O MONSTRO DA ANDALUZIA - Conto Clássico de Horror - Andrea Pescioni
O MONSTRO DA
ANDALUZIA
Andrea Pescioni
(Séc. XVI)
Tradução de Paulo Soriano
Em
1563, na cidade de Jaén, Andaluzia, vivia uma senhora honesta e nobre que, em
seu coração, propusera guardar a preciosa joia da continência de viúva; assim,
ela e sua família viviam em grande recolhimento, ocupando-se em contínuas obras
de virtude e no exercício contínuo da oração.
Sendo
a viúva uma pessoa venerável, era visitada por pessoas sérias e de autoridade e,
em particular, por aqueles que a imitavam e seguiam seus louváveis costumes;
todavia quem mais continuamente a visitava em sua casa, e com ela conversava,
era um padre que, na superfície, dava sinais de ser um homem de vida honesta e
costumes virtuosos, mas que se descobriu, com o tempo, tratar-se de um lobo em pele
de cordeiro.
Assíduo
naquela casa, o padre pôs os olhos numa serva daquela matrona e sua discípula
em virtude. Tomado de desejo pela jovem, nele perseverou alguns dias sem ousar revelar
sua vontade e intenções desleais. Mas, tendo afrouxado as rédeas da
sensualidade, aguardava uma oportunidade para realizar o seu mau intento, pois
não queria manifestar sua paixão para não macular a sua reputação. Queria ele (como
dizem) acender o fogo antes de se fazer fumaça.
Enquanto,
assim aguardava, foi-lhe oferecida uma ocasião, conforme o desejara: como as
pessoas devotas sempre se empenham em
ter, em seus oratórios, imagens sacras bem trabalhadas, procuravam mantê-los maravilhosamente
adornados. Certo dia, elogiando a boa aparência de algumas imagens,
convidaram-no a vê-las, no que ele anuiu. E, tendo-as visto, mostrou-se
satisfeito; disse, todavia, que tinha imagens mais particularmente apreciáveis;
que, entre outras obras, tinha uma imagem de um Cristo crucificado de grande
devoção, e a elogiou com tanto zelo e empenho que despertou na jovem um grande
desejo de vê-la (do que o padre muito se alegrou, acreditando que, por aquele
meio, satisfaria os seus desejos). Assim, a serva implorou à senhora que,
gentilmente, lhe desse permissão para ver a imagem na casa do padre, súplica à
qual o padre juntou os seus mal-intencionados rogos. Tendo obtido a permissão,
ela partiu, acompanhada apenas de sua simplicidade e inocência.
Tinha
o fingido devoto uma grande imagem do Cristo crucificado, situada perto da
parede, ao pé de sua cama, e entre ela e o Cristo havia um mediano espaço por onde
se podia caminhar confortavelmente. E para lá o padre levou aquela menina. Ela começou
a contemplar a imagem, que ele fingia mostrar-lhe com particular diligência. E,
como a jovem estava de costas para a cama, ele, aproximando-se, derrubou-a
sobre o leito e lá, e em parte à força e em parte por afagos, a violou. Em
razão daquele assédio, a moça ficou grávida.
Querendo
encobrir o malefício, a moça, nos primeiros meses, tentou abortar e, para isso,
tentou vários remédios, mas todos eles foram em vão. Finalmente, a sua senhora
veio a saber do estado em que se encontrava a moça, e esta recebeu a pena que
seu recolhimento e honestidade requeriam. Mas, vendo que a situação era
irremediável, a senhora cuidou de manter aquela gravidez em segredo. Conservou,
pois, a serva recolhida e enclausurada até do parto.
A
senhora não queria que semelhante caso, acontecido em sua casa, se tornasse
público. Assim, quando as dores do parto começaram a afligir a serva, fê-la ir,
embuçada, à casa de uma parteira, para que ali, sem que se pudesse saber da
identidade da jovem, desse à luz, e que, tendo parido, voltasse para casa, providência
que é muito comum nessas gestações encobertas.
Mas
tal intento não foi alcançado, pois, começados os trabalhos, teve a jovem grande
dificuldade no parto e, quando deu à luz, viu-se que lhe nascera uma criança
monstruosa. E tão era monstruoso o recém-nascido que causou à parteira um
grande terror, pois sua forma era diferente da aparência de todos os monstros
que já haviam nascido. Era um menino,
tão perfeito e inteiro quanto qualquer criatura humana poderia ser; mas tinha
três faces, que estavam situadas de um modo semelhante à que alguns pintores
costumam figurar a Santíssima Trindade, para dar-nos a entender a distinção das
pessoas na unidade de essência. Aquelas três faces estavam reunidas naquela
única cabeça nesta proporção: uma delas estava em seu natural lugar, e as
outras duas estavam de cada lado da primeira.
Quando
a parteira viu aquele prodígio, quis saber quem era aquela paciente e a
descobriu. E, ao reconhecê-la, também quis saber quem tinha sido o pai. E, assim,
o que se havia procurado encobrir tornou-se público e manifesto, não só em toda
aquela cidade, mas também em todo mundo. Aquele monstro foi retratado e
divulgado em toda a Espanha, e mesmo fora dela. O bispo daquela cidade agiu
contra o autor daquele crime, mas ele fugiu. Ao final, contudo, o padre foi
forçado a comparecer diante do bispo e se submeter à obediência episcopal. Recebeu
do bispo o castigo e a penitência que ao seu superior pareciam apropriados.
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