O FANTASMA ASSEDIADOR - Conto Clássico de Mistério - Joseph Taylor
Joseph Taylor
(Séc. XIX)
Tradução de Paulo
Soriano
O proprietário de uma estalagem
situada nas cercanias das nascentes de Aix-la-Chapelle, tendo perdido a esposa,
confiou a gestão do negócio familiar à filha, que era uma jovem de boa índole, bela
e alegre, de seus vinte anos.
Naquela ocasião, estavam na
estalagem duas senhoras, acompanhadas por uma aia; dois oficiais holandeses e
um frade dominicano.
Certa noite, a jovem foi
despertada por alguma coisa que tentava arrebatar-lhe os lençóis. A moça focou,
a princípio, assustada; mas, julgando que poderia ser o cachorro da
casa, chamou-o pelo nome. No entanto, os lençóis lhe foram tirados. Ela, ainda
a imaginar que aquilo era uma façanha do cão, tomou uma escova que estava ao
seu alcance e tentou afastá-lo. Nesse momento, ela viu um repentino clarão,
que preencheu toda a sala. Então, a jovem gritou. Depois, tudo permaneceu
novamente escuro e silencioso, e as roupas não lhe foram mais subtraídas.
De manhã, quando contou o
incidente aos presentes, todos tomaram por sonho aquele episódio. A própria
moça, finalmente, convenceu-se de que tudo não passara de uma ilusão.
À noite, ela foi novamente
acordada por algo que a empurrava e julgou que era uma mão. Quando tentou
evitar o assédio, um novo clarão a lançou num profundo terror. Fechou os olhos
e benzeu-se. Quando ousou abrir os olhos, a intensa luz desapareceu.
Todavia, pouco tempo depois, sentiu novamente o que supunha ser uma mão na cama.
De novo, tentou reprimi-la e, olhando para o pé da cama, vislumbrou uma grande
cruz luminosa, na qual leu — claramente escritas — estas palavras: “Fique em
silêncio!"
A moça estava agora tão aterrorizada que não conseguiu
reagir; pôde, apenas, encolher-se na cama e cobrir-se com os lençóis.
Assim permaneceu a moça por
um tempo considerável. Sendo, todavia, mais uma vez incomodada, aventurou-se novamente
a espiar. Para o seu indescritível espanto, viu um fantasma ao lado da cama.
Era ele não alto quanto o teto e uma espécie de halo circundava sua cabeça, na
forma de um crucifixo. O espectro parecia dotado de várias mãos e uma delas estendeu-se
novamente à cama.
Supondo que o fenômeno fosse
alguma visão celestial, ela, enchendo-se de coragem, saltou da cama e ajoelhou-se
diante da mão. Mas, imediata e novamente importunada, convenceu-se de que se
enganara. Sem forças para se desvencilhar de algo que, agora, a abraçava, gritou
o mais alto que pôde para alarmar a casa e atrair alguém em seu socorro.
Seus gritos despertaram as damas
que estavam num quarto contíguo e estas mandaram a aia para ver o que
acontecia. Esta, ao abrir a porta do
quarto, viu um fantasma luminoso — que muito a aterrorizou — e ouviu, num tom
profundo e ameaçador, as seguintes palavras:
— Por sua conta e risco, vá
embora!
A mulher, prontamente,
soltou um grito e se retirou. As damas, muito consternadas e cheias de terror,
se levantaram, mas ninguém acudiu a garota. O seu velho pai dormia em uma parte
remota da casa e o frade repousava em outro andar, num quarto situado no final
do corredor. Quanto aos oficiais holandeses, haviam-se ambos ausentado, em
visita a uma aldeia vizinha.
Nenhum outro assédio importunou
a jovem naquela noite e, assim que amanheceu, ela se levantou, correu até o pai
e contou tudo o que havia acontecido. As duas senhoras não estivaram ausentes por
muito tempo, mas pouco falaram e logo deixaram a estalagem. O frade, tendo
feito diversas perguntas à moça, declarou ter ouvido outros casos de natureza
semelhante. Disse, todavia, que seria de bom alvitre que ela obedecesse aos comandos
da visão: se assim agisse, nada de mal lhe aconteceria. Disse, além disso, que
ficaria para ver como as coisas se resolveriam. E, entrementes, encomendou, num
convento vizinho, pertencente à sua ordem, missas e orações, que, devotamente, juntaram-se
às suas.
