O ESPECTRO DO JOVEM OFICIAL - Conto Clássico Sobrenatural - Charles Dickens
O ESPECTRO DO
JOVEM OFICIAL
Charles Dickens
(1812 – 1870)
Às
margens do rio Forth vivia, há muitos anos, uma antiga família do reino de
Fife. Era uma gente jacobita, franca e
hospitaleira. A família era formada por um escudeiro — ou proprietário de
terras —, já avançado em anos, sua mulher e três ou quatro filhas. Os filhos
homens haviam sido enviados ao mundo, mas não a serviço da família
reinante. As filhas eram jovens e
solteiras, e entre a mais nova e a mais velha havia uma profunda afeição.
Dormiam elas no mesmo quarto, compartilhando o mesmo leito e, entre as duas, não
havia segredos. Aconteceu que, entre os que visitavam a velha mansão,
apresentou-se um jovem oficial da marinha, cujo brigue de guerra frequentemente
visitava as próximas baías. Ele foi bem recebido pela família e, entre a irmã mais
velha e o visitante, floresceu um terno idílio.
Mas
a perspectiva de uma aliança entre os jovens não agradou minimamente à mãe.
Assim, sem que se expusessem os motivos, os amantes foram instados à separação.
Argumentou-se que, não sendo o jovem pessoa de recursos, não convinha, àquelas
alturas, um casamento; teriam, pois, de aguardar por tempos melhores. Aquela
era a época em que o pátrio poder — sobretudo na Escócia — equivalia a um
decreto do destino, e a jovem dama deu-se conta de que nada poderia fazer,
senão despedir-se de seu amado. Ele, todavia, não se resignou. Galante e
bem-intencionado, confiou na palavra da mãe de sua pretendida; assim, resolveu
fazer o possível para ampliar a própria fortuna.
Travava-se,
naqueles tempos, uma guerra contra alguma potência do Norte — creio que contra
a Prússia —, e o amante, que contava com as simpatias do almirantado, pediu
para ser enviado ao Báltico. Cumpriu-se o seu desejo. Ninguém se opôs a que os
jovens se despedissem. Assim — ele cheio
de esperanças e ela de tristeza —, se separaram. Combinaram que escreveriam um
ao outro sempre que possível. Duas vezes
por semana, nos dias em que chegava o correio à vila vizinha, a irmã mais jovem
subia ao seu pônei e ia à vila apanhar as cartas. Uma secreta alegria inundava
o peito da jovem mulher a cada carta recebida. Muitas e muitas vezes, as irmãs,
cheias de esperança, se sentavam junto à janela para ouvir o rugido do mar
entre as rochas durante às noites do rude inverno. Rezavam para que cada luz, que cintilava à
distância, fosse o fúlgido sinal irradiado do mastro do navio do oficial, que
se aproximava. Passaram-se muitas
semanas em que as suas esperanças se viram postergadas, e, de repente,
seguiu-se uma trégua na correspondência.
Com o passar dos dias, o correio deixou de trazer as cartas vindas do
Báltico, e a agonia das irmãs — especialmente da que se havia comprometido — se
tornou quase insuportável.
Como
mencionei, dormiam ambas as irmãs no mesmo quarto. Nele, a janela se abria para
as águas do estuário. Certa noite, a
irmã mais nova despertou com os fortes gemidos da mais velha. Haviam levado uma
vela ao quarto, colocando-a no parapeito da janela. Imaginavam — pobrezinhas! — que a vela
serviria de farol para o navio de guerra. À luz da vela, a mais jovem viu como
a sua irmã se revolvia em seu sono agitado. Após uns instantes de hesitação,
decidiu-se por acordar a irmã. Esta, repuxando os cabelos, e deixando escapar dos
lábios um grito selvagem, exclamou:
—
O que fizeste? O que fizeste?
A
irmã tentou acalmá-la e lhe perguntou, carinhosamente, se algo a assustara.
—
Não! — respondeu a irmã, ainda muto excitada.
— Mas eu o vi! Ele entrou pela porta e aproximou-se da cama. Estava
muito pálido e tinha os cabelos encharcados. Estava a ponto de falar-me quando
tu o afugentaste. Oh, irmã, o que
fizeste? O que fizeste?
Não
é que eu acredite que um fantasma apareceu, realmente, à amada, mas o fato é
que o correio seguinte, vindo do Báltico, informava que o navio de guerra do
oficial, com todos os seus tripulantes a bordo, naufragara sob o ímpeto de um
tufão.
Versão em português de
Paulo Soriano.
Excelente conto, bem ao estilo de Dickens e da época em que ele viveu.
ResponderExcluirMuito obrigado pelo comentário, Sandro. Eu, particularmente, adoro Dickens!!!!
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