SOBRENATURAL - Conto de Terror e Mistério - Otrebor Ozodrac
SOBRENATURAL
Otrebor Ozodrac
Ao recobrar os sentidos, olhou para o teto,
depois para as paredes. Concluiu que estava em um hospital. Os aparelhos que
monitoravam seus sinais vitais denunciavam que se encontrava em um CTI.
De repente, tudo lhe vem à mente, o caminhão
que surgira na curva, a tentativa de desviar o carro e, finalmente, a batida
inevitável.
A cortina se abriu, viu o vulto de uma
enfermeira que entrava no cubículo onde se encontrava, ela se aproximou do
leito e segurou a sua mão, começando a acariciá-la. Ele nunca tinha visto uma
mulher tão linda, e que lhe causasse tanta admiração e ternura.
Sua pele angelical mais parecia uma seda,
seus olhos pareciam duas esmeraldas.
À noite, acordou, e lá estava ela parada ao
lado da cama. Tentou falar, mas a voz não saía, pois permanecia mais
inconsciente do que consciente. Assim ocorreu por diversas vezes. Sempre que
acordava, lá estava ela à beira da cama, passando a mão sobre a sua testa, ou
segurando a sua mão.
Num determinado dia, ele acordou
definitivamente. O médico disse que ele estivera em coma por cinco dias.
Ele sabia que não era verdade, havia
despertado do coma por diversas vezes, quando vira a enfermeira que não saía da
sua mente.
Permaneceu no hospital, por mais três dias no
CTI, e mais dez em um quarto, em restabelecimento.
Durante todo este tempo, não viu mais a
enfermeira que tanta admiração e ternura lhe tinham causado. Quando perguntou
para as demais atendentes e lhes disse como ela era, ninguém conseguiu
identificá-la pela descrição que fazia.
Deixou o hospital, e foi para casa onde vivia
com sua mãe e sua irmã.
Ela não saía dos seus pensamentos. À noite,
antes de conciliar o sono, pensava nela, parecia até que a estava vendo. Como ela não lhe saía do pensamento, resolveu
fazer plantão no hospital. Inicialmente, se dirigiu ao setor de recursos
humanos e indagou o horário do pessoal da enfermagem.
Durante toda a semana, esteve observando a
saída de expediente das enfermeiras e atendentes. Não a viu e quando perguntava
as pessoas diziam que não havia ninguém com tais qualidades e aparência física.
Resignado, tocou a vida para frente. Sua irmã baixara o hospital para dar à luz a
sua sobrinha, o mesmo hospital em que eu estivera baixado, quando do acidente.
Após o nascimento, foi ao hospital. Sua
sobrinha, uma bela menina, perfeita nos mínimos detalhes. Sua irmã passara
maravilhosamente bem no parto. Quando deixava o quarto, e ia pelo corredor da
ala neonatal, viu passar, por um dos corredores transversal, aquela que povoava
os seus pensamentos. Num impulso, correu e, ao chegar ao início do corredor
onde a tinha visto, não havia ninguém. Parou e ficou imaginando, ela não teria
tempo de cruzar todo o corredor antes que ele chegasse ao entroncamento. Havia
apenas a possibilidade de ter entrado em algum dos quartos.
Ficou parado à espera de que ela saísse de
algum dos quartos. Esperou por mais de meia hora, e como ela não saía, resolveu
examinar cada um dos quartos, a sua procura. Bateu na porta, pediu licença e
disse que estava procurando uma das enfermeiras. Olhava por todo o quarto,
agradecia, e ia para outro. Assim examinou todos os quartos sem tê-la
encontrado.
Por
impulso de desespero, dirigiu-se ao setor de recursos humanos do hospital:
— Bom dia, senhorita, ou senhora!
Era
uma jovem que estava vasculhando um arquivo de aço, à procura de algum
documento. Ela parou o que estava fazendo, olhou-o e disse:
— Bom dia, senhor! Em que lhe posso ser útil?
A
jovem sorria, seus lábios entreabertos exibiam uma perfeita dentadura, seu
sorriso fácil não conseguia esconder um olhar vívido e contagiante.
— Eu estou à procura de uma jovem que há pouco
passou por mim, em um dos corredores. Eu estou procurando-a há mais, há mais de
dois anos, para agradecê-la por haver me tratado quando estive no CTI.
— Qual é o nome dela?
—Não sei! No entanto, se me mostrar uma foto,
pode ser a do registro de empregados.
— O senhor terá que me dizer o nome da pessoa
que procura.
—Você não pode me fazer um especial favor,
mostrar-me as fotos de todas as enfermeiras?
— Vou abrir uma exceção, pois simpatizei
muito com você.
Examinou demoradamente todas as fotos das
fichas de empregadas da enfermagem, nada, nenhuma era a pessoa que procurava.
Agradeceu, e foi para casa.
Em
casa, desorientado, sem saber o que fazer. Sentia-se frustrado por ter uma
fixação em uma mulher a qual não conseguia encontrar em lugar algum. Sentia-se
como um grão de areia, na imensidão da praia, com uma infinidade de iguais,
mas, ao mesmo tempo, sozinho, à mercê do fluxo e refluxo das ondas do mar, que
a qualquer momento poderiam lhe sepultar nas profundezas do oceano, onde jamais
veria a luz do sol.
