A PEQUENA BRUXA DE PRÉSEAU - Narrativa Clássica de Horror - Arthur Dinaux
A PEQUENA BRUXA
DE PRÉSEAU
Arthur Dinaux
(1795 – 1864)
Tradução de Paulo Soriano
Uma
jovem — porque é preciso observar que quase todos os personagens acusados de
bruxaria pertencem ao sexo mais fraco, que parece chamado, em várias ocasiões,
a substituir a força pela astúcia — uma jovem, portanto, chamada Marie Carlier,
nasceu em 1630, na pitoresca aldeia de Préseau (Norte), localizada entre as
cidades de Valenciennes e Quesnoy.
A
mãe morava numa modesta casinha, à sombra das altas muralhas do antigo castelo,
outrora propriedade das ilustres casas de Mérode e Beaufort. Essa mulher, de cujo
marido não se sabia, tinha fama de feiticeira na região. A pequena Marie
deveria ter sido, assim, uma bruxa puro-sangue. Ela foi, de acordo com os
habitantes locais, iniciada bem cedo nos segredos da magia e mistérios
satânicos.
Num
sábado, em 20 de novembro de 1639, a jovem Marie, então com 9 anos, voltando
com sua mãe da feira de Valenciennes para Préseau, viu de ao longe um grupo de
soldados a vagar pelo campo. Eram
militares franceses da guarnição de Landrecies, que se valiam do descanso do
inverno para aproveitar ao máximo o tempo e que, verdadeiros corsários do
continente, roubavam impiedosamente os que, estando sozinhos, se deparavam com
eles. Aquele lugar parecia maravilhosamente concebido para ladrões de
transeuntes: era um sítio chamado Les Fontinettes, um lugar deserto nas
profundezas da aldeia de Marly. Os militares, esquecendo sua condição de
soldados e franceses, roubaram as duas pobres mulheres e levaram tudo que
possuíam.
Lamentou-se
a pequena não pela perda que escapava ao seu entendimento, mas pela tristeza em
que viu imersa a mãe, quando, num ponto onde a estrada é árida e profundamente
escavada por ravinas, parou de correr.
De
repente, a mulher enxugou as lágrimas e disse:
—
Minha filha, queres servir a uma bela jovem com quem, sempre lhe rendendo
obediência, estarás tranquila e à vontade toda a tua vida?
—
Sim, mãe — respondeu a pequena.
Imediatamente,
uma senhora, vestida de branco, apareceu diante da menina, sem que ela pudesse
ver de onde viera. A dama formulou-lhe a mesma pergunta, acrescentando, ao seu
pedido, que renunciasse ao óleo sagrado e ao batismo. A pequena anuiu prontamente.
Então,
a senhora de branco fez-lhe uma marca no braço, não sem grande dor da parte de
Maria, segundo o relato que esta fez. No mesmo dia, ela foi recebida, segundo
consta do inquérito, por um demônio, que tinha assumido a forma de uma serva
chamada Joly. Esta a despiu, untou-a com um certo unguento diabólico, depois a
conduziu ao festim, onde Marie se encontrou com sua mãe e outras mulheres. Segundo
sua confissão, permaneceu dois anos na penumbra, sem fazer uso de qualquer
feitiço.
Aos
onze anos, encontrou-se novamente com Joly. O demônio a fez reiterar sua
renúncia ao batismo e ao óleo sagrado, e lhe deu um pó precioso para realizar
toda sorte de feitiços. Marie, então, veio morar em Valenciennes com um
cunhado, residente na freguesia de Saint-Jacques, e que tinha dois filhos.
Tendo este parente, certo dia, aplicado-lhe uma forte sova, por conta de alguma
desobediência, a menina concebeu planos de vingança, e, para testar seu poder
mágico, fez, com a ajuda de seu pó, um dos filhos do parente definhar e morrer
o outro.
Poucos
dias depois, ela quis comemorar a Páscoa na igreja de Saint-Jacques, sua
paróquia. Como atestam os registros da igreja, Marie confessou-se com o
capelão, mas, ao tomar a hóstia sagrada, um poder sobrenatural parecia opor-se
à sua introdução no corpo de um súdito de Satanás. A garota se viu forçada
cuspir a hóstia e, depois, escondê-la sob uma pedra. Além disso, confessou ter
coabitado várias vezes com o demônio Joly.
Confessou,
também, que, após algum descontentamento, ela soprou um pouco de seu pó na boca
da filha da viúva Pésin, uma comerciante de tecidos que morava na rua Cardon
(hoje rua do Quesnoy). Desde então, a garota foi possuída por demônios e foi
exorcizada várias vezes na igreja dos reverendos padres jesuítas, não sem
grande admiração do povo de Valenciennes, que se aglomerava para assistir
àquele espetáculo edificante. A pequena bruxa fez várias crianças definharem e
até a morte, como a filha do Capelão Hallier e outras mais, seja por ódio, seja
por inveja.
