UMA VISÃO PRODIGIOSA - Narrativa Clássica Sobrenatural - Pierre Boaistuau
UMA VISÃO
PRODIGIOSA
Pierre Boaistuau
(c. 1517 – 1566)
Havia
na Arcádia dois jovens cujos temperamentos e costumes eram tão semelhantes que
parecia que ambos os rapazes comungavam quase sempre de uma mesma vontade. E
eles gostavam imensamente um do outro.
E
aconteceu que, certo dia, eles se reuniram em Mégara, uma cidade da Grécia, atendendo
a uma oferta de negócios.
Um
deles foi acolhido na casa de um conhecido e o outro ficou hospedado numa
estalagem comum.
O
que ficou na casa do amigo, depois de cear, sentindo um intenso sono,
retirou-se para dormir. E, tendo repousado por duas horas, despertou em
sobressalto, assombrado por um sonho terrível. Nele, viu, diante de si, o seu
amigo e companheiro, que se mostrava muito aflito e necessitado, e lhe pedia o
favor de defendê-lo do estalajadeiro que, para roubá-lo, o atacava.
Naquele
instante, deu crédito à revelação daquele sonho: levantou-se às pressas para ir
ao lugar onde estava o amigo; mas, detendo-se, suspeitou que aquilo não passava
de uma vaga imaginação. Então, voltou
para a cama.
Pouco
tempo depois, a mesma visão voltou a assediá-lo, e com uma revelação ainda mais
atemorizante: viu que o seu amigo, coberto de ferimentos, e todo ensanguentado,
estava morto. Disse-lhe o amigo que, como ele não fizera caso de seu pedido de
ajuda, negando-lhe o socorro em vida, que, pelo menos, vingasse a sua morte:
tinha agora o corpo morto e traspassado pelos muitos ferimentos aplicados pelo
estalajadeiro. O seu cadáver poderia ser encontrado numa carroça coberta de
feno, à porta da cidade.
Por
conta da segunda visão, o jovem compreendeu a natureza do apelo que lhe fizera
o amigo e inteirou-se do lugar onde agora ele jazia. Então, acompanhado pelas
pessoas da casa em que se hospedara, foram ao lugar assinalado pela visão, e
acharam o rapaz — morto e supliciado — conforme mostrara a revelação.
O
estalajadeiro foi preso e, tendo confessado o crime, foi executado.
Versão em português de
Paulo Soriano a partir da tradução espanhola de Andrea Pescioni (séc. XVI).
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