Embora aquela assistência
espiritual a tenha consolado, a jovem levou uma das criadas para acompanhá-la
na noite seguinte. Na calada da noite, a cruz flamejante fez-se novamente
visível. Contudo, as mulheres não sofreram assédio algum. Estavam, no entanto,
muito aterrorizadas. A criada disse preferir dar o fora a deitar-se naquele quarto
novamente.
O frade, na manhã seguinte,
tomou para si o mérito do comportamento pacífico do espírito.
Renovaram-se as missas e orações e pediram-se auxílios aos conventos de Liège. No
entanto, o bom frade não estava minimamente ocioso em casa: ardorosamente, fazia
as suas devoções e, ao cair da tarde, oferecia abundante libação de água benta
na cama e no quarto da jovem mulher.
A moça não logrou convencer
a criada a fazer-lhe, novamente, companhia no quarto assombrado. Mas, sendo
encorajada pelo frade a enfrentar a questão — já que tinha grande confiança nas
orações, missas e aspersões que se fizeram na ocasião —, aventurou-se, mais uma
vez, dormir sozinha naquele quarto.
À noite, depois de ouvir
alguns ruídos leves, viu o quarto todo em chamas. Contemplou inúmeras cruzes
luminosas, com rabiscos de escrita, bem legíveis, aqui e ali. Dentre as
garatujas, a ordem de permanecer calada era a mais evidente.
No meio do quarto, a moça
viu algo de aparência humana, que parecia coberta apenas com uma camisa de linho,
irradiando em torno de si uma luminescência. Finalmente, a passos lentos e
silenciosos, aquilo se achegou à cama.
Quando se postou ao lado do
leito, a aparição abriu mais a cortina e, afastando os lençóis, estava prestes
a adentrar na alcova. A garota, agora mais apavorada do que nunca, gritou
com todas as forças. Como, na casa, as pessoas permaneciam de guarda, todos
ouviram aquele grito. Somente o pai da moça, todavia, teve a coragem de
socorrê-la e a sua bravura deveu-se, provavelmente, a uma quantidade
considerável de relíquias adquiridas no convento, e que, agora, lavava na mão.
No entanto, ao chegar, nada
se viu além de algumas das pequenas cruzes e inscrições — várias das quais,
agora, somente em parte luminosas.
Apavorado com essas aparições,
o pai correu para o quarto do frade e, com alguma dificuldade, convenceu-o a
acompanhá-lo ao quarto assombrado. A princípio, o religioso se desculpou, por
não querer incomodar a moça em sua intimidade, mas, assim que entrou, e viu as
cruzes, prostrou-se no chão e pronunciou muitas orações e encantamentos, aos
quais o honesto estalajadeiro disse amém.
A pobre moça, entretanto,
estava numa espécie de transe. O pai, terminadas as orações, desceu correndo as
escadas para tomar vinho, mas à sua recuperação foi preciso uma dose de licor.
O frade, ao mesmo tempo, mandou acender e trazer-lhe um círio consagrado. Até então,
eles tinham apenas a luz que aquela aparição irradiara, forte ainda para iluminar
tudo na sala.
Pouco depois, o velho homem
entrou com o círio mão. Imediatamente, a luminescência desapareceu. A
moça, logo após, se recuperou e fez um relato muito sensato de tudo o que havia
acontecido. O estalajadeiro e o frade passaram o resto da noite juntos.
No entanto, para mostrar a santa
virtude do círio, o frade removeu o daemon do quarto, antes que o dia
amanhecesse. Mas as cruzes e inscrições ficavam novamente visíveis, e assim
permaneciam, até que o círio fosse trazido de volta. Então, voltavam a desaparecer.
