O RETORNO DA ESPOSA MORTA - Conto Clássico de Terror - Leonora Blanche Alleyne Lang
O RETORNO DA
ESPOSA MORTA
(Lenda Tlingit)
Leonora Blanche Alleyne Lang
(1851 – 1933)
Tradução de Paulo Soriano
Era
uma vez, no Alasca, um chefe da tribo Tlingit que tinha um filho. Quando o
menino cresceu e se tornou um homem, sentiu-se atraído uma jovem que lhe
parecia mais bonita e inteligente do que qualquer outra garota da tribo. Seu
coração enamorou-se dela e ele contou o que sentia ao seu pai. Então, o chefe
falou com os pais da jovem, que concordaram em dá-la por esposa ao rapaz. Então
os dois se casaram, e por alguns meses tudo correu às mil maravilhas e eles
foram muito felizes.
Certo
dia, o marido voltou da caça e encontrou a esposa agachada junto ao fogo, com
os olhos opacos e a cabeça pesada.
—Você
está doente — disse ele. —Vou procurar do xamã.
—
Não, agora não — respondeu a jovem. — Vou dormir, e pela manhã as dores terão ido
embora.
Contudo,
pela manhã, ela estava morta.
O
rapaz sofreu amargamente. Não quis comer nada e ficou acordado a noite toda
pensando em sua esposa. Na noite seguinte, também.
—Se
eu fosse à floresta e caminhasse até ficar cansado, talvez pudesse dormir e
esquecer minha dor — pensou ele.
Mas,
afinal, ele não suportaria sair de casa enquanto sua esposa morta estivesse lá. Então, esperou até que o corpo dela fosse
levado embora, naquela noite, para o enterro.
Bem
cedo, na manhã seguinte, ele colocou as perneiras e foi para a floresta, onde caminhou
naquele dia e na noite seguinte. O nascer do Sol na segunda manhã o encontrou num
amplo vale, coberto de árvores frondosas. Diante dele se estendia uma planície
que antes estivera submersa, mas agora estava seca.
O
rapaz parou um instante e olhou ao seu redor. Foi então que teve a impressão de
que ouvia vozes, vindas de muito longe. Mas, como não viu ninguém, pôs-se a
andar novamente, até que vislumbrou uma luz entre os galhos das árvores e notou
uma pedra plana à beira de um lago. Aqui o caminho acabou, pois aquela era a
estrada da morte. Por ela o jovem havia trilhado, embora não soubesse disso.
O
lago era estreito e do outro lado havia cabanas e pessoas entrando e saindo
delas.
—
Venham me buscar — ele implorou, mas ninguém o ouviu, embora gritasse a ponto
de ficar rouco.
—
É muito estranho que ninguém me ouça — sussurrou o jovem, depois de ter gritado
por mais algum tempo. Mas, naquele instante, uma pessoa parada na porta de uma
das cabanas, do outro lado do lago, gritou:
—
Alguém está gritando! — Pois podiam ouvi-lo quando ele sussurrava, mas não
quando fazia um grande barulho.
—É
alguém que veio da terra dos sonhos — continuou a voz. — Solte uma canoa e traga-o.
Então, uma canoa disparou da costa, o jovem
entrou nela e foi conduzido a remo à outra margem.
Assim
que chegou, viu sua esposa morta.
Ao
vê-la, alegria invadiu seu coração.
Os
olhos da mulher estavam vermelhos, como se ela tivesse chorado. E ele estendeu
as mãos. Ao fazê-lo, as pessoas da cabana disseram-lhe:
—Você
deve ter vindo de longe. Sente-se e nós lhe daremos comida.
E
puseram a comida diante dele, o que o deixou contente, pois estava com fome.
—
Não coma isso — sussurrou a esposa. — Se o fizer, nunca mais voltará.
Ele
a ouviu e não comeu.
Então
a esposa disse-lhe novamente:
—
Não é bom para você ficar aqui. Vamos partir imediatamente.