Mas a vida, em sua marcha inexorável, tinha
que continuar. O tempo, em seu avanço ininterrupto, passa, quer queiramos ou
não. E assim passaram-se dois anos.
Enamorara-se de uma colega de trabalho, que
militava na justiça do trabalho. Costumavam passar os finais de semana juntos,
porém, durante a semana, cada um em seu trabalho, apenas se encontrando à noite
para jantarem. Certo dia, no jantar, ele tirou do bolso um par de alianças, e a
pediu em casamento.
Vivia
absorto em seu trabalho, mas à noite, quando estava só, seus pensamentos sempre
lembravam dela.
Sua mãe morreu acometida de uma pancreatite,
que já a estava perturbando há algum tempo. Sua irmã se mudara tempos antes com
sua família para um apartamento. Com a morte de sua mãe ficou sozinho,
habitando aquela imensa casa.
Certa noite de inverno, o frio intenso não
deixara que ele saísse para jantar como fazia todos os dias. O vento bramia aos
assovios. De repente, alguém bate à sua porta. Ele estava em frente à lareira,
tomando um copo de vinho, de chambrão e chinelos de pelo. Levantou e foi
atender a quem batia. Abriu a porta, uma mulher com um vestido longo, que
alcançava o chão, com um xale na cabeça, adentrou em sua casa, sem que a
tivesse convidado. Quando passou por ele, que naquele momento estava
petrificado, por tal surpresa, viu de soslaio que a mulher que acabara de
entrar era mesma que há muito habitava os seus sonhos. Fechou a porta, e quando
se virou para o lado em que ela havia seguido, não mais a viu. Procurou
incessantemente por todos os cômodos da casa, ninguém, nada, voltou a procurar,
e, em desespero, abria as portas de todos os roupeiros. Nada, não havia
ninguém.
Agora ele tinha certeza de que havia algo de
sobrenatural. Diante desse fato, resolveu procurar ajuda especializada.
A
primeira coisa que lhe veio ao pensamento foi buscar ajuda em um centro
espírita. Mas, sendo católico, isso não lhe era possível. Comprou todos os
jornais do dia que se encontravam disponíveis na banca, perto de sua casa. E
dirigiu-se para casa. Naquele dia não iria trabalhar. Telefonou a sua
secretária para que reorganizasse e reprogramasse as suas tarefas de advogado.
Passou a ler os anúncios classificados. Após várias horas de pesquisa, lá
estava um anúncio que dizia:
“Perturbações psicológicas, sobrenaturais e
fatos estranhos. Procure o Parapsicólogo Antenor Salgado de Alcântara. Para
consulta, marcar pelo fone 051 3632
— Bom dia! Quem fala?
— Bom dia! Fala Altina Sobral, secretária do
Doutor Antenor Salgado, as suas ordens.
— Eu queria marcar uma hora com o Doutor
Antenor, é possível?
— Perfeitamente! Vejamos, tenho disponível no
dia quinze próximo, no horário das catorze horas.
— OK, para mim está bem.
— Nome, por favor:
— Gerson Justino da Silva.
- Idade?
— 38 anos.
—Profissão?
- Advogado. Qual é o endereço que devo
procurar?
— Rua dos Salgueiros, 435.
— Estarei aí no dia e hora marcados.
Duas semanas o separavam da data marcada.
Nesse interregno de tempo, buscou concentrar-se no trabalho, mas, para aliviar
sua consciência, resolveu procurar o padre da paróquia.
— Bom dia, padre!
— Bom dia, Gerson, como tem passado, veio se
confessar?
—Não, padre, o senhor sabe que eu não costumo
cometer pecados, ao menos os que eu admito serem pecados.
— Entendo! Realmente você é um homem de bem.
E eu o conheço desde o seu batismo. Então, em que posse lhe ser útil?
— Apenas ouça como um amigo não como um
confessor!
Após haver contado toda a estória nos mínimos
detalhes, ficou à espera de um comentário do vigário.
— Meu bom amigo! Eu sou apenas um padre sem
qualquer dote especial da mãe natureza. Pelo que você me contou, eu acho que
seja de bom alvitre que você procure um psiquiatra. O nosso cérebro é algo que
desconhecemos. De vez em quando, aparecem casos que o conhecimento científico
não explica, a teologia duvida, e, assim, ficamos sem resposta.
Gerson resolveu esperar pelo parapsicólogo,
até que o dia marcado chegara.
O homem era alto, seu cabelo branco penteado
para trás, mostrava duas entradas profundas nas têmporas. Um par de óculos de
grau lhe cobria o senho e se acamava sobre um nariz balofo e falcônico. Seu
queixo se destacava por ser quase quadrado com uma cova no centro. Seus lábios
grossos denunciavam sua descendência africana remota.
Ouviu atentamente, fazendo anotações, de vez
em quando. Ao final, levanta-se começa a caminhar, segurando os óculos com a
mão direita, colocando uma das pontas no canto da boca e diz:
— Quando estamos em coma, parte do nosso
cérebro pode estar em alguns momentos em atividade, e nessa condição passa a
gerar imagens, como as que são formadas durante os sonhos. Isso explicaria a
aparição durante o seu coma. No entanto, quando há viu dois anos após, no mesmo
hospital, a única explicação viável seria que você tivesse visto uma outra
pessoa e seu cérebro, ávido de vê-la, projetou a imagem em um lapso de tempo.
