OS ESPÍRITOS CANIBAIS - Conto Clássico de Terror - James Mooney
OS ESPÍRITOS
CANIBAIS
(Lenda Cheroqui)
James Mooney
(1861 – 1921)
Tradução de Paulo Soriano
Além
dos amigáveis Nûñnĕ′hĭ — Espíritos Imortais — dos riachos e montanhas, existe
uma raça de espíritos canibais, que fica no fundo dos rios profundos e vive de
carne humana, especialmente de crianças pequenas.
Eles
saem logo após o amanhecer e andam, sem serem vistos, de casa em casa, até
encontrar alguém que ainda esteja dormindo. Então, atiram as suas flechas
invisíveis e carregam o cadáver para baixo da água, onde, em festa, celebram a
captura. Para que ninguém soubesse o que
acontecera, os espíritos deixavam no lugar do corpo uma sombra ou imagem da
pessoa ou criança morta, que acordava, falava e andava como se fosse a pessoa
original. Mas não havia vida naquela cópia, e em sete dias ela definhava e
fenecia, e as pessoas a enterravam pensando que estavam sepultando o
companheiro morto.
Muito
tempo se passou até que as pessoas descobrissem o que realmente se passava.
Foi
assim que eles souberam dos canibais de água:
Havia
um homem no acampamento de Tĭkwăli′tsĭ que adoeceu e piorou até que os xamãs disseram
que ele não sobreviveria. Então, seus amigos saíram da cabana e o deixaram
sozinho para morrer. Eles não eram tão bons uns com os outros — como são agora
—, porque tinham medo dos bruxos que vinham atormentar os moribundos.
O
moribundo ficou sozinho vários dias, sem conseguir se levantar da cama, quando,
certa manhã, uma velha mulher entrou em sua cabana.
Ela
se parecia com as outras mulheres do assentamento, mas ele não a conhecia. Ela
se aproximou da cama e disse:
—
Você está muito doente e seus amigos parecem tê-lo abandonado. Venha comigo e vou te curar.
O
homem estava tão próximo da morte que não conseguia se mover, mas aquelas
palavras o fizeram sentir-se imediatamente mais forte. Perguntou, então, à mulher para onde iriam.
—
Eu moro perto. Venha comigo e eu lhe mostrarei — disse a mulher.
Ouvindo
estas palavras, o homem se levantou e ela o conduziu até a água.
A
mulher entrou na água e o homem a seguiu. Sob a água havia uma estrada, que
levava a um país exatamente como o que havia na superfície.
Prosseguiram
até chegarem a um assentamento com muitas cabanas. Havia mulheres trabalhando e
crianças brincando. Eles encontraram um grupo de pessoas que vinha de uma
caçada, mas, em vez de quartos de veado ou urso pendurados em seus ombros, os
caçadores carregaram os corpos de homens e crianças mortos. E o homem
reconheceu, naqueles cadáveres, pessoas que ele conhecia e que eram seus amigos
em Tĭkwăli′tsĭ.
Então
chegaram a uma casa e a mulher disse:
—É
aqui que eu moro.
A
mulher o acolheu, arrumou uma cama para ele e o deixou confortável.
A
essa altura, ele estava com muita fome. A mulher intuiu-lhe os pensamentos e
disse:
—
Precisamos de algo para comer.
Ela
tomou um dos corpos que os caçadores tinham acabado de trazer e cortou uma
fatia para assar.
O
homem estava terrivelmente assustado, mas ela leu seus pensamentos novamente e
disse:
—Vejo
que você não pode comer nossa comida.
Então
ela se afastou e colocou as mãos diante do estômago. Quando se se virou
novamente, tinha cheias de pão e feijão, como ele costumava ter em casa.
Assim
sucedeu nos dias seguintes. Logo ele se restabeleceu e ficou novamente forte.
A
velha mulher disse-lhe, então, que ele já poderia ir para casa, com a condição
de que não falasse com ninguém por sete dias; e, se algum de seus amigos o
questionasse, ele deveria fazer sinais, como se sua garganta estivesse doendo,
e ficar em silêncio.
A mulher o acompanhou, seguindo a mesma trilha pela qual vieram, até a beira da água, e a água se fechou sobre ela. Ele, então, voltou sozinho para Tĭkwăli′tsĭ. Quando chegou, os seus amigos ficaram surpresos, porque pensaram que ele havia se perdido e morrido na floresta. Perguntaram-lhe onde estivera, mas ele apenas apontou para a garganta e não disse nada, por isso pensaram que ainda não estava bem e o deixaram em paz até se passarem os sete dias. Cumpridos estes, o homem voltou a falar e contou a seus companheiros toda a história.
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