Todos
esses fatos, enumerados nos autos do inquérito, haviam adquirido alguma
consistência em um público crédulo e possivelmente ignorante. E os fatos se
repetiram entre as pessoas comuns, exagerados pelos temerosos e bem-aventurados
fofoqueiros; enfim, já chamavam a atenção das autoridades civis e eclesiásticas
para a morena Marie, quando um último fato, mais positivo do que todos os
outros, veio decretar a sua prisão.
Em
4 de outubro de 1643, dia de São Francisco, Marie, inclinada a se confessar,
foi à igreja e entrou no confessionário. Lá chegando, sentiu a língua congelar
na boca; suas palavras se recusam a ser ouvidas; ela não conseguiu pronunciar
uma única palavra. Então, foi forçada a recuar ante esta nova marca de poder
demoníaco. Saindo da igreja e vendo que seu demônio, que a impedia de se
confessar, ainda a molestava, ela mesma declarou aos pobres, que estavam sob o
pórtico do templo, que estava enfeitiçada.
Ela
queria entrar na sala dos frades recoletos para pedir ajuda aos reverendos
irmãos contra a doença de que padecia. Estes a acolheram e a consolaram
espiritualmente. Ela, então, se retirou mais calma, pelo menos na aparência, e
foi procurar um edil, repetindo que estava enfeitiçada, e que matara o seu
sobrinho e outras crianças da cidade.
O
magistrado, ao vê-la tão jovem e tão pequena (ela tinha então treze anos),
hesitou em encarcerá-la, mas, mesmo assim, no interesse do bem público, para o
alívio da sua consciência e, sobretudo, para cumprir as determinações do
tribunal, ele a levou para a prisão da cidade, onde a menina retomou a sua
confissão, declarando que havia usado feitiços malignos contra a garota Pésin,
empregando um pó que escondera entre os tecidos da loja, onde ainda poderiam
encontrar uma porção. Na verdade, um zeloso padre jesuíta, enviado para ver a
Sra. Pésin, trouxe de volta o pacote de pó.
Esta
infeliz criança, que deveria ter sido colocada nas mãos de um médico culto e
prudente, em vez de entregá-la ao braço da Justiça secular, permaneceu na
prisão por um ano e meio, enquanto os documentos de seu julgamento eram
enviados às Universidades de Douai e Louvain, onde os médicos valões e
flamengos trabalharam durante muito tempo naquela delicada causa. As faculdades
de Medicina, as únicas competentes, considerando a idade da jovem, sequer foram
consultadas.
As
opiniões de teólogos e juristas foram transmitidas ao tribunal de Bruxelas, que
ordenou imediatamente ao magistrado de Valenciennes que executasse Marie em
segredo, levando em consideração a sua juventude e pequenez. O segredo da
execução foi toda a atenuante que se julgou necessária levar à tenra idade da
acusada e ao seu temperamento delicado. Não se tratava de atenuar a dor, mas
apenas de evitar comover o público e despertar uma piedade que poderia
tornar-se embaraçosa para as autoridades.
De
acordo com essas ordens cruéis, numa bela manhã do ano de 1645, os magistrados
de Valenciennes se levantaram antes do nascer do Sol, como se para pôr fim a um
empreendimento útil, e marcharam em massa em direção ao tribunal de
Saint-Denis, que fica atrás da Câmara Municipal, em cujas paredes mais altas
mal dourava a alvorada. Lá, a jovem
Marie Carlier foi tirada da masmorra, onde havia definhado por dezoito meses, e
trazida diante do cadafalso, carregada com mais ferros do que ela poderia
suportar. A garota tinha acabado de completar quinze anos, e esse dia — que ela
deveria solenizar como um festival de primavera que abria se abria à vida de
uma jovem mulher — ela nunca o veria acabar.
O
carrasco da cidade agarrou sua terna vítima. Não envidou grande esforço em
amordaçá-la, pois aqueles gritos eram a única oposição que ela poderia render
aos seus desígnios. Em seguida, o verdugo amarrou-a com firmeza a um pelourinho
erigido na corte de tortura, cujas portas foram cuidadosamente fechadas para
tornar a execução mais segura e secreta. Viu-se, então, a dor impingida pelo
apertar das cordas, devolvendo, por um momento, ao rosto descolorido de Maria,
o tom da saúde. Durou apenas um instante: o executor ergueu os longos cabelos
com uma mão e, com a outra, com um golpe de sua lâmina damasquina, separou a
cabeça da jovem do tronco no momento em que o primeiro raio do Sol nascente
acabava de iluminar o ambiente
À
noite, eles removeram o corpo da bruxinha — como a chamavam —, e a
enterraram, discretamente e à luz de tochas, numa vala perto de Attre-Gertrude,
na esplanada da cidade, entre os portões de Cambrésienne e Cardon, um lugar que
já era de funesta memória, e cuja terra parecia destinada a cobrir todos os
grandes infortúnios.
Fonte: “La Sorcière de
Préseau”, em “Archives historiques et littéraires du nord de la France, et du
midi de la Belgique”, 1837.
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