. Garantiu que havia feito esse percurso
no dia anterior. Queria dar uma olhada
mais de perto, quando a mulher de cabelo escuro saiu e gritou seu nome.
Ele
se virou na direção da mulher e ordenou-lhe, com firmeza, que voltasse para o carro.
Não
me lembro exatamente o que aconteceu a seguir e não consigo dizer exatamente
quantos eram, mas, nos momentos seguintes, vários automóveis chegaram. Em
poucas palavras, tentamos explicar o que havia acontecido. Obviamente, a
princípio, eles nos olharam com desconfiança; mas, quando chamamos a atenção
para a ferrovia, que de repente parecia adquirir um brilho crescente, todas as
tentativas de ridículo desapareceram.
Algo
precisava ser feito, isto era indiscutível. Alguns se espalhariam para buscar
ajuda. Como disse antes, eu não conheço bem essa região, por isto sugeri ficar
no local para alertar os novos motoristas. Tão logo partiram em busca de ajuda,
um jovem, que estava num carro esporte reluzente, ignorou minhas palavras e
tentou atravessar a ferrovia. O carro não fez o menor ruído quando a luz branca
passou.
Enquanto
isso, a escuridão amplia-se gradativamente. Não há nenhum carro do outro lado
da ferrovia e nenhuma alma viva à vista. Quando olho para trás, parece que o
horizonte está desaparecendo lentamente. Eu mesmo tento entender: o limiar do
horizonte está se aproximando. Onde se podia observar, há apenas um momento, um
moinho de vento, agora posso detectar apenas um céu azul. Se eu não soubesse bem,
e não tivesse consciência do absurdo dos meus pensamentos, pensaria que a terra
está desaparecendo lentamente.
Vou
colocar estas folhas de papel em uma garrafa d’água vazia e, depois, jogá-la
para o outro lado da ferrovia. Espero que você, que lê esta mensagem, leve-a a
sério e nos envie ajuda antes que seja tarde demais.
***
Eu encontrei esta carta ao amanhecer, diante deste cruzamento fechado. Deste lado, a cancela está para baixo, e duas luzes vermelhas estão piscando continuamente. Mas eu não consigo ver o outro lado, parece que a terra termina aqui. Estranho, porque eu tenho certeza de que trem algum passa por aqui...
Ilustração de Vince
Delhaye.
[1] “A
Sociedade”, em holandês;
Adorei.
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