Provavelmente, ao procurá-la, no interior dos quartos, a personagem que serviu
de espelho para refletir os seus pensamentos, estivesse lá, só que você estava
procurando a imagem refletida pelo seu cérebro.
Entrementes, no caso ocorrido em sua casa,
onde a aparição adentrou-a e desapareceu, a única explicação que podemos
atribuir é o fato de você estar tomando vinho. Não ficou clara a quantia de
vinho que você tomou, nem os efeitos do vinho em seu cérebro, mas, de qualquer
forma, esta é a única explicação viável neste momento. Mas, meu caro Gerson.
Minha análise até aqui foi dentro do natural. Agora iremos analisar dentro do
terreno do sobrenatural.
Ao considerarmos os fatos narrados dentro do
sobrenatural, podemos imaginar que alguém de outro mundo está querendo entrar
em contato com você. Ou, que alguém dentro deste plano, está lhe procurando
espiritualmente. Há algumas narrativas, que dão conta de fatos ocorridos, onde
duas pessoas, a longa distância, conseguem se comunicar através de aparições.
Os cientistas acreditam que, quando há um desejo muito profundo de uma pessoa
se comunicar com a outra, que se encontra muito longe, pode haver um contato
por ondas cerebrais de grande intensidade, capazes de, ao se somarem, formarem
nos cérebros uma aparição, que somente a pessoa que está no circuito é capaz de
ver. Estes fatos podem ser explicados
pela radiestesia. Um radiestesista possui sensibilidade para captar informações
das energias irradiadas por uma pessoa ou por uma área determinada da Terra. Ao
receberem essas energias podem saber se estas são responsáveis por doenças ou
limitações.
Algumas raras pessoas possuem um alto grau de
sensibilidade para captar informações corretas das irradiações de energia. Eu
sou uma delas. Mas, para poder ajudá-lo, eu necessito estar junto com você
quando você receber a aparição. Aí, nesse momento, eu posso localizar o local
onde seu contato se encontra.
Além disso, podemos fazer uma regressão, para
verificar se em vidas passadas essa enfermeira esteve a seu lado e o que
significou para você.
—Acho que a regressão é muito interessante.
Eu sempre tive muita curiosidade sobre este assunto. Gostaria que o senhor me
falasse a respeito da hipnose.
— A hipnose é uma
técnica de indução do transe (que é um estado de relaxamento semiconsciente)
com manutenção do contato sensorial do paciente com o ambiente.
O transe é
induzido de modo gradual e por etapas, através da fadiga sensorial, que
geralmente é provocada pela voz calma, monótona, rítmica e persistente do
hipnotizador e, muitas vezes, aliada a recursos óticos (pêndulos, luzes, etc)
que visam a cansar os órgãos da visão do paciente. Quando o transe se instala,
a sugestibilidade do paciente é aumentada. A hipnose leva, então, a várias
alterações da percepção sensorial, das funções intelectuais superiores,
exacerbação da memória (hiperamnésia), da atenção e das funções motoras.
Estabelece-se um estado de alteração de estado da consciência, um tipo de
estado que simula o sono, mas não o é (lembramos que a pessoa não “dorme” na
hipnose).
— Mas, professor! Como podemos nos lembrar de
vidas passadas?
— Antes de analisar os mecanismos pelos quais
podemos nos lembrar de vidas passadas, vamos ver por que a maioria das pessoas,
sob circunstâncias habituais, são impossibilitadas de se lembrar delas.
Primeiramente, as pessoas não são capazes de
lembrar da maioria de seus sonhos. Se isto acontece, como poderíamos esperar
que elas se lembrassem de suas vidas anteriores? Fundamentalmente, as razões
pelas quais as pessoas não lembram de suas vidas passadas ou de seus sonhos são
as mesmas. Para entender completamente esta situação, vejamos alguns detalhes
sutis do conhecimento dos corpos, que constituem a totalidade de um ser humano.
Todo mundo está familiarizado com o corpo físico, como o que os cirurgiões
podem abrir e podem cortar. Este é feito dos nutrientes que nós comemos, a
Tradição Vedanta chamou-o de “anna-maya-kosa”, o envelope-
feito-de-comida. Além do corpo físico,
existe o corpo etérico, feito de energia vital, que é chamada de “Qi” na
medicina tradicional chinesa, e de “prana” na literatura sânscrita. Consequentemente,
o nome “prana-maya-kosa”, significa envelope-feito-de-prana, dado a esta camada
em Vedanta. Da mesma maneira que a água penetra uma esponja, assim o envelope
de prana, ou corpo etérico, penetra o corpo físico por inteiro e também se
estende um pouco além dos limites deste. Uma vez que você esteja vivo, seu
corpo físico e etérico nunca se separam. Então, podemos considerar a ambos como
uma estrutura individualizada que, para nosso propósito, será chamada de
complexo inferior. Além dos corpos físico e etérico, está o corpo astral,
camada de manas/mente, ou mente reacional, na qual as emoções e a maioria de
nossos pensamentos acontecem. Assim, podemos considerar as palavras Ego, (ou
Ego Superior), Self (ou Eu Superior) e Espírito como sinônimos, se referindo à
chama imortal, que é o núcleo dos seres humanos. É importante notar que o corpo
astral e o Ego estão muito juntos. Pode-se até dizer que o Ego está enroscado
na rede do corpo astral. Por isso que, quando você fecha seus olhos, a menos
que você tenha passado por um caminho de autotransformação, você não pode
separar o que, em sua consciência, vem da mente e o que pertence ao Self. Você
pode saber intelectualmente que você tem um Eu Superior, e que este Self é o
pano de fundo de sua consciência, como uma tela branca, na qual vários filmes
são projetados. Mas na prática, o Self é escondido pela mente reacional, de
forma que é impossível para você conectar diretamente com a sua luz. Então, o
primeiro propósito de um caminho espiritual é separar o Self do corpo astral.
