OS CORVOS ESCARNECEDORES - Conto Clássico de Terror - James Mooney
OS CORVOS
ESCARNECEDORES
(Lenda Cheroqui)
James Mooney
(1861 – 1921)
Tradução de Paulo Soriano
Dentre
todos os bruxos ou bruxas cheroquis, o mais temido é o Corvo Escarnecedor
(Kâ′lanû Ahyeli′skĭ), aquele que rouba a vida do moribundo. São de ambos os
sexos e não há como distingui-lo, embora geralmente pareçam enrugados e velhos,
porque acrescentaram muitas vidas às suas.
À
noite, quando alguém está doente ou morrendo no assentamento, o Corvo Escarnecedor
vai até o local para tirar-lhe a vida. Ele avança pelo ar em forma de fogo, com
os braços estendidos como asas, extraindo faíscas atrás de si, e produzindo, em
seu voo, um ruído furioso, como o de um vendaval.
De
vez em quando, enquanto voa, ele solta um grito semelhante ao de um corvo
quando "mergulha" no ar (não como o grito comum dessa ave), e aqueles
que o ouvem tremem de medo, porque sabem que a vida de alguém em breve acabará.
Quando
o Corvo Escarnecedor chega numa cabana, perto dela outros de sua espécie o
aguardam e — salvo se houver um xamã de sentinela, que saiba como afastá-lo —
reúne-se ao demais. Invisíveis, entram no recinto e assustam e atormentam o
doente até matá-lo. Às vezes, para fazê-lo, eles até levantam o enfermo da cama
e o jogam no chão. Os companheiros do doente, contudo, acham que ele apenas
luta por respirar.
Depois
que os bruxos o matam, tiram seu coração e o comem, e assim acrescentam às suas
próprias vidas tantos dias ou anos quantos eram os da pessoa falecida.
Ninguém
na cabana pode vê-los, e no lugar de onde tiraram o coração não ficam
cicatrizes, embora já não haja no corpo coração. Só quem tem a sabedoria
adequada pode reconhecer um Corvo Escarnecedor, e se algum sábio permanece no
quarto com o doente, esses feiticeiros, temerosos em entrar, recuam assim que o
veem, porque, se alguém os reconhece em sua forma real, morrerá inexoravelmente
em sete dias.
Havia
um homem, chamado Gûñskăli′skĭ, que tinha esta aptidão e costumava caçar Corvos
Escarnecedores, matando vários. Quando os amigos de um moribundo sabem que não
há mais esperança, sempre procuram fazer com que um desses xamãs fique em casa
e vigie o corpo até que seja enterrado.
Outros
bruxos, que têm inveja dos Corvos Escarnecedores, temem entrar nas cabanas onde
aqueles já estejam. Certa vez, um homem
sábio zelava por um homem doente e viu esses outros bruxos do lado de fora,
tentando entrar. De repente, ouviu-se um Corvo Escarnecedor gritar no alto e os
bruxos de outra espécie se espalharam “como um bando de pombos quando o falcão
se lança contra eles”. Quando finalmente
um Corvo Escarnecedor morre, esses bruxos invejoso às vezes se vingam,
desenterrando o corpo e vilipendiando-o.
O
seguinte é relatado na reserva cheroqui[1]
como um acontecimento real:
Um
jovem, que tinha saído em uma jornada de caça, e já estava a caminho de casa,
foi surpreendido pelo crepúsculo, quando ainda estava muito longe da aldeia.
Ele
sabia de uma cabana, que ficava não muito longe daquela trilha, na qual morava
um velho e sua esposa. Então caminhou em direção à cabana, em busca de um lugar
para pernoitar.
Quando
chegou à cabana, viu que nela não havia ninguém. Procurou-os no âsĭ[2],
mas também não os viu ali. Imaginou que
os moradores talvez tivessem ido buscar água. Então, deitou-se num canto mais
distante para dormir.
Logo,
o jovem ouviu o grito de um corvo, e, pouco depois, o velho entrou no âsĭ e
sentou-se perto do fogo, sem notar a presença do jovem, que ficara quieto no
canto escuro.
Logo,
ressoou outro grito de corvo, vindo de fora, e o velho disse a si mesmo:
—
Minha esposa está chegando.
Isto
era certo, porque, pouco depois, a velha senhora entrou e sentou-se ao lado de
seu marido.
Então,
o jovem soube que eles eram Corvos Escarnecedores e ficou assustado e quieto em
seu lugar.
Disse
o velho para a esposa:
—Bem,
você teve sorte?
—
Sorte alguma — respondeu a mulher. — Havia muitos sábios assistindo o
doente. E você, teve sorte?
—
Consegui o que queria — disse o velho. — Não há razão para o fracasso, mas você
nunca tem sorte. Pegue isto e cozinhe e vamos comer alguma coisa.
A
mulher acendeu o fogo. O jovem sentiu o cheiro de carne assando e a fragrância
lhe pareceu mais adocicada do que qualquer carne que já havia provado. Então,
espiou pelo canto do olho e o que viu se assemelhava ao coração de um homem
assando em um espeto.
De
repente, a velha disse ao marido:
— Quem está ali no canto?
—
Ninguém — disse o velho.
—Sim,
há alguém ali — disse a velha. — Ouço-lhe a respiração.
Ela
atiçou as brasas até que o fogo ganhou vida e iluminou todo o lugar. E lá
estava o jovem deitado no canto.
Ele
permaneceu quieto e fingiu estar dormindo.
O
velho fez um barulho ao lado do fogo para acordá-lo, mas, mesmo assim, o rapaz
fingiu dormir. Então o velho se aproximou e o sacudiu. O jovem se sentou e
esfregou os olhos, como se estivesse dormindo o tempo todo.
Já
amanhecia e a velha estava na outra casa, preparando o café da manhã. Mas o
caçador podia escutá-la, a chorar sozinha.
—
Por que sua esposa está chorando? — perguntou ao velho.
—
Oh, ela perdeu alguns de seus amigos recentemente e se sente solitária! — disse seu marido; mas o jovem sabia que ela
chorava porque os ouvira conversando.
Quando
terminaram o desjejum, o velho colocou uma tigela de mingau de milho diante do
jovem caçador e disse:
— Isto é tudo o que temos; faz muito tempo que
não comemos carne.
Depois
do desjejum, o jovem retomou o seu caminho. Todavia, quando se afastou um
pouco, o velho correu atrás dele com uma bela peça de miçangas e entregou a
ele, dizendo:
—
Pegue isto e não conte a ninguém o que você ouviu ontem à noite, porque minha
esposa e eu estamos sempre brigando dessa maneira.
O
jovem pegou a peça, mas, quando chegou ao primeiro riacho, jogou-a na água.
Depois, seguiu para a sua aldeia. Lá chegando, contou toda a história, e um
grupo de guerreiros voltaram com ele para matar os Corvos Escarnecedores.
Quando,
à noite, chegaram ao local, fazia sete dias que o jovem caçador vira o casal de
Corvos Escarnecedores em sua forma natural. Assim, encontraram o velho e sua
esposa já mortos em sua cabana. Então eles atearam-lhe fogo e queimaram-na
juntamente com o casal de bruxos.
[1] A reserva
indígena ficava, então, no que hoje é o Estado do Okhahoma. (N. do T.)
[2] Tenda
calafetada e ocasional alojamento de inverno dos cheroquis e de outras tribos
do Sul. Consistia em uma estrutura baixa de troncos cobertos de terra, e, por
sua proximidade e pela capacidade de manter o fogo ardendo em seu interior, era
conhecida pelos velhos comerciantes como “a casa quente”. (N. do A.)
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