Ao nascer do Sol, o frade
despediu-se para ir às matinas e só retornou ao meio-dia. Nesse ínterim,
os dois oficiais holandeses voltaram à estalagem e, apesar de o estalajadeiro
ter feito possível para esconder o sucedido, logo ficaram a saber do que se
passava na estalagem. Os relatos que ouviram foram confirmados pela fisionomia
pálida e aterrorizada da jovem mulher. Aqueles fatos excitaram sobremodo a
curiosidade dos holandeses, que fizeram inúmeras perguntas aos presentes. As
respostas, em vez de extinguir a curiosidade dos oficiais, ainda mais a
aumentaram. Garantiram ao senhorio que não sairiam de sua casa; ao
contrário, dispuseram-se a prestar-lhe toda a assistência que estivesse ao seu
alcance.
Os jovens oficiais eram
protestantes, ousados e incrédulos. Eles fingiam, no entanto, compartilhar
a opinião do senhorio, para quem as aparições eram um evento sobrenatural. Mas
sucedeu que, entrando no quarto, encontraram o resto do círio — sobre cujas
virtudes o estalajadeiro tanto discorreu — e logo perceberam que se tratava,
apenas, de uma grande vela comum. O tamanho da vela e o susto do estalajadeiro
o haviam enganado.
Essa descoberta convenceu os
oficiais de que tudo não passava de uma fraude: o ente fantasmagórico, que
desaparecia com a aproximação da luz não consagrada, deveria ser produto de mero
artifício humano.
Eles, portanto, investigaram
juntos e, finalmente, concordaram que as missas deveriam continuar; que o
senhorio não deveria dizer uma palavra sequer sobre a vela, ou sobre as
suspeitas que esta havia despertado; que a filha, na noite seguinte, deveria
dormir no quarto que as senhoras haviam abandonado; e que um dos oficiais haveria
de se deitar na cama da moça, enquanto o outro, com o senhorio, esperaria na
cozinha, para ver o que aconteceria.
Este plano foi, destarte,
levado — com grande sigilo —à execução.
Tendo o oficial se deitado,
tudo permaneceu calmo e silencioso por duas horas. O militar começou a
suspeitar que tudo não passava de fantasia ou astuto engodo da jovem mulher. Mas,
de repente, ouviu que levantavam suavemente o trinco da porta; e, notando que
algo se aproximava da cama para subtrair-lhe os lençóis, resistiu com força
suficiente para frustrar a tentativa. Então, imediatamente, o quarto inteiro pareceu
estar em chamas. Viu muitas cruzes e inscrições ordenando silêncio e uma
aquiescência passiva a tudo o que deveria acontecer; viu, também, no meio
da sala, algo de aparência humana, muito alto e bastante luminoso. A princípio,
o oficial ficou aterrorizado. Então, a aparição encetou uma segunda aproximação
ao lado da cama. No entanto, o militar, recuperando a coragem logo ao primeiro
momento de reflexão, habilmente jogou um nó corrediço, que havia amarrado a uma
das colunas da cama, sobre o pescoço do fantasma. Imediatamente, o oficial puxou
a corda e levou ao chão a aparição. Então, jogou-se sobre o fantasma. A queda e
a luta fizeram tanto barulho que o outro oficial e o estalajadeiro correram com
luzes e armas. Descobriram, então, que o espectro não era outro senão o bom
frade que, tendo concebido algo mais do que uma afeição espiritual pela linda
filha de seu senhorio, criara aquela farsa infernal para satisfazer a sua
paixão.
Tendo sido colhido em
flagrante, sem qualquer esperança de
subterfúgio ou fuga, o frade fez uma confissão completa de sua culpa e implorou
fervorosamente por misericórdia.
Aquele homem, que tinha
quase um metro e oitenta de altura, se fez parecer ainda mais alto colocando,
sobre a cabeça, uma espécie de tiara sobressalente de papel; também enfiou
umas varas nas mangas de seu hábito, que tomavam a aparência de uma cruz, deixando
livres ambas as mãos. Finalmente, tornou a si mesmo e seus acessórios visíveis
no escuro pelo emprego de fósforo.
O estalajadeiro contentou-se em dar uma surra em Sua Reverência e em jogá-lo no olho da rua, com uma ordem estrita de deixar o território de Liège para sempre, sob pena de ser tratado com muito mais severidade.
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