Até que isto aconteça, citando uma analogia frequentemente
achada na literatura sânscrita, os dois permanecem misturados como leite e água
no mesmo copo. O corpo astral e o Ego estão amarrados juntos. Por conseguinte,
nós podemos simplificar nossa estrutura de quatro pavimentos, dividindo-a em
dois: um complexo superior, feito do corpo astral e do Ego, e que não se
separam, contanto que você não tenha achado seu Self; um complexo inferior,
feito dos corpos físico e etérico, e que não separam uma vez que você esteja
vivo. No seu caso, podemos atribuir que a aparição seja apenas um corpo astral
que se separa do corpo físico e vai ao seu encontro, na tentativa de se
comunicar, só que não está conseguindo, por isso espera que você a encontre.
— Mas, professor! E a regressão, resultaria
em quê?
— A regressão apenas poderia identificar a
mesma pessoa em uma vida passada, nada mais do que isso, além do mais você
teria de identificá-la.
— Mesmo assim quero submeter-me a uma
regressão!
A técnica que o professor Salgado utilizou
foi a de fazer um exercício de relaxamento clássico e, a partir daí, ele
fazia-o imaginar que estava passando por uma porta e que tinha que descer uma
escada. Ao descer a escada que ele estava vendo, via-se na sua vida passada. O professor
lhe perguntava sobre o que ele estava vendo e ele ia falando.
Consciente, e ao mesmo tempo, vendo e vivendo
aquilo (estando o tempo todo de olhos fechados),ele se viu em algo como uma
grande caverna. Sentiu que era bem mais baixo do que era atualmente. Era um
tipo de homenzinho, o responsável por aquele lugar, um conjunto de cavernas no
meio de um relevo muito acidentado e com pouca vegetação. "Sentiu"
que seu mundo era só aquele lugar, nunca saíra dali. Tinha uma vida solitária,
mas não se sentia só. Era autossuficiente, de uma forma quase arrogante.
Exatamente o oposto do que sentia hoje, pois hoje, para ele, a coisa mais
importante é não estar só. Não viu nada de interessante naquela vida, e assim
foi despertado.
— Meu caro senhor Gerson! Não está ao meu
alcance ajudá-lo, friso, no entanto, se for possível eu estar presente no
momento em que ocorrer o contato, com toda a certeza eu poderei identificar o
paradeiro do corpo físico.
Vendo frustrada a tentativa de solucionar o
mistério através da parapsicologia, Gerson resolveu procurar um detetive, como
derradeira tentativa de achar aquela que não saía da sua lembrança.
Nos pequenos classificados se lia:
HERCULAN – O
Detetive.
Especialista em
desaparecidos.
Investigações de
adultério.
Informações
confidenciais.
Telefone
011.525.3333
— Alô, é Herculan, o detetive.
— Aqui é um futuro cliente. Quero marcar uma
hora para encontrá-lo.
— Sim, sim, como está, como disse que é o seu
nome?
— Gerson Justino da Silva!
— Mire, senhor Gerson. Meu escritório fica
nos fundos da barbearia Central, na Rua Tiradentes no. 110, fica no Centro.
Herculan Decrois era um homem feliz.
Holandês, radicado no Brasil, desde a adolescência, pois seu pai era cônsul da
Holanda. O grande detetive tinha um metro e noventa e oito, calçava o nº 54,
por isso tinha que mandar fabricar seus calçados sob medida. Com suas faces
rosadas, com ausência de barba, mais parecia a face de um bebê. Nariz aquilino,
fazendo uma leve curvatura como o bico de um falcão. Seus olhos cinza-claros
eram sempre escondidos por um óculos espelhado. Pelo seu grande tamanho,
caminhava arqueado, nem gordo nem magro, com uma barriga de abundante dimensão,
dado ao hábito de tomar cervejas. Seu escritório ficava escondido no fundo da
barbearia Central, que era sempre atravessada pelos seus clientes, que não
raras vezes ficavam fregueses para o corte de cabelo e barba. Herculan dizia
que o local era estratégico, pois seus clientes não tinham que se cuidar ao
procurá-lo, pois poderiam apenas estar frequentando uma simples barbearia.
Enfim, não causava suspeita. Seu hábito de vestir era o mais normal possível,
calça e camisa esporte. Dizia que era para não causar suspeita. O grande
detetive careca estava sentado à mesa de trabalho, com um charuto entre os dentes
manchados, contemplava o livro de anotações à sua frente. Batem à porta. O pé
grande ergue o enorme corpo, caminha até a porta e a abre, já em posição de
mesura.
— Bons dias, senhor Gerson! Por favor, queira
entrar neste humilde escritório.
Gerson entrou e se aproximou de uma cadeira
localizada na frente da escrivaninha.
