O FANTASMA MALIGNO DE SPRAITON - Narrativa Clássica de Terror - Sabine Baring-Gould
Sabine Baring-Gould
(1834 – 1924)
Tradução de Paulo Soriano
“Por
volta do mês de novembro passado, no bairro de Spraiton, estando um certo Francis
Fey (empregado do Sr. Phillip Furze), num campo, perto da casa do seu patrão,
apareceu-lhe o espectro de um velho cavalheiro, pai de seu senhor, com uma vara
na mão, semelhante àquela que ele, quando vivo, costumava carregar para matar
toupeiras.
O
jovem, de quem o espectro se aproximou, não ficou nem um pouco surpreso com o
surgimento de alguém que ele sabia morto.
O Espectro,
ainda assim, disse-lhe que não tivesse medo, senão participasse ao seu senhor que
vários legados, deixados em seu testamento, não haviam sido entregues aos
beneficiários: dez xelins para um e tanto quanto para o outro, dos quais lhe deu
os nomes.
O
jovem respondeu que o último legatário mencionado era já falecido e, portanto,
não poderia receber a deixa.
A
aparição respondeu que sabia da morte de seu legatário. Assim, a deixa deveria
ser entregue ao parente mais próximo do falecido, de quem também lhe disse o
nome.
O
fantasma ordenou, também, que o rapaz levasse vinte xelins a uma senhora, irmã
do falecido, que morava em Totness, e prometeu que, se essas coisas fossem
feitas, não o incomodaria mais.
Em
sequência, o espectro, referindo-se à sua segunda esposa — também falecida —, disse-lhe
tratar-se de uma pessoa malévola, embora este escritor a conhecesse e a
estimasse como uma boa mulher.
O
espectro desapareceu. O jovem fez como ordenado e viu que um dos legados estava
devidamente pago. No entanto, havia levado os vinte xelins para a senhora de
Totness; mas esta recusou-se terminantemente a recebê-los, acreditando que a
deixa lhe tinha sido enviada pelo diabo.
Naquela
mesma noite, o jovem, que estava hospedado na casa da irmã de seu antigo
senhor, viu o fantasma novamente. O rapaz, então, protestou contra a aparição,
lembrando-a da promessa, que fizera, de não mais incomodá-lo. Explicou ao
fantasma que a irmã do falecido se recusara a aceitar o dinheiro. Então, o
espírito mandou o jovem montar um cavalo, cavalgar até Totnes e comprar um anel
no valor de vinte xelins, assegurando-lhe que a dama o receberia.
No
dia seguinte, depois de ofertar anel — que foi aceito —, o rapaz voltava, nas
imediações de Totnes, para casa de seu amo, acompanhado por uma criada da
legatária. Todavia, ao entrar no bairro de Spreyton, um fantasma foi visto
montado na garupa de seu cavalo. Aquele espectro lançou os braços compridos à
cintura do rapaz e atirou-o da sela ao chão. Testemunharam a queda diversas pessoas
na estrada, bem como a empregada de Totnes.
Ao
entrar no terreiro da fazenda do Sr. P. Furze, para o espanto de todos, o
cavalo deu um salto de cerca de vinte e cinco pés.
Logo
depois, um fantasma feminino apareceu na casa, e foi visto pelo mesmo
jovem, assim como pela Sra. Thomasine Gidley, Anne Langdon e uma criança. A
aparição era capaz de assumir diversas formas: ora aparecia como um cão
arrotando fogo, ora saía pela janela em forma de cavalo, quebrando uma vidraça
e um pedaço de ferro. Certamente, foi muita generosidade, da parte dela, na
forma de um cavalo, causar tão pouco dano! Mas, geralmente, ela caminhava pelo
corredor e aparecia nos quartos em sua aparência natural. Não havia dúvida de
quem era esse fantasma. O espectro do velho cavalheiro já havia sugerido que
sua segunda esposa era uma mulher malévola, e poderia tornar-se bastante desagradável.
Certa
feita, mãos invisíveis agarraram o jovem e enfiaram a sua cabeça em um espaço
estreito, entre a cabeceira da cama e a parede: foram necessárias várias
pessoas para libertá-lo. Sentindo-se oprimido e amedrontado, o jovem adoeceu
tão gravemente que um cirurgião foi chamado para sangrá-lo. Assim que o
procedimento foi realizado, as ligaduras em torno do braço foram subitamente puxadas
e arrancadas, e cingidas à sua cintura, e com tanta força que o rapaz quase
sufocou. Para aliviá-lo, as ligaduras tiveram que ser cortadas a faca. Outras
vezes, o seu lenço de pescoço era severamente apertado.
Às
vezes, o espectro assumia um humor brincalhão e se punha a arrancar as perucas
das cabeças das pessoas. Uma das perucas, que estava em cima de um armário,
dentro em uma caixa, com um banquinho sobre ele, foi puxada e rasgada em
pedaços — e esta era a mais cara da casa.
Doutra
feita, viram que o cadarço do jovem saíra, por conta própria, de seu sapato, e
se lançara ao outro lado da sala; então, o outro cadarço começou a rastejar
atrás de seu companheiro. Ao ver isto, uma aia puxou o cadarço, que se enrolou
tenazmente em torno de sua mão como uma enguia ou serpente.
As
roupas do jovem foram tiradas e rasgadas em pedaços, assim como as de outro
criado da casa, e isso enquanto eles estavam de costas. Um barril de sal foi
visto saindo de uma sala para outra, intocado por mãos humanas. Quando a aparição
surgiu à sua própria semelhança, estava vestida com as roupas comuns das
mulheres da época, especialmente as usadas pela Sra. Philip Furze, a sua nora.
Na
véspera da Páscoa, o jovem estava de volta à cidade quando foi agarrado pelo
espectro feminino pelo casaco e carregado pelo ar, com a cabeça, pernas e
braços pendurados.
Tendo-se
perdido do patrão e companheiros, estes foram à sua procura, mas, somente meia
hora depois do incidente, o rapaz foi encontrado, a alguma distância da casa,
mergulhado no meio de um pântano, e, em estado de êxtase ou transe, assobiando
e cantando. Com grande dificuldade, ele foi tirado dali, levado para a casa e
colocado na cama. Toda a parte inferior de seu corpo estava entorpecida pelo
frio causado pela longa imersão no pântano. Encontraram um dos seus sapatos
perto da porta da casa, e outro nos fundos da casa. Acharam a sua peruca
pendurada entre os mais altos galhos de uma árvore. Em sua recuperação, ele contou
que o espírito o havia arrebatado a uma altura tal que a casa de seu patrão lhe
parecia do tamanho de um monte de feno.
Como
seus membros permaneciam entorpecidos, ele foi levado para Crediton no sábado
seguinte para ser sangrado. Após o procedimento, deixaram-no sozinho; todavia, quando
seus companheiros chegaram, encontraram sua testa cortada, inchada e sangrando.
Segundo ele, um pássaro, com uma pedra no bico, voou pela janela e acertou a
sua testa. A sala foi revistada; nenhuma pedra foi encontrada no chão, senão um
peso de latão.
Este
é um relato fiel do conteúdo de uma carta de um respeitável morador de Devon,
datada de 2 de maio de 1683. O jovem terá 21 anos se viver até agosto próximo.”
O
título deste curioso panfleto é: "A Narrativa do Demônio de Spraiton”.
Fonte: Devonshire
Characters and Strange Events, 1908.
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