Então
correram para a beira da água e entraram na canoa — que é chamada de Canoa do
Fantasma — e é a única há no lago. Eles logo cruzaram lago e abeiram-se à pedra
plana, cujo nome é Rocha do Fantasma, onde o jovem estivera gritando. Desceram
ao longo da estrada que ele havia percorrido e, na segunda noite, chegaram à
casa do jovem.
—
Fique aqui — disse ele —, que eu irei entrar e contar ao meu pai. Então ele
entrou e disse ao pai:
—
Eu trouxe minha esposa de volta.
—
Bem, por que você não a traz para cá? — perguntou o chefe, que pegou um manto
de pele e colocou-o em cima de uma esteira para que ela se sentasse.
O
jovem levou sua esposa para dentro de cabana, mas as pessoas que lá estavam não
puderam vê-la entrar. Somente o marido a via. No entanto, quando ele se
aproximou dos demais, as pessoas perceberam a presença de sombra profunda atrás
dele.
O
jovem pediu à esposa que se sentasse na esteira que haviam preparado para ela,
e um manto de peles de marta foi colocado sobre os seus ombros, como se ela
fosse uma mulher de verdade, e não um fantasma. Em seguida, serviram-lhe
comida, e, enquanto ela comia, era possível ver os seus braços e a colher
movendo-se para cima e para baixo. Mas não viam os contornos de suas mãos, e
isto lhes causou estranheza.
A
partir de então, o jovem e sua esposa iam juntos a todos os lugares. Quer
estivesse caçando ou pescando, a sombra sempre o seguia. Assim, pediu que lhe preparassem a cama onde eles
haviam se sentado pela primeira vez, e não no lugar onde costumava dormir. E
isso os familiares fizeram de bom grado, alegres por tê-lo de volta.
Durante
o dia, se por acaso não estivessem fora caçando ou pescando, a esposa ficava
tão calada que ninguém suspeitaria que ela estivesse ali. Mas, durante a noite,
ela jogava com o marido e falava com ele, para que os outros pudessem ouvir sua
voz.
Logo
que ela chegou, o chefe permaneceu calado e constrangido, mas, depois de um
tempo, ele se acostumou à presença da jovem e fingia estar incomodado,
gritando:
—
É melhor você se levantar agora, depois de manter todos acordados a noite toda
com os seus jogos.
E
eles podiam ouvir a sombra rir em resposta, e sabiam que aquela era a risada da
mulher morta.
Assim
as coisas continuaram por algum tempo, e poderiam ter continuado mais, se um
primo da jovem morta — que queria se casar com ela, antes que o filho do chefe
a desposasse — não tivesse ficado com ciúmes quando descobriu que o marido a
trouxera de volta do outro lado do lago.
E
ele a espionava e ouvia quando ela falava, esperando uma oportunidade de fazê-la
fenecer.
Por
fim, como sói acontecer, veio a chance, e foi assim:
Noite
após noite, o homem ciumento se escondia junto à cama e fugia sorrateiramente
pela manhã, sem nada ter ouvido que o ajudasse em seus planos perversos.
Ele
já considerava que deveria tentar outro expediente quando, certa noite, a jovem,
de repente, disse ao marido que estava cansada de ser uma sombra e que iria se
mostrar no corpo que ela costumava ter, e que pretendia mantê-lo para sempre.
O
marido ficou muito satisfeito com as palavras da esposa e propôs que se
levantassem e jogassem como de costume.
E,
enquanto eles jogavam, o homem espiava por detrás da cortina. Enquanto espionava um barulho — como o de um
entrechocar de ossos — ecoou pela cabana e, quando as pessoas vieram correndo,
encontraram o marido morto e a sombra desaparecida, pois os espíritos de ambos
haviam voltado, rapidamente, para a Terra dos Fantasmas.
Ilustração do texto: H.
J. Ford.
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