— Sente-se, e fique à vontade.
Gerson sentou-se e disse:
— Senhor Herculan Decrois! Eu sou advogado, e
necessito dos seus serviços, como investigador. De certa forma, entendo que,
após eu haver lhe relatado todos os acontecimentos, o senhor poderá não aceitar
o caso. Na verdade, eu necessito localizar uma pessoa.
Gerson contou toda a história nos mínimos
detalhes, incluindo a entrevista com o professor Salgado. O detetive ouviu com
uma atenção própria de um cão perdigueiro. Ao final disse:
— Mire, senhor Gerson, eu jamais esperei ser
contratado como caça-fantasma. Mas, vá lá, sempre há a primeira vez.
Diga-me, senhor Gerson! Entre cada aparição
há um intervalo de dois anos aproximadamente, não é?
— Sim, é mais ou menos isso.
— Duas vezes no mesmo hospital? O hospital
municipal?
— Sim, no hospital municipal.
— Começarei por lá as minhas investigações.
Mire, senhor Gerson, como vou procurar uma pessoa que não conheço? Eu tenho
que, no mínimo, ter um retrato para mostrar para as pessoas.
— Não, senhor Herculan, não temos nenhuma
foto.
—Mas podemos fazer um retrato falado, não é
mesmo?
Decrois pega o telefone e liga: “Alô é o
Chibinha? Herculan Decrois falando. Tens quinze minutos para estar no meu
escritório para fazer um retrato falado?”. Pronto, é só esperar por quinze
minutos
Passados o tempo, Chibinha adentra no
escritório.
— Mire, Chibinha, este é o senhor Gerson, ele
vai descrever um retrato falado.
Chibinha, era um jovem de 23 anos, com grande
talento para desenho e caricaturas, cabelos longos como de um hipie, com
um lenço amarrado no cabelo, um brinco na orelha direita, vestia um conjunto de
brim azul.
Em menos de meia hora, Gerson identificou o
retrato falado como sendo idêntico as suas lembranças. Chibinha foi dispensado.
Os dois permaneceram, acertando honorários e tempo necessário para as
investigações.
O
grande detetive, com suas faces rosadas e sem barba, exibia um sorriso
angelical, quando chegou ao hospital municipal.
— Bons dias, bons dias! — disse ao porteiro. — Eu sou Herculan
Decrois, detetive particular, e, fui contratado por uma família que teve um de
seus membros desaparecido neste hospital. Por isso, preciso falar com o
administrador.
— Um momento senhor, vou ver se o
administrador pode recebê-lo agora!
O guarda pega o telefone e liga para o
administrador. Explica que está lá um detetive que procura um desaparecido no
hospital. O administrador estranha, mas manda que entre.
- Bom dia, senhor. Permita que me apresente.
Sou Herculan Decrois, detetive particular. Como tem passado?
— Bom dia, senhor Herculano!
— Herculan Decrois as suas ordens.
— Desculpe, senhor Erculan, mas em que lhe posso
ser útil.
— Eu fui contratado por um advogado para
investigar o desaparecimento de uma dama. Ela foi vista pela última vez, neste
hospital, há dois anos.
— Mas quem a viu pela última vez?
— Foi o próprio advogado, que a viu passar
por um dos corredores do hospital.
— Mas de quem se trata? Era essa pessoa uma
paciente?
— Não, mas o que eu quero do senhor é
autorização expressa para que eu fale com os funcionários, na busca de
informações que possam me levar à desaparecida. Aqui tem o retrato falado dela.
Após
examinar cuidadosamente o retrato falado, o administrador coçou a cabeça,
movimentou-a em sinal de negação e disse:
— Não, não, nunca vi alguém com este rosto!
Tomou um cartão e escreveu: “O senhor
Herculan Decrois está por mim autorizado a andar por todo o hospital e falar
com qualquer funcionário.” Assinou e entregou ao detetive, que, nesse momento,
se levantou, fez uma mesura e disse:
— Muito obrigado, senhor administrador,
mantê-lo-ei informado das minhas investigações.
O grande detetive dirigiu-se para o
refeitório do hospital. Lá chegando, pediu licença a uma atendente e exibiu a
autorização do administrador. E, disse:
— Muito bom dia! Sou o investigador
particular Herculan Decrois, e estou procurando uma pessoa que desapareceu
neste hospital. Por isso, vou fixar um retrato falado da desaparecida no mural
deste refeitório, para que todos o vejam.
A atendente pegou a autorização do
administrador, conferiu a assinatura e disse:
— Tá tudo certo, pode ficar à vontade. Aceita
um café ou água?
— Os dois, por favor. Permite que eu tome
assento em uma das mesas de refeição?
— Como já disse, fique à vontade.
Decrois arriou o pesado corpo sobre uma
cadeira, tirou um lenço do boldo e passou sobre a testa, retirando pequenas
gotículas de suor. Alguns minutos mais, a atendente lhe serviu um café e um
copo com água. Ficou ali bebericando o café, à espera que o intervalo chegasse,
e que as enfermeiras ocupassem o refeitório para a merenda das dez horas.
Enquanto isso pensava:
Não posso dizer a ninguém que estou procurando um fantasma, senão o
próprio administrado teria me dado um corridão. Vou ficar aqui observando a
reação de todos os que virem o retrato falado. Se alguém esboçar alguma reação
eu chego junto.
