O MONGE DE CH'ANG-CH'ING - Conto Clássico Sobrenatural - Pu Songling
O MONGE DE
CH'ANG-CH'ING
Pu Songling
(1640 – 1715)
Em
Ch'ang-ch'ing vivia um sacerdote budista de excepcional virtude e pureza de
conduta que, embora contasse mais de oitenta anos, era lúcido e vigoroso.
Certo
dia, caiu e permaneceu imóvel. Quando os demais monges correram para ajudá-lo a
se erguer, descobriram que ele já havia partido. A alma do velho monge,
insciente da morte física, voou para as fronteiras da província de Honan.
Ora,
sucedeu que o herdeiro de uma tradicional família de Honan havia saído, naquele
mesmo dia, com um séquito de dez ou doze pessoas, para caçar a lebre com
falcões. Mas, tendo o seu cavalo fugido em disparada, o fidalgo foi lançado ao
chão e morreu na queda.
Exatamente
nesse momento, a alma do padre aproximou-se e entrou no corpo do cavaleiro, que,
gradualmente, recuperou a consciência.
Quando
os criados se aglomeraram em torno do herdeiro e perguntaram se ele se sentia
bem, este arregalou os olhos e gritou:
—
Como cheguei aqui?
Os
servos o ajudaram a se levantar e o levaram para casa. Lá, todas as damas
vieram vê-lo, indagando sobre a sua saúde.
Com
grande espanto, ele disse:
—Sou
um sacerdote budista. Como cheguei aqui?
Os
servos pensaram que ele estava desvairando e tentaram chamá-lo de volta,
puxando-lhe pelas orelhas.
Nada
podendo fazer, ele limitou-se a fechar os olhos, abstendo-se de dizer algo
mais.
O
fidalgo, agora, alimentava-se apenas de arroz, recusando vinho e carne; e
evitava a companhia de suas esposas. Depois de alguns dias, achou por bem de dar um
passeio, o que deixou toda a sua família encantada. Mas, assim que saiu e parou
para descansar um pouco, foi assediado pelos servos, que imploravam que fizesse
suas contas, como de costume. No entanto, ele alegou que estava fraco e doente,
e nada mais foi dito. Ele, então, aproveitou para perguntar aos servos se conheciam
o distrito de Ch'ang-ch'ing e, diante de uma resposta afirmativa, expressou sua
intenção de viajar para lá, pois se sentia enfadado e não tinha nada de
especial para fazer. Pediu-lhes, além disso, que, em sua ausência, cuidassem de
seus assuntos domésticos.
Os
servos tentaram dissuadi-lo de tal intento, alegando que ele havia se
recuperado, recentemente, de uma queda que o deixara doente e acamado. O
herdeiro, contudo, ignorou aqueles protestos e, no dia seguinte, partiu.
Chegando
ao distrito de Ch'ang-ch'ing, encontrou tudo conforme deixara. E, sem precisar
perguntar pelo caminho, seguiu direto para o mosteiro.
Os
seus antigos discípulos o receberam, com todo respeito, como a um visitante
honrado. E, e em resposta à sua pergunta sobre onde estava o velho monge,
informaram-lhe que o seu digno professor estava morto há algum tempo. Ao pedido
de que lhe mostrassem a sepultura do ancião, levaram-no a um sítio onde havia
um montículo solitário de terra, de cerca três pés de altura, sobre o qual a
grama ainda não verdejava. Nenhum dos discípulos conhecia os motivos que
levavam o fidalgo a visitar aquele lugar. De repente, o visitante lançou não do
cavalo e disse aos discípulos:
—
Seu mestre era um sacerdote virtuoso. Preservem cuidadosamente quaisquer
relíquias suas e mantenha-as longe de perigo.
Os
monges prometeram que assim o fariam e ele, então, partiu para casa. Quando lá
chegou, caiu em um estado de apatia e não mais se interessou pelos assuntos de
sua família. Tanto que, depois de alguns meses, fugiu de casa, seguindo direto
para o mosteiro, seu antigo lar. Lá, disse aos discípulos que ele era, em
verdade, o seu antigo mestre. Mas os monges se recusaram a dar crédito àquilo e
riram entre si de tão estranhas pretensões.
O
recém-chegado, todavia, contou-lhes toda a história de sua vida e recordou
muitos incidentes de sua vida anterior, passada entre eles, até que, finalmente,
os discípulos se convenceram. Ele, então, ocupou a sua antiga cama e retomou a mesma
rotina diária, sem dar atenção às repetidas súplicas de sua família, que, de
cavalo e carruagem, chegava ao mosteiro para implorar que voltasse para casa.
Cerca
de um ano depois, a sua esposa enviou um dos servos com esplêndidos presentes
de ouro e seda, os quais ele recusou, salvo um único manto de linho. E sempre
que algum de seus velhos amigos passava por aquele mosteiro, ia sempre prestar
suas homenagens, encontrando-o tranquilo, digno e puro. Ele tinha, então,
apenas trinta anos, embora tivesse sido monge por mais de oitenta.
Versão em português de Paulo Soriano a partir da tradução inglesa de Hebert Giles (1845 – 1935).
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