Às 10 horas e15 minutos, o pessoal começou a
chegar, olhavam o retrato falado exposto no mural, e logo se dirigiam ao balcão
do café, serviam e pegavam um pedaço de pão e iam sentar junto às mesas. De
repente, três enfermeiras adentram no refeitório e param à frente do mural, e
começam a falar umas com as outras, referindo-se ao retrato falado. Nesse
momento, o imenso detetive levanta, se aproxima das falantes e diz, fazendo uma
mesura:
— Bons dias! Vejo que conhecem a pessoa do
retrato, ou estou enganado?
As três traçaram olhares de admiração e, uma
disse:
— Nós três conhecemos a pessoa do retrato falado.
Ela está na ala que atendemos, e mais, está lá há mais de três anos.
— Mirem, senhoras! Onde eu posso encontrar a
desaparecida?
— Ora, meu senhor, esta é a Aparecida, é uma
paciente deste hospital, que se acha em coma há mais de três anos!
—Mire, senhora, poderá me levar onde ela se
encontra?
— Perfeitamente, logo após o café.
O grande detetive acompanhou a atendente até
um dos apartamentos. Ao adentrar no quarto, Decrois pôde ver, no leito, aquela
pessoa que se assemelhava em muito com o retrato falado.
— Mire, senhor Gerson! Com apenas uma ida ao
hospital, utilizando algumas artimanhas, nós conseguimos localizar a pessoa que
o senhor procura. Trata-se de uma paciente que se encontra em estado de coma há
mais de três anos. De forma que o caso está encerrado, agora caberá ao senhor,
verificar se a pessoa a que estou me referindo é realmente aquela que o senhor
procura.
O advogado agradece e diz:
— Irei ao hospital imediatamente, qual é a
ala e o número do quarto?
Ele chega afoito, adentra no quarto, olha e a
vê, ali deitada, a mesma pessoa que povoava os seus sonhos, aquela que tinha
lhe acariciado quando estivera em coma, aquela que passara no corredor do
hospital e desaparecera, aquela que adentrara em sua casa e sumira. Ali inerte,
mas, talvez como ele, estivesse sentindo tudo o que estava acontecendo ao seu
redor, sem no entanto poder se pronunciar. Ele pegou a sua mão, como ela o
fizera, passou a mão em sua face, como ela o tinha feito.
Ele cancelou todos os compromissos dos
próximos dias, pois pretendia permanecer ao seu lado, pelo maior tempo
possível. Aí ele notou que ela estava sozinha, lá, de quando em vez, uma
enfermeira vinha, media os sinais vitais e logo se afastava. De repente,
adentra no quarto uma enfermeira e pede para que ele se identifique. Pega o seu
registro na OAB e o entrega à enfermeira, que o convida a acompanhá-la,
alegando que o administrador havia mandado lhe chamar.
— Bom dia senhor, permita que me apresente:
Sou Danilo Edvino Vogel, administrador deste hospital. O senhor é parente da
Aparecida?
— Não, não senhor, eu sequer a conheço!
— E como explica o interesse por ela? Hoje
cedo esteve um detetive que a estava procurando, agora o senhor está
interessado. E ela se encontra há mais de três anos internada neste hospital,
sem que tenha sido procurada por qualquer pessoa.
— O senhor poderia me explicar melhor?
— Há mais de três anos, houve um acidente
entre um táxi e um ônibus, os acidentados foram encaminhados pelo corpo de
bombeiros a este hospital. As informações que temos é que o taxista deu entrada
no pronto-socorro já em óbito e a passageira em estado de coma, por traumatismo
craniano, sendo enviada à UTI. Os passageiros do ônibus foram atendidos com
traumatismos e alguns permaneceram em observação por algumas horas e tiveram
alta médica. A acidentada que se encontrava na UTI não tinha qualquer documento
que a pudesse identificar. A polícia foi chamada a intervir e o resultado foi
que ela teria vindo de avião para Porto Alegre, pois o táxi era do aeroporto. A
investigação levou vários dias, pois tiveram que identificar todos os
passageiros vindos nos voos daquele dia. Nenhum havia desaparecido, ou seja,
todos foram localizados.
O senhor sabe: este hospital é particular,
não podíamos permanecer com uma paciente em estado de coma indefinidamente.
Chamamos a promotoria pública para resolver o caso. Eles instruíram um
processo, que ao final de um ano, o estado foi instado a satisfazer todos os
custos até então e pagar mensalmente os custos de internação.
— Não, senhor administrador, eu não sei de
nada, mas vou lhe contar por que estou aqui!
Gerson contou a sua estória, finalizando-a
dizendo:
— Como o senhor vê, eu não poderei ajudar a
não ser visitando-a.
— Pena, os familiares nunca foram
localizados. Agora tínhamos esperanças de que os senhores soubessem quem ela é.
É tudo o que aconteceu.
Ele não sabia o porquê, mas sabia que deveria
ali permanecer. Quando sozinho com ela, ele perguntava:
— Como foi que você fez aquilo, como
conseguiu permanecer ao meu lado, quando estive em coma? Como foi a minha casa?
O que é que você quer de mim, o que quer que eu faça?
Ele ficou estarrecido, uma imagem se elevava,
deixando o corpo inerte, estático em cima da cama. A imagem ficou em pé e com
um aceno, com a mão, fez sinal para que ele a seguisse. Estarrecido, ele viu a
mesma imagem, que não lhe saía do pensamento, por um longo tempo de espera.
Ele, sem qualquer protesto, a seguiu, ela
passava pelas pessoas que pareciam não vê-la. Após uma longa caminhada, ela
adentra em um supermercado, onde pessoas entravam e saíam com mercadorias, atravessaram
um longo corredor, onde as gôndolas com os viveres eram expostos, pararam, no
final, onde havia uma grande porta vaivém de borracha. Ela parou em frente à
porta e ambos olharam para a porta. Esperaram por alguns minutos, quando surgiu
um rapaz, com o uniforme do supermercado, empurrando um carro com mercadorias.
Eles se afastaram e o rapaz passou. Ela apontou para o rapaz. Gerson olhou
atentamente para guardar a fisionomia do indicado, quando voltou a olhá-la, ela
havia desaparecido.
À noite ele telefona ao detetive Herculan
Decrois.
— Boa-noite, senhor Gerson! Em que lhe posso
servir?
— Boa-noite, senhor Decrois! Quero que
continue o trabalho. Agora quero saber quem ela é. De onde veio. E, por que até
hoje ninguém a procurou?
— Mire, senhor Gerson! O senhor sabe por onde
devo começar?
Gerson contou-lhe o episódio do supermercado.
Ao final, Decrois disse-lhe:
— Bem, vamos fazer uma visita a esse rapaz do
supermercado.
O grande detetive adentra no supermercado,
através de seus óculos espelhados, tudo observa nos mínimos detalhes. Para
diante da porta de saída do estoque, procura em pensamento reproduzir a imagem
como Gerson lhe tinha descrito: loiro, mais ou menos, um metro e setenta, um
ralo bigode e olhos azuis. Em alguns instantes, alguém rompe a cortina ou porta
de borracha, de costas puxando um carro com mercadorias. Quando o rapaz cruzou
por Decrois, este lhe segurou o braço e perguntou:
— Mire, Mothiatho, onde posso encontrar erva mate?
O rapaz olhando-o respondeu:
— No terceiro corredor à esquerda, senhor!
— Muito obrigado. Não há dúvida, é ele mesmo.
Às 20 horas, o supermercado fecha, e o
detetive está à espera da saída do rapaz. Quando este sai, ele se aproxima:
— Muito boa noite, caro amigo! Podemos
conversar por um minuto?
—O senhor já falou comigo antes, não é?
—Sim, você me informou onde eu encontraria
erva-mate.
—Mas,
o que deseja agora?
— Como é o seu nome mesmo?
— Roger da Silveira, as suas ordens.
— Mire, senhor Roger! Eu sou um detetive
particular, nada tenho a ver com a polícia. Mas eu tenho um cliente, que é um
advogado, que por sua vez tem uma cliente, que diz que o senhor tem informações
sobre ela.
— Eu não tenho nada a informar sobre ninguém.
Estou atrasado para chegar em casa.
“Eu devia ter jogado fora aquela bolsa, ou melhor, deveria tê-la
queimado,” pensou o rapaz.
— Mire, senhor, isto é muito importante. A
senhora, após sofrer um acidente, foi levada a um hospital, e lá permanece em
coma desde então. Não se sabe quem ela é, pois não portava nenhum documento de
identidade ao dar entrada no hospital. Acontece que agora ela o apontou como
sendo uma pessoa que sabe quem ela é. Por isso é que eu estou aqui.
O rapaz maneou a cabeça em sinal de preocupação.
Passou a mão sobre a cabeça, e disse:
— Como posso saber se o senhor não é da polícia?
— Aqui tem meus documentos. Veja: sou
Herculan Decrois, sou cidadão holandês, naturalizado brasileiro. Aqui tem minha
carteira de detetive particular. Mas eu posso levá-lo ao meu escritório, que
não fica muito longe daqui, lá poderemos conversar e você poderá certificar-se
de que eu não sou policial.
— Está bem, vamos até o seu escritório.
Embarcaram na Brasília marrom de Decrois e
partiram.
— Mas aqui é uma barbearia! — disse o rapaz
ao chegar.
— Sim, mas meu escritório fica nos fundos, é
melhor para as pessoas não serem observadas quando me procuram, isto é não
causa suspeita. Mas vamos entrando. Sente-se por favor, você está em casa.
Como vê, este é um escritório de um detetive,
como lhe disse. Aliás, um detetive que está pedindo a sua ajuda para resolver
um caso.
— Tá certo, o senhor me parece ser de
confiança. Vou lhe contar tudo como se passou:
Eu estava passando, quando ouvi uma batida, de
um táxi num ônibus, corri até o local e ajudei a retirar o corpo de uma mulher,
que estava com a cabeça ensanguentada, tentei retirar o motorista, mas este
estava preso nas ferragens, e estava muito machucado, a batida foi no lado
dele. Quando os bombeiros chegaram, eu permanecia segurando a mulher. Eles a
colocaram em uma maca, e levaram-na para a ambulância, nesse momento eu
retornei ao carro e peguei a sua bolsa, para entregar aos bombeiros, mas estes
partiram em disparada. Era uma pequena bolsa leva-tudo. Os outros bombeiros continuavam a socorrer os
passageiros do ônibus. Em poucos instantes, os bombeiros partiram com as
vítimas. Eu fui embora com a leva-tudo da vítima. Entrei em um bar e fui ao
banheiro, lá examinei o conteúdo da pequena bolsa. Havia dinheiro estrangeiro,
e documentos. Apenas isso. Fui para casa e guardei a bolsa sem mexer em nada.
Por diversas vezes quis jogá-la fora, mas nunca tive coragem. Isto é tudo.
— Bom, meu amigo, se eu for digno de sua
confiança, você poderá entregá-la a mim. Eu prometo que não revelarei o seu
nome por nada deste mundo.
Ambos
saíram do escritório ruma à casa do rapaz. Lá chegando, Decrois disse:
— Mire, senhor, vou falar com o meu cliente
para lhe fazer um agrado.
— Não será necessário, senhor Erculan, basta
me manterem longe de complicações e, eu lhe serei muito grato. Aliás, você
acaba de me tirar um peso das costas. Aqui está a bolsa. Não tirei nada de seu
interior, tudo está como no dia do acidente.
— Muito obrigado, e seja o senhor muito
feliz!
No dia seguinte, Herculan Decrois liga para o
Doutor Gerson:
— Bons dias, Doutor Gerson!
— Bom dia, Herculan! Como foram as
investigações?
— Muito bem, o senhor só me dá tarefas fáceis
de serem resolvidas. Já estou com a bolsa da Aparecida, e mais, como ela estava
no dia do acidente.
— Já estou indo para ai!
— Mire, senhor Gerson. Aqui está a leva-tudo.
— Você a examinou?
— Não! Deixei isso para o senhor fazer.
Gerson abre a leva-tudo e começa a tirar de
seu interior: um maço de liras italianas, um maço de dólares e 1.250 reais. Um
passaporte, que era o que mais interessava. Lá estava o nome da Aparecida:
Franchesca Lichessi, cidadã Italiana, nascida em 07 de setembro de 1974,
portanto com 30 anos de idade, naquele momento. Lugar de nascimento: Milão.
— Bom, senhor Herculan, sua missão ainda não
está concluída. Agora que tem a identidade da Aparecida, convido-o a investigar
de onde ela saiu, e por que não esteve em nenhum dos voos, do dia do acidente?
O grande detetive torceu o pesado corpo na
cadeira, de forma que a fez ranger, deu uma suspirada e disse:
— E, se eu tiver que ir à Itália?
— Pode fazê-lo, se necessário for:
Passados mais de quinze dias, Herculan Decrois
adentra no escritório do Doutor Gerson.
— Bons dias, Doutor Gerson, como tem passado?
— Bom- ia, Herculan. Tem a conclusão de seu
trabalho?
- Sim, aqui tem o meu relatório.
Herculan passou um envelope pardo, contendo
um maço de folhas escritas e muitas fotografias.
RELATÓRIO DECROIS:
Após minuciosa investigação, as quais me
levaram a uma viagem internacional, e, como investigador convicto que sou,
busquei a lista de passageiros, dos voos vindos de Milão, no dia do acidente de
Franchesca. A empresa aérea Alitália nos forneceu todos os dados constantes da
aquisição da passagem aérea. No rol de dados constavam: número do voo, saído do
aeroporto Dinatti, com destino a Buenos Aires, na Argentina, com escala no Rio
de Janeiro e em Porto Alegre, nome completo, data de nascimento, profissão e
endereço. A profissão da investigada constava como sendo a de uma executiva de
uma empresa italiana e seu destino era Buenos Aires.
Quando cheguei à Itália, procurei a família
no endereço que me foi fornecido pela empresa aérea.
Ela é solteira e vivia com os pais em um
apartamento. Seus familiares procuraram-na exaustivamente na Argentina, onde
seria o seu destino. A empresa, onde trabalhava, também entrou na procura. Nas
investigações feitas à época do desaparecimento, encontraram sua mala, que não
foi retirada no desembarque.
Após as investigações, à luz das informações
recebidas, pude inferir uma hipótese com grande possibilidade de ter sido a
realidade. Esta é a hipótese: que Franchesca, ao chegar o avião em Porto Alegre,
achava ter chegado a Buenos Aires. Desembarcou e se dirigiu ao terminal de
retirada de bagagens. Quando se deu conta, o avião já teria partido para Buenos
Aires, onde finalizaria a viagem. Ela deve ter tomado o táxi, provavelmente
para ir a um hotel, quando, no trânsito sofreu o acidente.
— Muito bem, senhor Herculan! O que pretendem
os familiares fazer com ela?
— Os pais são idosos, e, por isso, enviarão
um advogado da empresa onde ela trabalhava, para fazer o desembaraço e levá-la
para Milão.
Dois dias depois, Gerson chega ao
aeroporto Salgado Filho, acompanhado do advogado da família de Franchesca, do
administrador do hospital e de Herculan Decrois. A Aparecida deitada em
decúbito dorsal, em uma maca, foi conduzida pelos já citados. É embarcada na
aeronave que a levaria para Milão. Já no interior do avião, antes da porta ser
fechada, o corpo etérico de Franchesca aparece à porta e abana para Gerson.
Este acena para ela, e lhe joga um beijo, e ela responde com outro beijo
soprado.
Os demais espectadores nada entenderam, salvo
o grande detetive que disse:
— Feliz retorno! — E ela acena também.
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